terça-feira, 28 de outubro de 2014

Conselho Federal de Medicina apoia a descriminalização do aborto




Finalmente o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou ao entendimento de que as mortes, mutilações, infertilidade e outros danos provocados pela clandestinidade do aborto é um grave problema de saúde pública e se pronunciou em favor da liberdade de escolha da mulher.

“O Conselho Federal de Medicina (CFM) vai enviar parecer ao Senado em que defende a liberação do aborto até a 12ª semana de gravidez. Atualmente, pelo Código Penal, o aborto é permitido em casos de risco à saúde da gestante ou quando a gravidez é resultante de um estupro. É a primeira vez que o CFM e os 27 conselhos regionais, que representam 400 mil médicos brasileiros, manifestam-se sobre o aborto. A opinião da entidade será encaminhada à comissão especial do Senado que analisa a reforma do Código Penal. Os conselheiros validam a proposta da comissão que permite o aborto em mais três novas situações: gravidez por emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; anencefalia ou feto com graves e incuráveis anomalias, atestado por dois médicos; por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade. Os conselheiros vão além da proposta do novo texto de Código e não mencionam a necessidade de laudo para constatar falta de condições psicológicas que justificariam um aborto.”

É indiscutível a gravidade do problema, no Brasil o aborto clandestino é a quinta causa de morte materna, a cada dois dias uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro. Por ano, no Brasil, são realizados 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações. É a segunda causa de internamentos por procedimento da ginecologia. A mulher pobre tem risco multiplicado por mil no aborto inseguro. Segundo a Organização Mundial de Saúde(OMS) 20 milhões de abortos inseguros estão sendo praticados no mundo. Para a Organização, aborto inseguro é a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. Anualmente o aborto inseguro é responsável pela morte de quase 70 mil mulheres. 95% dos abortos inseguros acontecem em países em desenvolvimento, a maioria com leis restritivas.

Os abortos clandestinos não trazem danos somente às mulheres que se submetem ao procedimento, afeta principalmente as crianças que se tornam órfãos precocemente quando o resultado do procedimento é a morte da mãe. Além disso, há também o custo financeiro despendido com as internações por complicações por procedimentos mal sucedidos ou pensões em caso de morte. Esses custos incidem principalmente sobre os cofres públicos, já que o procedimento inseguro é realizado majoritariamente por mulheres pobres, beneficiária do Sistema Único de Saúde (SUS).

Além do mais, já deu pra perceber que a criminalização do aborto não tem eficiência alguma em impedir a sua realização pois, como foi dito anteriormente, são efetuados 1 milhão de procedimentos clandestinos somente no Brasil. Também não são os riscos que impedem que as mulheres se submetam ao aborto. A criminalização é eficaz apenas na discriminação da mulher pobre, que não pode pagar pelo procedimento seguro, e na formação de quadrilhas que usam a clandestinidade do aborto para extorquir, lesionar e até matar grávidas. Sem contar com as péssimas condições de higiene em que esses procedimentos são realizados, os riscos de infecção e contágios com várias doenças que são gigantescos. Os descuidos com higiene e assepsia em muitas clínicas clandestinas é uma prática, é uma forma de economia que tem o propósito de aumentar o lucro com a atividade. A instrumentalização, higienização e esterilização do ambiente cirúrgico de acordo com o recomendado elevaria os custos dos procedimentos de tal forma que financeiramente essa atividade se tornaria pouco atraente para as quadrilhas que atuam nesse mercado. Um mercado que movimenta milhões de reais anualmente.

Então, diante desse cenário, o mínimo que se espera do Estado é que cuide da mulher que se encontra disposta a enfrentar o abortamento e suas consequências (a opção pelo aborto não é uma atitude inconsequente, carrega medo, dor e culpa) e que impeça que essa decisão se converta num dano maior, como no caso das 250 mil internações por abortos mal sucedidos ou em mais uma dentre milhares de mortes decorrentes dos procedimentos inseguros. 

Para além dos riscos, das dúvidas de cunho religioso, da discussão científica quanto ao momento em que começa a vida e dos custos financeiros não se pode ignorar uma questão fundamental no tocante ao aborto; o respeito à autonomia da mulher e à liberdade de decidir sobre seu próprio corpo. Tem-se que levar em consideração a liberdade da mulher sobre qual o momento que ela acha propício para exercer a maternidade. Não é possível obrigar uma mulher a parir um filho que não deseja apenas para puni-la porque de alguma forma ela se descuidou ou os métodos preventivos tenham falhado. É importante ressaltar que a autonomia da mulher implica decidir sobre seu corpo, sobre querer parir, abortar, criar o filho ou dar em adoção. Não cabe a ninguém decidir sobre meu útero e os rumos que posso dar a minha vida.

