quinta-feira, 5 de junho de 2014

Estupro e aborto se fosse simples...



Um poema da queridíssima blogueira Jéssica Lorraine, do blog Maria Escândalo, inspirado no poema de Vini Giordano sobre aborto, estupro e a culpabilização da vítima.

Se fosse tão simples
Se fosse tão prático
Não teríamos histórias tão tristes
Não seria traumático

Mas camisinhas falham
As pílulas também
E mulheres são obrigadas
A terem neném

Joana é só mais uma
Nas estatísticas dos mortos
Mulheres morrem todos os dias
Vítimas do moralismo e do ódio
Nem todas têm famílias
Ou alguém para dar colo

Essa sociedade machista
Não permite que meninas
Sejam donas de si
Muitas não se previnem
Porque o homem não está nem aí

Fazem a vontade do marido
Obedecem ao namorado
Estupradores não usam camisinha
São escravas do patriarcado
E mesmo que elas exijam
Mesmo que se protejam
São silenciadas, hostilizadas

E expostas para que todos vejam
Camisinha incomoda o amor
Ele não gosta de usar
Quem dirá então o estuprador

É só, dentro, ele não ejacular
E rezar
Rezar para pílula fazer efeito
Rezar para que a barriga não cresça
Mas agora já está feito
E por incrível que pareça
A culpa só cai sobre ela
Porque a mulher é o anticristo
Mulher veio da costela

É um absurdo brigar por isso
A barriga é dela
Ela será mãe, que cuide da criança
Quem mandou abrir as pernas
Agora perca as esperanças

O pai apenas paga pensão
Mesmo que ela tenha sido estuprada
Mesmo que tenha sido obrigada
Agora não adianta chorar não

E se não for sua escolha?
Moralismo, caças às bruxas
Vivemos numa bolha
Onde apontamos o dedo
Para as mulheres abortistas
Só vemos os defeitos

Mas não vemos a vida sofrida
Defendemos tanto o feto
Esculachamos a menina
Mas nem ficamos perto
Quando ela mais precisa
Se eu não escolhi
Se a gravidez não me faz bem
Porque sou punida?
O que será do neném?

Adoção é linda
Mas apenas na teoria
Meu filho poderia então ser
Um menino que te pede moedinha

Depois você se pergunta
Não pelo pai do menino
Mas pela mãe, a vadia
Que deve estar em casa dormindo

O buraco é mais embaixo
Nada é tão claro
Mulheres são as chocadeiras do patriarcado   
Seu corpo só é útil
Para parir e agradar macho

Fácil falar de preservativo
Fácil mandar fechar as pernas
Vou tapar o som
E fingir que não é comigo
Porque é só se prevenir
Não tem desculpa
Anencéfalo, fruto de estupro, camisinha estourada
Tudo invenção sua

Aborto não é contraceptivo
Não fazemos apologia
Isso não é incentivo
Não odiamos as famílias
Não comemos fetos
Nem temos desafeto
Apenas defendemos nossos corpos
Contra o sêmen enfiado goela abaixo
Contra o rosário que nos é imposto
Contra as regras do macho

É fácil pagar pensão
E deixar tudo nas costas da fêmea
É fácil falar de adoção
E por crianças já nascidas
Não ter clemência"

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