Seria
a resistência ao sexo até a morte?
Seria
evitar a penetração com a própria morte?
Seria
caracterizado como estupro somente a relação sexual não consentida em que a
vítima estaria imobilizada de tal forma que não teria condição de oferecer resistência?
Não
é difícil encontrar pessoas que acreditam que casos que fogem a esse padrão não
poderiam ser caracterizados como estupro, principalmente entre os homens. Muita
gente acha que coação por si só não justifica a criminalização pelo crime de estupro. Então, segundo essa lógica, se não houve "violência física" (um contrassenso, pois o estupro é uma violência) não houve estupro ou se a mulher foi coagida, e nesse caso não ofereceu resistência
física, também não houve estupro. Eu até faço uma analogia: quer dizer que, quando crianças,
éramos obrigados a comer algo que não gostávamos, comíamos porque estávamos afim?
Não era o medo e a ameaça que nos obrigava, mesmo que o medo fosse tão somente
da repreensão? Não vou nem me alongar nesse tema porque fui obrigada comer
tanta coisa que não queria e por tantas vezes que só de lembrar fico de
estômago embrulhado.
Submeter-se
ao sexo por qualquer outro motivo que não seja por decisão deliberada da mulher
é estupro, seja qual for o mecanismo de coação. E fico imensamente feliz que a
justiça (juízes) finalmente tenham compreendido isso. Então, tive uma feliz surpresa
com a decisão judicial de condenar o marido pelo estupro da esposa. O acusado
foi condenado a nove anos, quatro meses e 15 dias de reclusão, em regime
fechado, por ter estuprado a própria mulher na região metropolitana de Goiânia. De acordo
com o veredito o “matrimônio não dá direito ao marido de forçar a parceira à conjunção
carnal contra a vontade”. Conforme consta no processo, a vítima já tentava a
separação e o marido não aceitava.
“No caso do estupro, o
marido confessou ter ameaçado a mulher com uma faca e xingado-a, tentando
constrangê-la. Na sentença, a juíza afirmou que, embora haja no casamento a
previsão de relacionamento sexual, o "referido direito não é uma carta
branca para o marido forçar a mulher, empregando violência física ou
moral". "Com o casamento, a mulher não perde o direito de dispor de
seu corpo, já que o matrimônio não torna a mulher objeto", apontou no
julgamento. Em sua defesa, o marido alegou que, apesar da intimidação confessa,
sua mulher teria aceitado praticar o ato sexual. Contudo, a juíza explicou que,
mesmo sem a vítima oferecer resistência física, o crime de estupro é
caracterizado, já que, ‘de um lado, houve a conduta opressora e agressiva do
acusado; de outro, a conduta de submissão e medo da vítima’. Para a
configuração do estupro não há, necessariamente, a coleta de provas físicas que
demonstrem lesões ou indícios. ‘A palavra da vítima é uma prova eficaz para a
comprovação da prática, corroborada pelas demais provas e fatos’, como, no caso
em questão, o depoimento das testemunhas sobre a conduta agressiva e usual do
homem, afirmou Ângela Cristina. O marido não pode recorrer da decisão em
liberdade e está preso na Unidade Prisional de Goianira.” Uol
Notícias.
Apesar
de ficar imensamente feliz com a decisão judicial me resta ainda um enorme desapontamento
pela forma com que muitas religiões tratam as questões sexuais, compreendendo a
mulher ainda como objeto sexual que deve servir ao homem. E esse servir tem principalmente
a conotação sexual. A mulher é orientada a nunca rejeitar o marido e quando
isso ocorre, muitas vezes, o marido se acha no direito, “respaldado” pela Bíblia,
de “possui-la” contra a sua vontade. Infelizmente, essa é uma realidade ainda
muito comum entre as paredes dos lares e muitas vezes nos lares de pessoas que
não seguem preceitos religiosos, apenas estão seguindo a cultura que propõe o
casamento como um passe livre para todo tipo de abuso contra a mulher, primordialmente
o estupro.
Depois
desta e outras sentenças, bem como a reformulação do Decreto-Lei no 2.848, a
partir da Lei Nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que alterou a definição
de estupro e ampliou sua redação (vide abaixo), a sociedade assiste um avanço
institucional na tentativa de barrar a objetificação da mulher. Embora, ao meu
ver, esse avanço seja ainda muito tímido e por si só não seja capaz de coibir
ou reduzir os casos de violência contra a mulher.
Estupro
Art.
213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter
conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez)
anos.
§ 1o Se da conduta
resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito)
ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze)
anos.
§ 2o Se da conduta
resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”
(NR)
“Violação sexual mediante fraude
Art.
215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre
manifestação de vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis)
anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido
com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.” (NR)
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