sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O que caracterizaria o estupro?



 


Seria a resistência ao sexo até a morte?

Seria evitar a penetração com a própria morte?
Seria caracterizado como estupro somente a relação sexual não consentida em que a vítima estaria imobilizada de tal forma que não teria condição de oferecer resistência?
Não é difícil encontrar pessoas que acreditam que casos que fogem a esse padrão não poderiam ser caracterizados como estupro, principalmente entre os homens. Muita gente acha que coação por si só não justifica a criminalização pelo crime de estupro. Então, segundo essa lógica, se não houve "violência física" (um contrassenso, pois o estupro é uma violência) não houve estupro ou se  a mulher foi coagida, e nesse caso não ofereceu resistência física, também não houve estupro. Eu até faço uma analogia: quer dizer que, quando crianças, éramos obrigados a comer algo que não gostávamos, comíamos porque estávamos afim? Não era o medo e a ameaça que nos obrigava, mesmo que o medo fosse tão somente da repreensão? Não vou nem me alongar nesse tema porque fui obrigada comer tanta coisa que não queria e por tantas vezes que só de lembrar fico de estômago embrulhado.
Submeter-se ao sexo por qualquer outro motivo que não seja por decisão deliberada da mulher é estupro, seja qual for o mecanismo de coação. E fico imensamente feliz que a justiça (juízes) finalmente tenham compreendido isso. Então, tive uma feliz surpresa com a decisão judicial de condenar o marido pelo estupro da esposa. O acusado foi condenado a nove anos, quatro meses e 15 dias de reclusão, em regime fechado, por ter estuprado a própria mulher  na região metropolitana de Goiânia. De acordo com o veredito o “matrimônio não dá direito ao marido de forçar a parceira à conjunção carnal contra a vontade”. Conforme consta no processo, a vítima já tentava a separação e o marido não aceitava. 
“No caso do estupro, o marido confessou ter ameaçado a mulher com uma faca e xingado-a, tentando constrangê-la. Na sentença, a juíza afirmou que, embora haja no casamento a previsão de relacionamento sexual, o "referido direito não é uma carta branca para o marido forçar a mulher, empregando violência física ou moral". "Com o casamento, a mulher não perde o direito de dispor de seu corpo, já que o matrimônio não torna a mulher objeto", apontou no julgamento. Em sua defesa, o marido alegou que, apesar da intimidação confessa, sua mulher teria aceitado praticar o ato sexual. Contudo, a juíza explicou que, mesmo sem a vítima oferecer resistência física, o crime de estupro é caracterizado, já que, ‘de um lado, houve a conduta opressora e agressiva do acusado; de outro, a conduta de submissão e medo da vítima’. Para a configuração do estupro não há, necessariamente, a coleta de provas físicas que demonstrem lesões ou indícios. ‘A palavra da vítima é uma prova eficaz para a comprovação da prática, corroborada pelas demais provas e fatos’, como, no caso em questão, o depoimento das testemunhas sobre a conduta agressiva e usual do homem, afirmou Ângela Cristina. O marido não pode recorrer da decisão em liberdade e está preso na Unidade Prisional de Goianira.” Uol Notícias. 
Apesar de ficar imensamente feliz com a decisão judicial me resta ainda um enorme desapontamento pela forma com que muitas religiões tratam as questões sexuais, compreendendo a mulher ainda como objeto sexual que deve servir ao homem. E esse servir tem principalmente a conotação sexual. A mulher é orientada a nunca rejeitar o marido e quando isso ocorre, muitas vezes, o marido se acha no direito, “respaldado” pela Bíblia, de “possui-la” contra a sua vontade. Infelizmente, essa é uma realidade ainda muito comum entre as paredes dos lares e muitas vezes nos lares de pessoas que não seguem preceitos religiosos, apenas estão seguindo a cultura que propõe o casamento como um passe livre para todo tipo de abuso contra a mulher, primordialmente o estupro.
Depois desta e outras sentenças, bem como a reformulação do Decreto-Lei no 2.848, a partir da Lei Nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, que alterou a definição de estupro e ampliou sua redação (vide abaixo), a sociedade assiste um avanço institucional na tentativa de barrar a objetificação da mulher. Embora, ao meu ver, esse avanço seja ainda muito tímido e por si só não seja capaz de coibir ou reduzir os casos de violência contra a mulher.
Estupro 
Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: 
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. 
§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: 
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. 
§ 2o  Se da conduta resulta morte: 
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.” (NR) 
Violação sexual mediante fraude 
Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: 
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 
Parágrafo único.  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.” (NR) 


  

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