Hoje
me deparei com uma cena surreal. Uma mulher era espancada enquanto policias
tranquilamente assistiam. As cenas foram divulgadas pelo site G1.
De acordo
com o site as imagens foram gravadas no último domingo por um morador da
Sacramenta, em Belém, no Pará. As agressões ocorreram na Passagem Mirandinha em
frente a dois policiais que se encontravam dentro de carro da Polícia Militar. Como
pode ser visto no vídeo, os policiais assistiram a tudo sem sequer descerem da
viatura para verificar se a mulher agredida, e jogada contra o carro onde se
encontravam, estava bem. As imagens rapidamente viralisaram no Facebook e uma
série de críticas e comentários negativos referentes à postura dos policiais tomaram
conta da postagem.
“Segundo
a pessoa que gravou e publicou o vídeo e não quis ser identificada, o homem e a
mulher estavam brigando, por volta de 10h, antes da viatura da PM chegar até o
local. Moradores da região acionaram a polícia que, ao chegar, recolheu a faca
da mulher. Depois disso, os agentes retornaram ao carro e observaram a
continuação da briga. Pouco tempo depois, o carro deixou o local e ninguém foi
preso. Nas imagens, ainda é possível ver que a mulher chega a se chocar com o
carro da polícia, que estava em movimento. — O homem saiu arrastando a mulher
para o canto da praça e começou a tentar tirar a faca dela, dando socos na
cabeça e puxando o cabelo dela. Foi quando a polícia chegou e encostou a
viatura. Mesmo com a presença dos policiais, ele continuou batendo nela. Os PMs
saíram do carro, pegaram a faca dela e voltaram. O homem a pegou pelo cabelo e
foi andando até o local de onde eu filmei. Os policiais, então, ficaram do
carro, só olhando o homem bater na mulher, sem fazer nada — explica.”
De
acordo com a reportagem, nesta terça-feira, a assessoria de comunicação da
Polícia Militar do Pará informou que está investigando o caso e que os PM's
envolvidos já estão afastados. G1
Esse
caso representa o clássico ódio irracional coletivo que a sociedade tem pelas
mulheres, a misoginia generalizada. É o retrato fiel do que ocorre
sistematicamente no dia-a-dia das mulheres desse país. A mulher é agredida e a
polícia literalmente não faz nada. Ah mas a mulher estava bêbada e com uma
faca! Então, tá. Vamos tirar dela a possibilidade de provocar algum ferimento
no seu agressor, vamos lhe tirar a faca. Agora sim, está tudo bem, ela está
desarmada e na sua condição natural de vulnerabilidade. Agora assim, tá tudo
certo.
Segundo
leitores da página a polícia agiu bem. A mulher estava bêbada e ameaçando a
vida de um cara que lhe agredia a socos e pontapés. Eu não sei qual dos
preconceitos e dos ódios é pior nesse caso. Honestamente, me pego pensando se é
pior o preconceito e o da pessoa pobre ou se é o preconceito contra a mulher. A
logica da nossa classe média e do próprio pobre é de que os miseráveis devem
ser banidos da sociedade. A ralé não é gente, é menos que animal. E a mulher
nessas condições ainda é pior que isso.
O
comportamento da polícia nada mais é que o reflexo do desejo dessa nossa
sociedade, o desejo de os pobres e miseráveis matem uns aos outros. Mas é claro
que a mulher pobre vai ser o principal alvo do ódio e preconceito da classe
média e dos menos miseráveis. É a ela que é dirigida as mais severas críticas contra
o seu comportamento, quase sempre
considerado “moralmente reprovável”. Se a
sociedade não poupa da culpabilização a mulher “séria” e sóbria que sofre violência
imagina a mulher pobre, “barraqueira” e bêbada. Ah, contra essa o ódio não tem
medida.
“parabéns
aos policiais, agiram na forma da autoridade que o Estado impõe, porque se agem
contra esses restos humanos a imprensa iriam
massacrar eles e fazer o governo demiti-los, é melhor ser punido por omissão do
que pela ação.” Marcelo.
