quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Policiais e comunidade apenas assistem mulher ser espancada



Hoje me deparei com uma cena surreal. Uma mulher era espancada enquanto policias tranquilamente assistiam. As cenas foram divulgadas pelo site G1.
De acordo com o site as imagens foram gravadas no último domingo por um morador da Sacramenta, em Belém, no Pará. As agressões ocorreram na Passagem Mirandinha em frente a dois policiais que se encontravam dentro de carro da Polícia Militar. Como pode ser visto no vídeo, os policiais assistiram a tudo sem sequer descerem da viatura para verificar se a mulher agredida, e jogada contra o carro onde se encontravam, estava bem. As imagens rapidamente viralisaram no Facebook e uma série de críticas e comentários negativos referentes à postura dos policiais tomaram conta da postagem.

“Segundo a pessoa que gravou e publicou o vídeo e não quis ser identificada, o homem e a mulher estavam brigando, por volta de 10h, antes da viatura da PM chegar até o local. Moradores da região acionaram a polícia que, ao chegar, recolheu a faca da mulher. Depois disso, os agentes retornaram ao carro e observaram a continuação da briga. Pouco tempo depois, o carro deixou o local e ninguém foi preso. Nas imagens, ainda é possível ver que a mulher chega a se chocar com o carro da polícia, que estava em movimento. — O homem saiu arrastando a mulher para o canto da praça e começou a tentar tirar a faca dela, dando socos na cabeça e puxando o cabelo dela. Foi quando a polícia chegou e encostou a viatura. Mesmo com a presença dos policiais, ele continuou batendo nela. Os PMs saíram do carro, pegaram a faca dela e voltaram. O homem a pegou pelo cabelo e foi andando até o local de onde eu filmei. Os policiais, então, ficaram do carro, só olhando o homem bater na mulher, sem fazer nada — explica.” 
De acordo com a reportagem, nesta terça-feira, a assessoria de comunicação da Polícia Militar do Pará informou que está investigando o caso e que os PM's envolvidos já estão afastados.  G1
Esse caso representa o clássico ódio irracional coletivo que a sociedade tem pelas mulheres, a misoginia generalizada. É o retrato fiel do que ocorre sistematicamente no dia-a-dia das mulheres desse país. A mulher é agredida e a polícia literalmente não faz nada. Ah mas a mulher estava bêbada e com uma faca! Então, tá. Vamos tirar dela a possibilidade de provocar algum ferimento no seu agressor, vamos lhe tirar a faca. Agora sim, está tudo bem, ela está desarmada e na sua condição natural de vulnerabilidade. Agora assim, tá tudo certo. 
Segundo leitores da página a polícia agiu bem. A mulher estava bêbada e ameaçando a vida de um cara que lhe agredia a socos e pontapés. Eu não sei qual dos preconceitos e dos ódios é pior nesse caso. Honestamente, me pego pensando se é pior o preconceito e o da pessoa pobre ou se é o preconceito contra a mulher. A logica da nossa classe média e do próprio pobre é de que os miseráveis devem ser banidos da sociedade. A ralé não é gente, é menos que animal. E a mulher nessas condições ainda é pior que isso. 

O comportamento da polícia nada mais é que o reflexo do desejo dessa nossa sociedade, o desejo de os pobres e miseráveis matem uns aos outros. Mas é claro que a mulher pobre vai ser o principal alvo do ódio e preconceito da classe média e dos menos miseráveis. É a ela que é dirigida as mais severas críticas contra o seu comportamento, quase sempre considerado “moralmente reprovável”.  Se a sociedade não poupa da culpabilização a mulher “séria” e sóbria que sofre violência imagina a mulher pobre, “barraqueira” e bêbada. Ah, contra essa o ódio não tem medida.   

parabéns aos policiais, agiram na forma da autoridade que o Estado impõe, porque se agem contra esses restos humanos a imprensa iriam massacrar eles e fazer o governo demiti-los, é melhor ser punido por omissão do que pela ação.” Marcelo.
“A sem-vergonha da mulher armada com uma faca tentando cometer um homcidio, a falha dos policiais foi não ter metido o grampo nela e levada presa, ou alguem acha que facada de mulher difere da de homem. Bem feito!” Esconde a identidade

“Fizeram muito bem os policiais de não se meterem nessa briga entre essas duas latas de lixo, drogados, vagabundos!!! Talvez se tentassem interferir a "comunidade" seria capaz de apedrejar a viatura.” Roberto.


