Em
conversas telefônicas autorizadas pela Justiça, o ex-médico Roger Abdelmassih, que
foi condenado a 278 anos de prisão por 48 crimes de estupro e abuso sexual, cometidos
contra 37 de suas pacientes, confirmou que teve relações sexuais com suas
pacientes. Mas, segundo ele, eram elas que o procuravam. Trechos das
gravações foram exibidas ontem durante o Fantástico.
"Passava mulher
para trás constantemente, provavelmente achava que tava tudo disponível. A
mulher jogava o milho e eu ia comer e aí eu levei o ferro. Você sabe que mulher
é um bicho desgraçado mesmo", afirmou.
Sobre as acusações de
estupros, Roger comenta. “Elas são doentes mentais. É louca mesmo”, diz
ele.
Durante
as mais de sete horas de gravações autorizadas pela justiça, das quais o
Fantástico diz ter tido acesso, em nenhum momento o ex-médico confessa ter
cometido abuso sexual. Pelo contrário ele se diz injustiçado.
Em outro momento, ele
cita até Deus. "Essas vagabundas apareceram na televisão dizendo que eu
fazia isso, fazia aquilo. Nunca fiz! Eu sei quanto eu vou ter que enfrentar,
aí...Até Jesus Cristo foi crucificado e era Deus".
Na conversa,
Abdelmassih denomina-se "o grande comedor". "Que Deus quis
quebrar o prepotente, etc, o grande metido a isso, a aquilo, o comedor. (...)
É, o grande comedor, e que provavelmente achava que "tava" tudo
disponível", diz outro trecho da escuta. Ig
Vanusa Lopes |
Dia
01 desse mês, o grupo Vítimas Unidas, formado por mulheres vítimas do ex-médico
Roger Abdelmassih,
e que o acusaram de estupro ou atentado ao pudor, fez um ato em frente ao
Tribunal de Justiça de São Paulo, no Centro de São Paulo. As vítimas
protestavam contra à tentativa da defesa do ex-médico de anular a condenação
imposta em 2010. O Tribunal que iria avaliar se anulava ou não a decisão que
determinou pena de 278 anos de prisão a Abelmassih por 48 ataques sexuais a 37
mulheres entre 1995 e 2008, no dia seguinte (quinta-feira, 02) acabou adiando a
data da decisão.
Maria Franco, Lana Lopes, Helena Leardini, Yvany Serebenic e Cristina Silvi foram ao aeroporto recepcionar Abdelmassih (Foto: Lívia Machado/G1) |
No carro de som,
Vanuzia Lopes, estilista e uma das primeiras a denunciar o ex-médico, afirma
que o ato quer impedir que Abdelmassih deixe a prisão. O grupo pretendia
protocolar no TJ um documento com 62 mil assinaturas demonstrando esse desejo. A
manifestação estava prevista para acontecer até as 19h. Familiares de outras
vítimas de violência apoiam o protesto. Marta Consoli, mãe de Bianca Consoli
(jovem que foi estuprada e morta pelo marido da irmã) também participa do ato. G1
Vanuzia Lopes, 54, |
E como impedir que as vítimas falem? Fácil, revertendo a acusação.
. "Essas vagabundas apareceram na televisão dizendo que eu fazia isso,
fazia aquilo”
“Elas são doentes mentais. É louca
mesmo”
Yvany Serebenic, uma das vítimas do ex-médico (Foto: Arquivo pessoal ) |
Esses
são mecanismos de silenciamento e culpabilização da vítima. As pesquisas são
reveladores do pensamento mediano conversador e misógino de grande parte da
nossa sociedade. Um conservadorismo que penaliza a mulher e que a deixa
completamente vulnerável a toda espécie de violência. Não há como proteger a
integridade física e psicológica feminina quando os julgamentos sempre vão
recair sobre o comportamento feminino e a mulher em si. Há sempre o
questionamento se ela estava bem vestida ou num lugar seguro quando sofreu abuso,
se não houve nenhum comportamento “desviante” quando ela foi agredida, se ela
não havia bebido antes de sofrer um estupro. A sociedade está sempre
encontrando formas de legitimar ou invisibilizar a violência contra nós
mulheres. Ás vezes pela culpabilização, às vezes por apelar paro o descrédito e desqualificação
da vítima.
Diante
da impossibilidade de Roger Abdelmassih
negar os abusos e estupros, comprovado até por exame de DNA, ele recorre ao
expediente de desqualificar e desacreditar suas vítimas. Atitudes que tornam
ainda mais abjetos sua pessoa e seu comportamento. Entretanto, não vai ser esse
discurso desqualificador e culpabilizante que vão mudar os rumos desse caso. O
senhor Abdelmassih é culpado pelos estupros e abusos cometidos e ás mulheres
que recorreram à Justiça são vítimas, ponto. Não há que ser dito a
respeito delas senhor Roger. Vagabundo é estuprador, é abusador é quem precisa abandonar o país para não ser preso. Louco é quem sistematicamente abusa de mulheres. Desgraçados são pessoas como você, que usam da boa fé de mulheres para abusar delas sexualmente e estupra-las. Você não chega a sequer ser uma pessoa doente, você é uma pessoa mau caráter e inescrupulosa mesmo.
Felizmente suas vítimas não se intimidaram, não silenciaram. E apesar da sua injustificada revoltada o senhor está exatamente onde criminosos devem estar, que é a cadeia. Aliais senhor Roger,
junto com suas vítimas nós mulheres estamos mudando a cultura da culpabilização e do
silenciamento. Estamos revelando e denunciando as violências que
nos vitimaram. Estamos mostrando a cara sim. Somos poucas, estamos tímidas, mas
somos corajosas. Não vamos nos calar porque o silenciamento não nos favorece. Não
vamos nos calar e nem nos esconder porque não temos motivos para nos
envergonharmos. Fomos nós as vítimas. São os agressores que devem se
envergonhar, se esconder e silenciar.
A
vítima tem de falar, a exposição de dramas como o estupro ainda é um processo
doloroso por conta de todo o julgamento que advém dele, mas essa exposição é
necessária. Precisamos falar e mostrar a cara para
que a vítima de violência tenha rosto, tenha cara, não seja apenas um número
numa estatística. Essa exposição deve ocorrer como forma de enfrentamento à tentativa
de silenciamento e de culpabilização da vítima. Essa exposição é necessária para
que haja o rompimento com a cultura de coisificação da mulher e para que outras
mulheres percam o medo de serem chamadas de vagabundas, loucas e doentes
mentais e denunciem a violência sexual. Essa exposição é ainda mais necessária
para que o conservadorismo dessa sociedade não continue impondo o tipo de comportamento
devemos adotar para que tenhamos credibilidade e legitimidade quando realizamos
a denúncia de abuso ou estupro. Porque é preciso que fique claro que a culpa do
estupro é sempre do estuprador e nunca da mulher.
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