Finalmente, é muito bom perceber que o Conselho atentou para o fato de que a decisão ou opção pelo o aborto é uma questão que diz respeito à autonomia feminina e que o direito sobre o corpo da mulher é uma área sobre a qual o Estado não pode ter supremacia ou legislar restringindo a autonomia. “É importante frisar que não se decidiu serem os Conselhos de Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher e do médico. Neste sentido, as entidades médicas concordam com a proposta ainda em análise no âmbito do Congresso Nacional”, disse o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila. E  ainda segundo o conselho, por meio de sua assessoria de imprensa, o respeito à autonomia da mulher e o alto índice de mortalidade e de internações de mulheres que fazem abortos clandestinos são razões para a posição do colegiado.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Policiais e comunidade apenas assistem mulher ser espancada



Hoje me deparei com uma cena surreal. Uma mulher era espancada enquanto policias tranquilamente assistiam. As cenas foram divulgadas pelo site G1.
De acordo com o site as imagens foram gravadas no último domingo por um morador da Sacramenta, em Belém, no Pará. As agressões ocorreram na Passagem Mirandinha em frente a dois policiais que se encontravam dentro de carro da Polícia Militar. Como pode ser visto no vídeo, os policiais assistiram a tudo sem sequer descerem da viatura para verificar se a mulher agredida, e jogada contra o carro onde se encontravam, estava bem. As imagens rapidamente viralisaram no Facebook e uma série de críticas e comentários negativos referentes à postura dos policiais tomaram conta da postagem.

“Segundo a pessoa que gravou e publicou o vídeo e não quis ser identificada, o homem e a mulher estavam brigando, por volta de 10h, antes da viatura da PM chegar até o local. Moradores da região acionaram a polícia que, ao chegar, recolheu a faca da mulher. Depois disso, os agentes retornaram ao carro e observaram a continuação da briga. Pouco tempo depois, o carro deixou o local e ninguém foi preso. Nas imagens, ainda é possível ver que a mulher chega a se chocar com o carro da polícia, que estava em movimento. — O homem saiu arrastando a mulher para o canto da praça e começou a tentar tirar a faca dela, dando socos na cabeça e puxando o cabelo dela. Foi quando a polícia chegou e encostou a viatura. Mesmo com a presença dos policiais, ele continuou batendo nela. Os PMs saíram do carro, pegaram a faca dela e voltaram. O homem a pegou pelo cabelo e foi andando até o local de onde eu filmei. Os policiais, então, ficaram do carro, só olhando o homem bater na mulher, sem fazer nada — explica.” 
De acordo com a reportagem, nesta terça-feira, a assessoria de comunicação da Polícia Militar do Pará informou que está investigando o caso e que os PM's envolvidos já estão afastados.  G1
Esse caso representa o clássico ódio irracional coletivo que a sociedade tem pelas mulheres, a misoginia generalizada. É o retrato fiel do que ocorre sistematicamente no dia-a-dia das mulheres desse país. A mulher é agredida e a polícia literalmente não faz nada. Ah mas a mulher estava bêbada e com uma faca! Então, tá. Vamos tirar dela a possibilidade de provocar algum ferimento no seu agressor, vamos lhe tirar a faca. Agora sim, está tudo bem, ela está desarmada e na sua condição natural de vulnerabilidade. Agora assim, tá tudo certo. 
Segundo leitores da página a polícia agiu bem. A mulher estava bêbada e ameaçando a vida de um cara que lhe agredia a socos e pontapés. Eu não sei qual dos preconceitos e dos ódios é pior nesse caso. Honestamente, me pego pensando se é pior o preconceito e o da pessoa pobre ou se é o preconceito contra a mulher. A logica da nossa classe média e do próprio pobre é de que os miseráveis devem ser banidos da sociedade. A ralé não é gente, é menos que animal. E a mulher nessas condições ainda é pior que isso. 

