terça-feira, 30 de abril de 2013

A violência traduzida em números






Há exatos 14 dias atrás fiz meu primeiro post no blog “Violência de Gênero. Basta!”. O blog foi criado com o intuito de discutir a violência contra a mulher e antes de atingir 15 dias de vida sinto-me impelida a discutir duas ocorrências de grande repercussão. No entanto é importante ressaltar um dado alarmante, de lá pra cá foram mortas 53 mulheres por seus namorados, maridos ou companheiros, ou seja, quase quatro mortes ao dia. São vítimas do machismo, da opressão e da impunidade.
Na manhã de terça-feira, dia 23 de abril, foi enterrado corpo de Hirome Sato de 57 anos, morta por estrangulamento em seu apartamento pelo seu companheiro, o advogado Sérgio Brasil Gadelha, de 74 anos, que confessou ter cometido o crime por conta de ciúmes.
Segundo o próprio acusado relata não era sua intenção mata-la, no entanto, os médicos só foram chamados pra atender a vítima na noite de domingo, quase 30 horas após a sessão de espancamenteos, quando uma filha de Gadelha foi ao apartamento. A perícia achou vários sinais de agressão no corpo de Hiromi, além das marcas de estrangulamento.
Outro crime brutal vitimou uma adolescente de 17 anos na cidade de Iguatú, interior do Ceará. O corpo da jovem, Keyla Cibela Queiroz foi encontrado num lixão, na saída da cidade por uma catadora de lixo. A jovem estava desaparecida a mais de dois dias. Yaslan Moreira da Silva, companheiro da vitima, com quem tinha um filho de 9 meses e um relacionamento de mais de dois anos, confessou ter matado a jovem com uma martelada na cabeça, em seguida,  ter envolvido seu corpo em sacos plásticos e desovado no lixão.
A exposição desses dois casos resume bem a situação de vulnerabilidade na qual nos encontramos. Os homicídios aqui destacados foram usados apenas como demonstrativo dos restantes 53 de feminicídios (morte de mulheres em razão de gênero) cometidos no nosso País somente na última quinzena, de 16 a 30 de abril.
Apesar da lei Maria da Penha ser um marco na luta contra violência , ela ainda é insuficiente como método preventivo e corretivo. Infelizmente a impunidade ainda é um fator estimulador das práticas de violência contra a mulher.
Em 2007, primeiro ano de vigência da lei Maria da Penha, o número de homicídios apresentou queda: de 4,2 mortes, foi a 3,9 mortes para cada 100 mil mulheres. Já no ano seguinte, a taxa voltou a atingir os patamares anteriores.
Dados do Ministério da Saúde revelam que entre 1980 e 2010, foram assassinadas 91.932 mulheres. Do total de agressões contra a mulher, 42,5% são do cometidas pelo próprio parceiro ou ex-parceiro, e 68,8% dos incidentes acontecem em âmbito doméstico.
Estatísticas fornecidas pelo Instituto Patrícia Galvão revelam que pelo menos 70% dos feminicídios são praticados por maridos ou ex-maridos, namorados ou ex-namorados, noivos ou ex-noivos, companheiros ou ex-companheiros.
É lamentando profundamente que exponho aqui esses dados. No entanto, meu sentimento maior nesse momento é de revolta. Sinto-me extremamente frágil ante essa violência. Imagino que a próxima vitima possa ser eu. E vejo que Estado permanece omisso ante os fatos.

Fontes: O Povo on Line, O Estadão, Machismo Mata Word Press

terça-feira, 23 de abril de 2013

O grito como mecanismo de intimidação.




