Ninguém seria capaz de imaginar
quanta dor escondia meu sorriso raso, a abertura tremula e nervosa da minha
boca a mostrar nem a terça parte dos dentes. Ninguém jamais poderia medir, de
uma extremidade a outra, o tamanho exato do constrangimento que sentia quando
algum membro da família resolvia debochadamente falar sobre minha condição
geral na ocasião em que cheguei à casa da minha avó. Durante a minha infância,
parte da adolescência e eventualmente depois de adulta, falavam a meu respeito
como se eu não estivesse presente. Qualquer oportunidade se convertia em motivo
para um “Senta aqui que eu te conto como essa doida veio parar aqui em casa”.
Eu conhecia essa história em todas as suas vírgulas, aspas e hifens.
Quando me vira pela primeira vez
não pudera controlar o ímpeto de chorar. Eu estava tão doente que achou
prudente fazer promessa com sua Santa para que eu sobrevivesse. Eu tinha olhos
fundos, a boca banguela, apenas uma penugem na cabeça, estava esquálida e tinha
tantas feridas pelo corpo que mal se podia ver a pele. “Coitada, ao que parece
não irá vingar”. Contou minha tia dando ênfase, através de caretas e o
estremecimento de cabeça, ao suposto aspecto escatológico do embrulho que tinha
em mãos. Prosseguindo, estendia-se sobre as perspectivas de que, a julgar pelas
minhas condições gerais, eu estaria morta o quanto antes. Também buscava
ressaltar que mesmo os prognósticos não sendo favoráveis resolveram cuidar de
mim.
Minha pouca saúde, efetivamente,
não seria o único obstáculo à minha sobrevivência, as condições gerais da
família também não eram favoráveis. Por isso minha avó vivia repetindo que não
teria como me proporcionar os devidos cuidados médicos, uma vida de alguns
luxos e que até poderia me faltar leite, mas, frutas, verduras e mingau de
mandioca teria em abundância. De fato, não morri de fome! Suponho que as
feridas e a inanição também não me venceram. Resta, portanto, aceitar que, por
algum motivo, eu fui mais forte que a morte.
Morrer talvez não me parecesse
uma opção. Certamente, minha mãe não foi acompanhada por um obstetra ou fez
pré-natal. Muito menos eu tive pediatra, caderneta de vacina e muito menos fui
amamentada. Sobrou-me a vida rústica do agreste, onde somente os fortes
sobrevivem. Onde ainda se bebia água com
gosto de barro, comia-se feijão cozido com banana verde e toucinho. Onde o
desjejum era feito com tapioca ou beiju enrolado na bananeira e assado na brasa
e com café torrado no tacho e triturado no moedor de café manual. Onde suco era chamado de garapa. E a gente
enchia o bucho de garapa de tangerina adoçado com melaço de cana ou com
rapadura.