O comportamento da polícia nada mais é que o reflexo do desejo dessa nossa sociedade, o desejo de os pobres e miseráveis matem uns aos outros. Mas é claro que a mulher pobre vai ser o principal alvo do ódio e preconceito da classe média e dos menos miseráveis. É a ela que é dirigida as mais severas críticas contra o seu comportamento, quase sempre considerado “moralmente reprovável”.  Se a sociedade não poupa da culpabilização a mulher “séria” e sóbria que sofre violência imagina a mulher pobre, “barraqueira” e bêbada. Ah, contra essa o ódio não tem medida.   

parabéns aos policiais, agiram na forma da autoridade que o Estado impõe, porque se agem contra esses restos humanos a imprensa iriam massacrar eles e fazer o governo demiti-los, é melhor ser punido por omissão do que pela ação.” Marcelo.
“A sem-vergonha da mulher armada com uma faca tentando cometer um homcidio, a falha dos policiais foi não ter metido o grampo nela e levada presa, ou alguem acha que facada de mulher difere da de homem. Bem feito!” Esconde a identidade

“Fizeram muito bem os policiais de não se meterem nessa briga entre essas duas latas de lixo, drogados, vagabundos!!! Talvez se tentassem interferir a "comunidade" seria capaz de apedrejar a viatura.” Roberto.


Vejam pelos comentários postados na matéria se eu não tenho razão quanto ao ódio? Os autores dos comentários se esquecem de um pequeno detalhe, são pessoas com pensamento como os expressados nos comentários, de que um ser humano é lixo, que a exploração e escravização do homem pelo próprio homem tem se perpetuado. Ignoram que estar numa condição miserável não é uma escolha ou uma simples falta de coragem de lutar para sair dela. Sair da linha da miséria é muito mais que uma simples decisão, é muito mais que força de vontade, que desejo, atitude.  Ninguém escolhe ter uma vida desgraçada, de sofrimento, de privação. Ninguém está satisfeito em ser considerado lixo humano e fazer parte da “escória”. Todos os miseráveis foram jogados para essa condição por aqueles que se apropriaram e/ou continuam se apropriando de muito mais do que precisam e que para isso escravizam/escravizam ou exploram/exploram outras pessoas. É um sistema que continua produzindo e reproduzindo a miséria e jogando seres humanos para a marginalidade.

Vejam o que tem sido feito às comunidades indígenas, elas têm sido jogadas na marginalidade por agro-pecuaristas e outros grileiros que têm roubado suas terras desde a “descoberta” desse país. Não preciso nem falar da comunidade negra que por anos foi retirada de suas terras e escravizada aqui mesmo, nas nossas terras. E mesmo mais de 100 anos depois da libertação o povo negro ainda continua sofrendo o processo de marginalização.  Mas o processo de loteamento das oportunidades continua ocorrendo quando pessoas que gozam de privilégios de toda a espécie se apegam a chamada meritocracia, conceito que tem se tornado jargão para justificara a manutenção de privilégios, como forma de perpetuar as iniquidades. E são exatamente essas iniquidades que impedem essas pessoas, marginalizadas e tratadas como lixo pela sociedade e suas instituições, como a polícia, de saírem das condições sub-humanas em que vivem.  

Dito isso, me cabe mais uma observação, não posso recriminar de forma alguma o comportamento de pessoas que têm conceitos de vida diferentes dos meus. Não posso achar que todos os preconceitos, tabus, auto conceito que tenho sejam os legítimos e os certos. Até mesmo porque estou apenas reproduzindo comportamentos ensinados às pessoas na minha condição para me diferenciar de pessoas que não gozam dos mesmos privilégios que eu. E, sabedora de que esse é um processo cultural usado para oprimir, excluir e inferiorizar outras pessoas eu simplesmente não posso aceitar que pobres e miseráveis sejam tratados como lixo. Processo que ocorre mais por sua condição que mesmo pelos seus hábitos, posturas ou comportamentos. Pois, pelo que sei mulheres de todas as classes sociais bebem, brigam e podem acabar sendo agredidas por seus parceiros.

Então, esse caso me toca mais profundamente, porque é essa mulher, por conta de sua condição (possivelmente deve ser de muita privação) que é ainda mais merecedora de proteção das instituições do Estado. Ela merece mais cuidados, mais zelo e mais ajuda para lidar e superar às dificuldade do que eu, por exemplo, que tenho muito mais mecanismos de me defender, de me fazer ouvir e lutar pelo que quero. No entanto, é justamente contra essa mulher marginalizada e que já é vítima de toda espécie de omissão do Estado que a sociedade destila ainda mais seu ódio. 
Para concluir, quem se apodera de toda ira para julgar, acusar e humilhar essa mulher não pode esquecer que é essa mesma polícia que poderá atender um pedido de socorro seu. Já os policiais também não podem esquecer que eles são apenas meros instrumentos (bucha de canhão) usados pela burguesia para controlar e oprimir o povo (leia-se pobres). No final das contas, são pobres controlando e oprimindo pobres em nome da manutenção do poder e dos privilégios da elite. FAZ TODO SENTIDO!