Semana passada eu me deparei com um relato que me deixou
perplexa. Era um depoimento que trazia em seu cerne uma dúvida que parecia
afligir bastante o autor. A dúvida, acompanhada da exposição do fato, era
dirigida a Regina Navarro Lins e se encontrava na página do Uol.
Deixo com vocês o relato do moço.
“Descobri
que minha noiva teve caso com um colega em comum. Até aí, nada demais. Só que
conversando com ele, quando fomos a um jogo, soube que haviam acabado porque
ele descobriu que ela fora amante de vários colegas de Universidade. Resolvi
falar com ela, que confirmou. Disse que sempre gostou muito de sexo e é por
isso que faz bem. E é verdade, nunca transei com ninguém que me desse tanto
prazer. Cobrei fidelidade e ela disse que enquanto a mantiver satisfeita não
procurará outros parceiros. Resolvi falar com meu médico sobre minha noiva. Ele
sugeriu que eu peça exames, já que não usamos preservativos. Além disso, ele me
alertou que ela pode ser ninfomaníaca. Fiquei apavorado. Será que ela é doente?
Devo acabar nosso relacionamento?” Anônimo.
Como pode ser visto na página do blog Regina
postou o relato deixando a resposta em suspense para uma data próxima. Aguardei
ansiosa cada minuto pela sugestão da psicanalista ao rapaz quanto a sua dúvida.
Confesso que idealizei dezenas de sugestões, conselhos e até repreendas. Mas
eis que a escritora posta o seguinte texto.
“Mas o que é uma mulher ninfomaníaca? A repressão sexual, ao longo da História, alimentou uma fantasia resistente e de aparência confiável, se é possível dizer isso de um mito: a ninfomania. Desde então, muitas mulheres sofreram em função desse mito. No século 19, uma onda de fervor moral varreu o Ocidente. As mulheres foram conclamadas a proporcionar um modelo de pureza para ambos os sexos. Ao mesmo tempo, o novo ideal feminino – a mulher casta, o anjo da casa – fazia com que elas ficassem num pedestal. Sua missão era domar as paixões dos homens e manter a castidade do lar, mas isso sem participar do mundo. Os médicos avaliaram que elas tinham um sistema nervoso muito delicado, “doença mensal” e cérebro menor, além de órgãos reprodutivos também menores; tudo isso fazia com que fosse insalubre para elas votar, trabalhar fora de casa, escrever livros, ir para a universidade, ou participar de debate público. Eles afirmavam que era da natureza da mulher não se interessar por sexo. Tais “verdades” faziam supor que, se as mulheres não tinham desejo, qualquer uma que tivesse algum era doente: uma ninfomaníaca. Para essas, recomendavam choque elétrico, sedativos, tranquilizantes e até internações. Retiravam os ovários de algumas delas para controlar sua sexualidade, e em alguns casos, removiam o clitóris. Outras foram colocadas em instituições para doentes mentais com o diagnóstico de ninfomaníacas. Diversas teorias médicas tentavam explicar as causas da ninfomania: nervos esgotados, inflamação no cérebro, lesões na coluna, cabeça deformada, além de genitália irritada e clitóris ampliado. Achavam também que a ninfomania se relacionava com o desejo sexual não controlado pela vontade, e sucumbia à tentação. Os preconceitos históricos quanto à sexualidade feminina, aliados à ignorância sempre causaram vítimas. O pesquisador da sexualidade, Alfred Kinsey, dizia que, ninfomaníaca é alguém que gosta sexo, mais do que você. Para muitos, até hoje, qualquer mulher que gosta de sexo, e não se reprime, é considerada uma mulher insaciável, uma ninfomaníaca. Concordo com a escritora americana Carol Groneman, que escreveu o livro ‘Ninfomania’, quando diz: ‘As mulheres precisam entender as várias formas como a ninfomania e outros conceitos têm sido usados para rotular e controlar a sexualidade feminina. São conceitos perigosos, que precisam ser desafiados e alterados.’” Regina Navarro Lins.