Vejam pelos comentários postados na matéria se eu não tenho razão quanto ao ódio? Os autores dos comentários se esquecem de um pequeno detalhe, são pessoas com pensamento como os expressados nos comentários, de que um ser humano é lixo, que a exploração e escravização do homem pelo próprio homem tem se perpetuado. Ignoram que estar numa condição miserável não é uma escolha ou uma simples falta de coragem de lutar para sair dela. Sair da linha da miséria é muito mais que uma simples decisão, é muito mais que força de vontade, que desejo, atitude.  Ninguém escolhe ter uma vida desgraçada, de sofrimento, de privação. Ninguém está satisfeito em ser considerado lixo humano e fazer parte da “escória”. Todos os miseráveis foram jogados para essa condição por aqueles que se apropriaram e/ou continuam se apropriando de muito mais do que precisam e que para isso escravizam/escravizam ou exploram/exploram outras pessoas. É um sistema que continua produzindo e reproduzindo a miséria e jogando seres humanos para a marginalidade.

Vejam o que tem sido feito às comunidades indígenas, elas têm sido jogadas na marginalidade por agro-pecuaristas e outros grileiros que têm roubado suas terras desde a “descoberta” desse país. Não preciso nem falar da comunidade negra que por anos foi retirada de suas terras e escravizada aqui mesmo, nas nossas terras. E mesmo mais de 100 anos depois da libertação o povo negro ainda continua sofrendo o processo de marginalização.  Mas o processo de loteamento das oportunidades continua ocorrendo quando pessoas que gozam de privilégios de toda a espécie se apegam a chamada meritocracia, conceito que tem se tornado jargão para justificara a manutenção de privilégios, como forma de perpetuar as iniquidades. E são exatamente essas iniquidades que impedem essas pessoas, marginalizadas e tratadas como lixo pela sociedade e suas instituições, como a polícia, de saírem das condições sub-humanas em que vivem.  

Dito isso, me cabe mais uma observação, não posso recriminar de forma alguma o comportamento de pessoas que têm conceitos de vida diferentes dos meus. Não posso achar que todos os preconceitos, tabus, auto conceito que tenho sejam os legítimos e os certos. Até mesmo porque estou apenas reproduzindo comportamentos ensinados às pessoas na minha condição para me diferenciar de pessoas que não gozam dos mesmos privilégios que eu. E, sabedora de que esse é um processo cultural usado para oprimir, excluir e inferiorizar outras pessoas eu simplesmente não posso aceitar que pobres e miseráveis sejam tratados como lixo. Processo que ocorre mais por sua condição que mesmo pelos seus hábitos, posturas ou comportamentos. Pois, pelo que sei mulheres de todas as classes sociais bebem, brigam e podem acabar sendo agredidas por seus parceiros.

Então, esse caso me toca mais profundamente, porque é essa mulher, por conta de sua condição (possivelmente deve ser de muita privação) que é ainda mais merecedora de proteção das instituições do Estado. Ela merece mais cuidados, mais zelo e mais ajuda para lidar e superar às dificuldade do que eu, por exemplo, que tenho muito mais mecanismos de me defender, de me fazer ouvir e lutar pelo que quero. No entanto, é justamente contra essa mulher marginalizada e que já é vítima de toda espécie de omissão do Estado que a sociedade destila ainda mais seu ódio. 
Para concluir, quem se apodera de toda ira para julgar, acusar e humilhar essa mulher não pode esquecer que é essa mesma polícia que poderá atender um pedido de socorro seu. Já os policiais também não podem esquecer que eles são apenas meros instrumentos (bucha de canhão) usados pela burguesia para controlar e oprimir o povo (leia-se pobres). No final das contas, são pobres controlando e oprimindo pobres em nome da manutenção do poder e dos privilégios da elite. FAZ TODO SENTIDO!

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