 O feirante grita pra chamar a atenção dos clientes. O leiloeiro grita com o intuito de entusiasmar o comprador. O treinador grita pra incentivar o time. O homem grita com a companheira com o intuito de intimida-la, como meio de fazer valer sua vontade, livrar-se de uma situação desfavorável ou como uma simples demonstração de poder.
É fato que a imensa maioria dos homens tem compleição física superior a das mulheres e, portanto, um grito masculino nos soa extremamente intimidador. O simples encarar de olhos esbulhados já quer nos dizer que há perigo à vista. E o homem sabe disso. Sabe também que dificilmente vamos enfrenta-los fisicamente. Então ele usa o grito como ameaça. Subentende-se que depois que ele grita nada mais deverá ser feito ou dito, pois há risco iminente de ter que enfrentar sua fúria na forma mais devastadora, a agressão física.
Ouvimos gritos quando estacionamos mal o carro, quando passamos a marcha errada, não entendemos algo, cometemos algum erro. Mas, sobretudo, ouvimos gritos quando questionamos os homens, quando tentamos iniciar um diálogo acerca de algum assunto que lhes possa ser inconveniente.  Nessas ocasiões o grito é a ferramenta que vai impedir a progressão da conversa, ele vai nos manter sob controle, vai fazer com que recuemos e desistamos dos esclarecimentos. O efeito desejado é realmente nos amedrontar, nos acovardar e nos causar insegurança.
Para o homem, o confronto é efeito colateral do grito. Ele deseja evita-lo, mas caso não seja possível não se esquiva dele. Já a mulher se preocupa bastante com o embate, pois não pode precisar que contorno este irá tomar. Todas nós conhecemos bem as possíveis consequências do enfrentamento e nos esquivamos dele o máximo possível. É uma batalha desigual, cujos danos podem ser irreparáveis. Esses fatores nos deixam em grande desvantagem. Essa fragilidade é usada pelo “macho” pra nos oprimir.
Há a cultura da tolerância aos gritos, olhares intimidadores, palavras grosseiras e xingamentos. Estamos tão condicionadas que não vemos toda essa hostilidade como uma forma de violência, uma forma de demonstrar superioridade física e de nos submeter as suas vontades. Apesar de passar despercebida, essa é a mais comum forma de opressão contra nós mulheres. É a cultura machista se impondo sobre nós e nos mantendo sob seu domínio. E sempre que se sentem encurralados eles gritam. É um ciclo vicioso, quanto mais se conquista com o grito, mais eles gritam. Não obstante, quando o grito deixa de surtir efeito, a violência passa a manifestar-se através do espancamento.
Devemos, portanto não nos deixar intimidar, devemos encarar o grito como ele realmente é, uma ameaça, uma violência e mais um mecanismo de opressão contra a mulher. Numa relação entre iguais deve prevalecer o diálogo, os conflitos devem resolvidos através da conversa, deve prevalecer o respeito mútuo.  Onde há hostilidade há uma relação doente, falta respeito e igualdade. Neste contexto não há como se manter saudável ou educar filhos saudáveis.
O grito é uma das manifestações da violência psicológica e como tal pode ter implicações contra o agressor quando denunciada. É imprescindível que nós mulheres não sejamos conivente com essa agressão. 

sexta-feira, 19 de abril de 2013

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA MULHER.

Por Ana Eufrázio



      Outro dia, conversando com uma amiga, abordei o tema violência psicológica contra a mulher. Ia falar sobre os impactos que esta tem sobre a mulher e sua saúde quando ela me interrompeu com o argumento de que “Se nem a violência física, que é mais bem impactante e que deixa marcas, a gente não conseguiu abolir, imagine essa coisa de violência psicológica”. A sua observação é pertinente, já que essa é a violência tolerada, tanto por quem a vivencia como pela sociedade. Esse é um ponto de vista comum, de que a violência psicológica é um problema menor, quase insignificante. A violência contra a mulher esta tão naturalizada que só nós causa indignação aquela que lesa o corpo. As cicatrizes da alma que estão obscuras, e por muitas vezes até pra quem as tem, são ignoradas.

No entanto, um fator a ser considerado é que o agressor nunca, em hipótese alguma, inicia um histórico de violência contra a sua companheira com espancamento. Até que a violência se torne física ela se manifesta na modalidade psicológica, através de olhares intimidadores, palavras grosseiras, gritos e ameaças.

    De acordo com a Convenção Interamericana (também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”) de 1994, violência contra mulher pode ser definida como “Qualquer ato ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada”.   

      Estudiosos defendem que a violência de gênero é um fenômeno que reflete a relação de dominação masculina e subordinação feminina. Nesse sentido há uma relação de posse, onde a violência surge como uma maneira de manter essa submissão e com isso busca-se conservar a mulher sob o poder masculino, evitando que ela lhe escape e opte pela separação. A violência psicológica presta-se perfeitamente a esse fim. Já que a própria vítima não a reconhece como agressão ou agressão grave. Dessa forma ela vai sendo reproduzida indefinidamente, seja por conta do silêncio da vítima ou da legitimação desta por conta de fatores culturais. Outro fator a ser considerado é que as cicatrizes provocadas são psicológicas, e, portanto, difíceis de serem comprovadas. Este fator provoca na vítima medo de descrédito e resistência à realização da denúncia.

     Contudo, essa forma de violência pode levar a mulher à depressão, ansiedade, distúrbios da alimentação e do sono, ao uso de álcool e drogas, à vergonha e à culpa, fobias e síndrome de pânico, inatividade física, baixa auto-estima, distúrbios de estresse pós-traumático, tabagismo, comportamentos suicidas e autoflagelo, comportamento sexual inseguro.

 

“A violência psicológica ou violência emocional ocorre através da rejeição de carinho, ameaças de espancamento à mulher e seus filhos, impedimentos à mulher de trabalhar, ter amizades ou sair; por sua vez, o parceiro lhe conta suas aventuras amorosas e, ao mesmo tempo, a acusa de ter amantes.
Uma pesquisa realizada no Chile identificou que existem diversas manifestações da violência psicológica e o autor assim as classificou:

- Abuso verbal: rebaixar, insultar, ridicularizar, humilhar, utilizar jogos mentais e ironias para confundir.

- Intimidação: assustar com olhares, gestos ou gritos, jogar objetos ou destroçar a propriedade.

- Ameaças: de ferir, matar, suicidar-se, levar consigo as crianças
- Isolamento: controle abusivo da vida do outro por meio da vigilância de seus atos e movimentos, escuta de suas conversações, impedimento de cultivar amizades.
- Desprezo: tratar o outro como inferior, tomar as decisões importantes sem consultar o outro.