“Mas o que é uma mulher ninfomaníaca? A repressão sexual, ao longo da História, alimentou uma fantasia resistente e de aparência confiável, se é possível dizer isso de um mito: a ninfomania. Desde então, muitas mulheres sofreram em função desse mito. No século 19, uma onda de fervor moral varreu o Ocidente. As mulheres foram conclamadas a proporcionar um modelo de pureza para ambos os sexos. Ao mesmo tempo, o novo ideal feminino – a mulher casta, o anjo da casa – fazia com que elas ficassem num pedestal. Sua missão era domar as paixões dos homens e manter a castidade do lar, mas isso sem participar do mundo. Os médicos avaliaram que elas tinham um sistema nervoso muito delicado, “doença mensal” e cérebro menor, além de órgãos reprodutivos também menores; tudo isso fazia com que fosse insalubre para elas votar, trabalhar fora de casa, escrever livros, ir para a universidade, ou participar de debate público. Eles afirmavam que era da natureza da mulher não se interessar por sexo. Tais “verdades” faziam supor que, se as mulheres não tinham desejo, qualquer uma que tivesse algum era doente: uma ninfomaníaca. Para essas, recomendavam choque elétrico, sedativos, tranquilizantes e até internações. Retiravam os ovários de algumas delas para controlar sua sexualidade, e em alguns casos, removiam o clitóris. Outras foram colocadas em instituições para doentes mentais com o diagnóstico de ninfomaníacas. Diversas teorias médicas tentavam explicar as causas da ninfomania: nervos esgotados, inflamação no cérebro, lesões na coluna, cabeça deformada, além de genitália irritada e clitóris ampliado. Achavam também que a ninfomania se relacionava com o desejo sexual não controlado pela vontade, e sucumbia à tentação. Os preconceitos históricos quanto à sexualidade feminina, aliados à ignorância sempre causaram vítimas. O pesquisador da sexualidade, Alfred Kinsey, dizia que, ninfomaníaca é alguém que gosta sexo, mais do que você. Para muitos, até hoje, qualquer mulher que gosta de sexo, e não se reprime, é considerada uma mulher insaciável, uma ninfomaníaca. Concordo com a escritora americana Carol Groneman, que escreveu o livro ‘Ninfomania’, quando diz: ‘As mulheres precisam entender as várias formas como a ninfomania e outros conceitos têm sido usados para rotular e controlar a sexualidade feminina. São conceitos perigosos, que precisam ser desafiados e alterados.’” Regina Navarro Lins.
Honestamente, acho que Regina deixou de ponderar sobre
questões que ao meu ver são bem importantes. Não é possível falar sobre ninfomania sem falar sobre
a cultura machista e a tentativa de cercear o prazer feminino. O que está em
questão quanto ao discurso do garoto é insegurança com relação à independência da
noiva, principalmente a sexual e amorosa. Esse tipo de mulher, aparentemente
livre (não sei nada sobre ela, além de um pouco sobre suas experiências sexuais),
ameaça, já que sua sexualidade, sobre o estigma da ninfomania, assume o caráter
de doença porque pode colocar por terra a suposta superioridade masculina e sua
libido “inquestionável” e “insuperável”. Então, a liberação sexual feminina é uma clara ameaça ao machismo.
Sob a perspectiva do machista, apesar de ser sexualmente
atraente, uma mulher que goste mais de sexo que ele converte-se em perigo, pois
ele poderá jamais ser capaz de controla-la ou domina-la sexualmente. Além do
medo de não ser capaz de suprir a carência sexual da parceira ele irá ter de
lidar com o medo de eventualmente ter filhos ilegítimos, nada mais aniquilador
da identidade de um machista, apesar de que o homem nunca vai ter 100% de
certeza de que é o pai, exceto a partir da corroboração através do teste de
DNA.
Lamento bastante que ainda não tenhamos compreendido que
sexo é uma necessidade fisiológica também das mulheres. Também sinto muito que somente
a sexualidade masculina seja estimulada, enquanto às experiências sexuais femininas
sejam taxadas como promiscuidade ou ninfomania. No entanto, pra quem faz de
conta que não sabe, todo mundo (ou quase todo mundo) se masturba, tem potencial
pra sentir orgasmos e tem desejo sexual, alguns reprimem ao extremo, o que não
é não é saudável. Salutar mesmo é ter desejo, gostar de sexo, ter fantasias
sexuais, se masturbar, ter muitos parceiros até encontrar o que melhor se ajuste
às nossas necessidades e fazer sexo, muito sexo, da mesma forma que precisamos
dormir, comer, beber água...
Portanto, quase solto fogos em homenagem à noiva “ninfomaníaca”.
Não fiz festa porque talvez ela possa vir a casar com um machista inseguro. Mas,
fico muito feliz que existam mulheres que se permitem dizer que gostam de sexo –
e posso garantir que a maioria de nós mulheres gosta, embora a depender do
parceiro possa ser uma merda –, são capazes de deixar de lado os tabus
associados à sexualidade feminina e vivenciá-la em sua plenitude. Também me
alegra que o feminismo venha desconstruindo o ideal de mulher desenhado pela cultura machista, provocando a liberação sexual feminina e permitindo que noivas “ninfomaníacas”
não se sintam constrangidas em dizer que tiveram muitos parceiros e que talvez
o “felizes” não seja pra sempre.