Finalmente o Conselho Federal de Medicina (CFM)
chegou ao entendimento de que as mortes, mutilações, infertilidade e outros
danos provocados pela clandestinidade do aborto é um grave problema de saúde
pública e se pronunciou em favor da liberdade de escolha da mulher.
“O Conselho Federal de Medicina (CFM) vai enviar parecer ao Senado em que defende a liberação do aborto até a 12ª semana de gravidez. Atualmente, pelo Código Penal, o aborto é permitido em casos de risco à saúde da gestante ou quando a gravidez é resultante de um estupro. É a primeira vez que o CFM e os 27 conselhos regionais, que representam 400 mil médicos brasileiros, manifestam-se sobre o aborto. A opinião da entidade será encaminhada à comissão especial do Senado que analisa a reforma do Código Penal. Os conselheiros validam a proposta da comissão que permite o aborto em mais três novas situações: gravidez por emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; anencefalia ou feto com graves e incuráveis anomalias, atestado por dois médicos; por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas para a maternidade. Os conselheiros vão além da proposta do novo texto de Código e não mencionam a necessidade de laudo para constatar falta de condições psicológicas que justificariam um aborto.”
É indiscutível a gravidade do problema, no Brasil o aborto clandestino é a quinta causa de morte materna, a cada dois dias uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro. Por ano, no Brasil, são realizados 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações. É a segunda causa de internamentos por procedimento da ginecologia. A mulher pobre tem risco multiplicado por mil no aborto inseguro. Segundo a Organização Mundial de Saúde(OMS) 20 milhões de abortos inseguros estão sendo praticados no mundo. Para a Organização, aborto inseguro é a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. Anualmente o aborto inseguro é responsável pela morte de quase 70 mil mulheres. 95% dos abortos inseguros acontecem em países em desenvolvimento, a maioria com leis restritivas.
Os abortos clandestinos não trazem danos somente às
mulheres que se submetem ao procedimento, afeta principalmente as crianças que
se tornam órfãos precocemente quando o resultado do procedimento é a morte da
mãe. Além disso, há também o custo financeiro despendido com as internações por
complicações por procedimentos mal sucedidos ou pensões em caso de morte. Esses
custos incidem principalmente sobre os cofres públicos, já que o procedimento inseguro
é realizado majoritariamente por mulheres pobres, beneficiária do Sistema Único
de Saúde (SUS).
Além do mais, já deu pra perceber que a criminalização do aborto não tem eficiência alguma em impedir a sua realização pois, como foi dito anteriormente, são efetuados 1 milhão de procedimentos clandestinos somente no Brasil. Também não são os riscos que impedem que as mulheres se submetam ao aborto. A criminalização é eficaz apenas na discriminação da mulher pobre, que não pode pagar pelo procedimento seguro, e na formação de quadrilhas que usam a clandestinidade do aborto para extorquir, lesionar e até matar grávidas. Sem contar com as péssimas condições de higiene em que esses procedimentos são realizados, os riscos de infecção e contágios com várias doenças que são gigantescos. Os descuidos com higiene e assepsia em muitas clínicas clandestinas é uma prática, é uma forma de economia que tem o propósito de aumentar o lucro com a atividade. A instrumentalização, higienização e esterilização do ambiente cirúrgico de acordo com o recomendado elevaria os custos dos procedimentos de tal forma que financeiramente essa atividade se tornaria pouco atraente para as quadrilhas que atuam nesse mercado. Um mercado que movimenta milhões de reais anualmente.
Então, diante desse cenário, o mínimo que se espera
do Estado é que cuide da mulher que se encontra disposta a enfrentar o
abortamento e suas consequências (a opção pelo aborto não é uma atitude
inconsequente, carrega medo, dor e culpa) e que impeça que essa decisão se
converta num dano maior, como no caso das 250 mil internações por abortos mal
sucedidos ou em mais uma dentre milhares de mortes decorrentes dos
procedimentos inseguros.
Para além dos riscos, das dúvidas de cunho
religioso, da discussão científica quanto ao momento em que começa a vida e dos
custos financeiros não se pode ignorar uma questão fundamental no tocante ao
aborto; o respeito à autonomia da mulher e à liberdade de decidir sobre seu próprio
corpo. Tem-se que levar em consideração a liberdade da mulher sobre qual o
momento que ela acha propício para exercer a maternidade. Não é possível
obrigar uma mulher a parir um filho que não deseja apenas para puni-la porque
de alguma forma ela se descuidou ou os métodos preventivos tenham falhado. É importante
ressaltar que a autonomia da mulher implica decidir sobre seu corpo, sobre
querer parir, abortar, criar o filho ou dar em adoção. Não cabe a ninguém
decidir sobre meu útero e os rumos que posso dar a minha vida.
Finalmente, é muito bom perceber que o Conselho
atentou para o fato de que a decisão ou opção pelo o aborto é uma questão que
diz respeito à autonomia feminina e que o direito sobre o corpo da mulher é uma
área sobre a qual o Estado não pode ter supremacia ou legislar restringindo a
autonomia. “É importante frisar que não se decidiu serem os Conselhos de
Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher e do médico.
Neste sentido, as entidades médicas concordam com a proposta ainda em análise
no âmbito do Congresso Nacional”, disse o presidente do CFM, Roberto Luiz
d’Avila. E ainda segundo o conselho, por
meio de sua assessoria de imprensa, o respeito à autonomia da mulher e o alto
índice de mortalidade e de internações de mulheres que fazem abortos
clandestinos são razões para a posição do colegiado.