“A sem-vergonha da mulher armada com uma faca tentando cometer um
homcidio, a falha dos policiais foi não ter metido o grampo nela e levada
presa, ou alguem acha que facada de mulher difere da de homem. Bem feito!” Esconde
a identidade
“Fizeram muito bem os policiais de não se meterem nessa briga entre
essas duas latas de lixo, drogados, vagabundos!!! Talvez se tentassem
interferir a "comunidade" seria capaz de apedrejar a viatura.”
Roberto.
Vejam pelos comentários
postados na matéria se eu não tenho razão quanto ao ódio? Os autores dos
comentários se esquecem de um pequeno detalhe, são pessoas com pensamento como
os expressados nos comentários, de que um ser humano é lixo, que a exploração e
escravização do homem pelo próprio homem tem se perpetuado. Ignoram que estar
numa condição miserável não é uma escolha ou uma simples falta de coragem de
lutar para sair dela. Sair da linha da miséria é muito mais que uma simples
decisão, é muito mais que força de vontade, que desejo, atitude. Ninguém escolhe ter uma vida desgraçada, de
sofrimento, de privação. Ninguém está satisfeito em ser considerado lixo humano
e fazer parte da “escória”. Todos os miseráveis foram jogados para essa condição
por aqueles que se apropriaram e/ou continuam se apropriando de muito mais do
que precisam e que para isso escravizam/escravizam ou exploram/exploram outras
pessoas. É um sistema que continua produzindo e reproduzindo a miséria e jogando
seres humanos para a marginalidade.
Vejam o que tem sido feito às
comunidades indígenas, elas têm sido jogadas na marginalidade por agro-pecuaristas e outros grileiros que têm roubado suas terras desde a “descoberta”
desse país. Não preciso nem falar da comunidade negra que por anos foi retirada
de suas terras e escravizada aqui mesmo, nas nossas terras. E mesmo mais de 100
anos depois da libertação o povo negro ainda continua sofrendo o processo de
marginalização. Mas o processo de
loteamento das oportunidades continua ocorrendo quando pessoas que gozam de
privilégios de toda a espécie se apegam a chamada meritocracia, conceito que
tem se tornado jargão para justificara a manutenção de privilégios, como forma
de perpetuar as iniquidades. E são exatamente essas iniquidades que impedem essas
pessoas, marginalizadas e tratadas como lixo pela sociedade e suas instituições,
como a polícia, de saírem das condições sub-humanas em que vivem.
Dito isso, me cabe mais uma
observação, não posso recriminar de forma alguma o comportamento de pessoas que
têm conceitos de vida diferentes dos meus. Não posso achar que todos os
preconceitos, tabus, auto conceito que tenho sejam os legítimos e os certos. Até
mesmo porque estou apenas reproduzindo comportamentos ensinados às pessoas na
minha condição para me diferenciar de pessoas que não gozam dos mesmos
privilégios que eu. E, sabedora de que esse é um processo cultural usado para
oprimir, excluir e inferiorizar outras pessoas eu simplesmente não posso
aceitar que pobres e miseráveis sejam tratados como lixo. Processo que ocorre
mais por sua condição que mesmo pelos seus hábitos, posturas ou comportamentos.
Pois, pelo que sei mulheres de todas as classes sociais bebem, brigam e podem
acabar sendo agredidas por seus parceiros.
Então, esse caso me toca
mais profundamente, porque é essa mulher, por conta de sua condição (possivelmente
deve ser de muita privação) que é ainda mais merecedora de proteção das
instituições do Estado. Ela merece mais cuidados, mais zelo e mais ajuda para
lidar e superar às dificuldade do que eu, por exemplo, que tenho muito mais
mecanismos de me defender, de me fazer ouvir e lutar pelo que quero. No entanto,
é justamente contra essa mulher marginalizada e que já é vítima de toda espécie
de omissão do Estado que a sociedade destila ainda mais seu ódio.
Para concluir, quem se
apodera de toda ira para julgar, acusar e humilhar essa mulher não pode
esquecer que é essa mesma polícia que poderá atender um pedido de socorro seu. Já
os policiais também não podem esquecer que eles são apenas meros instrumentos
(bucha de canhão) usados pela burguesia para controlar e oprimir o povo
(leia-se pobres). No final das contas, são pobres controlando e oprimindo
pobres em nome da manutenção do poder e dos privilégios da elite. FAZ TODO
SENTIDO!
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