sexta-feira, 18 de julho de 2014

Estupro e outras violências



Nos últimos dois meses tenho estado um pouco ausente da internet e não tenho escrito com a mesma frequência pra esse blog. Felizmente, nada de mal me ocorreu, exceto pela morte da minha cadelinha de 17 anos, sobre a qual talvez escreva em breve. O que tem me mantido distante é pura e simplesmente um certo desapontamento. Não tenho me sentido muito confortável com os comportamentos que venho observando na internet. Além das usuais pornografias de revanche/vingança que tem inundado a rede, das páginas dedicadas à misoginia, ainda tem me incomodado a intolerância com ideias divergentes e a onda de printar comentários e post’s para que os autores sejam ridicularizados em páginas pessoais ou em grupos. Uma lástima que isso venha acontecendo, a fofoca tomou outra dimensão, e apesar dos usos das palavras da vítima, a manipulação continua ocorrendo, pegam frases e/ou postagens fora do contexto para propositadamente modificarem o que foi dito. E como na internet todo mundo se sente muito à vontade pra expressar suas “opiniões” não é raro que muitas das vítimas das famigeradas printagens sofram verdadeiros linchamentos virtuais. Qualquer coisa que desagrade ou vá de encontro a opinião de X ou Y é motivo de linchamento. O cenário está tão complicado que até entre membros de grupos que compartilham praticamente da mesma ideologia tem havido esse tipo comportamento. 
Já me deixava esgotada uma porção de comportamentos ditos politicamente incorretos, quando esse esquema de printagem e de linchamento virtual (usualmente chamado de racha) se alastrou, eu realmente quase perdi o ânimo por frequentar as redes sociais. Até mesmo porque percebi que o tal chamado “fogo amigo” (colega printando colega e o expondo a linchamento) também estava rolando. Aliais, o que me trouxe aqui foi justamente esse “fogo amigo”. 
Semana passada vi uma matéria que até poderia ter me surpreendido, mas infelizmente, por todos os pontos apresentados acima, não me causou espanto. Mas, vale deixar claro que não acho que isso seja natural ou aceitável. A reportagem era sobre o “Boa Noite Cinderela” dado numa garota de 16 anos pelos próprios “amigos”. Sei que já estou bem atrasada comentando sobre esse episódio, mas é justamente por minha falta de disposição de ficar diante da tela que me demorei a escrever a respeito, mesmo assim, acho importante comentar esse caso porque acho bem emblemático e reflete perfeitamente o cenário atual de falta de hombridade, sororidade, coleguismos e outros. Veja a notícia.
“Garota de 16 anos está sofrendo com brincadeiras pesadas após ter sido estuprada [em festa com amigos] e as fotos do ato terem sido espalhadas pela internet. As pessoas que fazem ‘brincadeiras’ na web, os chamados trolls, estão deixando a garota doente e depressiva. Identificada apenas como Jada, ela já observou inúmeras imagens de homens imitando as posições de seu corpo mole no momento do estupro. Eles usam a hashtag “#jadapose” para insultá-la. [...] Jada disse à emissora que ela participou de uma festa com um amigo, e pensou que estava indo para um ambiente com crianças. Quando chegou, um adolescente lhe deu um copo de ponche, e ela acredita que dentro tinha algum tipo de droga ou fármaco para provocar sono, o famoso “boa noite cinderela”. Jada afirmou que desmaiou pouco tempo depois e não sabe o que aconteceu a noite toda na festa. Então, ela começou a perceber que imagens de seu corpo nu começaram a “pipocar” por todas as mídias sociais. Ela só entendeu que havia sido estuprada quando viu as fotos. Após o ato brutal, vários de seus ‘amigos’ continuaram a postar e republicar constantemente fotos e vídeos e, em seguida, trolls começaram a incomodá-la diariamente.” Meionorte.com
Entenderam porque acho que perdemos completamente o senso ético, a sensibilidade e voltamos a barbárie? Quem imaginou que um dia alguém acharia “divertido” compartilhar as imagens de um estupro de um próprio colega? Mas, como disse uma conhecida “são só adolescentes!”. Ah! Agora assim, está justificado. Adolescentes não precisam ter nenhum senso moral e ético, eles poderão adquirir isso a partir da fase adulta. 
Caso não esteja enganada qualidades como sensibilidade, ética, solidariedade e outras são construídas durante o desenvolvimento do indivíduo, e o adolescente já tem capacidade suficiente pra compreender as consequências de seus atos e o mundo que o rodeia, eles podem ser inconsequentes sim, mas nunca insensível ao sofrimento alheio. Se um indivíduo não consegue ter empatia com um colega, uma amiga, vai ter empatia para com quem cara pálida? Acho provável que por ninguém. 
Felizmente, sou do tempo em que, entre amigos, tentávamos proteger uns aos outros, não sentíamos prazer em assistir um de nós sentindo dor ou sendo ridicularizado. Aliais, minha índole sempre me impulsiona a repudiar a injustiça e ficar do lado do injustiçado ou do mais fraco, seja quem for, e sempre me incomodou presenciar cenas de alguém tentando ferrar com outra. Por isso me deixa perplexa essa falta de empatia, esse desprezo até com as pessoas próximas, todo esse sadismo e essa tendência de se achar graça do sofrimento alheio. Honestamente, acho enquanto sociedade, estamos doentes e precisamos urgentemente pensar sobre “que tipo de gente estamos nos tornando ou nos tornamos”.

1 comentário:

N. Rodrigues disse...

Querida Ana,

Como vai você?

Bem, espero. Concordo com TUDO o que você disse. Acho mesmo que nossa sociedade está doente. Muita doente. Caso contrário, como poderíamos explicar o que vc narrou?

´Quem imaginou que um dia alguém acharia “divertido” compartilhar as imagens de um estupro de um próprio colega? Mas, como disse uma conhecida “são só adolescentes!”.`

E eu fico aqui pensando... quando isso vai mudar, quando essa dor toda vai passar?

Blogs como o seu fazem toda a diferença. Continue o seu belo trabalho.

Beijos,

Nicole