- Abuso econômico: controle abusivo das finanças, impor recompensas ou castigos monetários, impedir a mulher de trabalhar embora seja necessário para a manutenção da família.”. (Leticia Casique e Antônia R. F. Furegato).



Fontes:

Leticia Casique e Antônia R. F. Furegato. Violência contra a mulher: Reflexões teóricas. Rev Latino-am Enfermagem 2006 novembro-dezembro; 14(6). www.eerp.usp.br/rla.

Brasil, Saúde da mulher: Violência contra a mulher. http://www.brasil.gov.br/sobre/saude/saude-da-mulher/violencia-contra-a-mulher.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Desamparos

       Entrei correndo à procura da minha professora. Numa das salas encontrei seu irmão. Ele me chamou e logo que me aproximei ele me agarrou por trás. Imagino que pôs o pênis pra fora e ficou roçando nas minhas nádegas enquanto passava as mãos pelo meu corpo.
     Tinha apenas seis anos e era a segunda escola que frequentava. Estava instalada num sítio bem arborizado, tinha muro baixo, pintado à cal, com um largo portão de ferro. A casa era enorme, com muitos quartos e uma cozinha ampla com fogão a gás e à lenha, ficava um pouco afastada da rua e era toda rodeada por alpendres. Descendo em direção leste encontrava-se uma lagoa. Nossas aulas aconteciam sob os alpendres debruçados sobre três longas mesas cujos assentos eram compridos bancos de madeira. Embora as pessoas e o ambiente parecessem familiares esta escola serviu de cenário para uma agressão covarde promovida por um ingênuo “tio”.
   Foram minutos, ou segundos, intermináveis. Enquanto durava aquele ataque eu experimentava um desamparo que beirava a sensação de estar morrendo. Sentia uma enorme ânsia de vômito e meu corpo todo gelar e tremer. Era asqueroso aquele homem roçando minhas costas. A angústia foi tamanha que não lembro precisamente o que ele fez, era fato que suas mãos se multiplicavam por todo meu corpo. Estava apavorada e com um imenso medo de gritar, medo que ele me machucasse, e até de morrer. Não entendia absolutamente nada do que estava acontecendo, porém estava certa de que havia algo de muito errado naquele comportamento, principalmente pela maneira que ele me largou quando alguém adentrou a sala e flagrou a cena. Ele baixou a cabeça e virou em direção aos quartos, acredito que tentava se esquivar de alguma punição. Não tenho ideia do ocorreu depois, já que aproveitei pra fugir.  Corri o mais rápido que pude até chegar à minha casa e me sentir segura.
      De alguma forma me sentia cúmplice do assédio, por isso calei e tratei de esquecer este fato. Por este motivo não recordo dos dias seguintes a ele, lembro bem que me recusei a continuar frequentando esta escolinha. Foram anos sem recordar nada com relação a este dia fatídico, até encontrar por acaso a sobrinha dele, eu já estava com mais de vinte anos. Então, de repente veio à mente um filme acompanhado de todas as sensações que vivi naquele momento. Emfim eu podia recordar aquele homem roçando a barba no meu pescoço e a violência dele contra meu corpo. Acredito que foi depois desse abuso que passei a sentir nojo de homem de barba. Eu simplesmente tenho asco de que homens peludos me toquem.

Sob a sombra do medo.





Às vezes me invade uma sensação de que o chão aos meus pés desapareceu e que estou flutuando, procuro algo em que me agarrar, e o máximo que consigo encontrar é vácuo, brisa, um indescritível vazio. Tento me apegar a algo em mim, e o meu eu fora esvaziado, não me restou nada, coisa alguma, sequer uma réstia ou um facho luz.

Vivo a angustiante essência da morte.

As minhas entranhas se fecham.

O ar fica rarefeito.

Sinto por um ínfimo instante uma tontura, um breve desfalecimento. Desejo ardentemente apagar, sentir meu corpo languido se deixar cair. No entanto, uma dor dilacerante ecoa intermitentemente em meu nicho craniano.

Deliro que morri e que estou procurando um local escuro pra me esconder. Vago insana de beco em beco, de viela em viela. Onde larguei o lugar calmo, silencioso e escuro? Lembro que deixei numa rua... Aonde? Quero meu lugar! Um abrigo onde eu não possa me encontrar.

Meu eu está inundado de mim.

Tento me libertar dessa contradição de ser eu a pessoa que ocupa tão espaçosamente este corpo físico e este sujeito paranoico.

Meus gestos são largos, cheios de si. Minhas palavras estão sempre prontas, e saem da boca sem o meu controle.

Sufoco no ócio do meu ser, viajo na sensação de estar fora de mim e atuar como juiz pleno dos meus atos. 

Eu o meu carrasco cruel.

Essa vontade louca de punição.

Um desejo cortante de me apontar o dedo julgador e imputar-me pena máxima me ocorre intempestivamente. A angústia do seu cumprimento é latente, queria pagá-la de pra todo o sempre. Zerar a contar.

E por fim passar uma borracha e esquecer de vez a culpa de ser eu este ente que acorda, anda, come e ri.