quarta-feira, 5 de junho de 2013

Quem vale mais, eu ou um feto?

Quem vale mais, eu ou um feto?





Estatuto do nascituro.





“ Art. 4º É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, a expectativa do direito à vida, á saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”



 Parece-me piada o artigo acima! Absoluta prioridade a expectativa de vida? Então quer dizer se minha vida estiver em risco, e a gravidez representar esse risco, a prioridade será do feto?

Então quer dizer devemos morrer, eu e o feto? Ou, que eu morra pra salvar um feto cuja “expectativa de vida” não passa de mera expectativa?

Então supúnhamos que a “expectativa de vida” se concretize e se torne uma criança, e nesse caso eu morra, quer dizer que o estado irá dispor de um lar que acolha esta criança? Disponibilizará toda a estrutura pra torná-lo um cidadão com todos os cuidado e carinhos que ele merece? O Estado ira proporcioná-lo dignidade, liberdade, proteção à sua honra e imagem?

Acho pouco provável que isso possa acontecer, pois não tive a alimentação adequada, e ainda hoje sofro por conta da minha carência alimentar na infância. Dignidade? Na minha casa não havia banheiro, energia elétrica, água encanada...  Fui criada pelos meus avós, porque meu pai me rejeitava e espancava minha mãe frequentemente. Em toda minha vida vi meu pai umas sete ou oito vezes, e minha mãe eu via algumas vezes ao ano.

Fui vitima de maus-tratos, minha avó e outros familiares me espancavam diariamente. Sofri violência sexual, e por mais de uma vez. Tive dentes permanentes extraídos porque não tive acesso à tratamento odontológico. Deixei de ir por várias vezes á escola por não ter dinheiro pra pagar ônibus. Mesmo sendo sexualmente ativa não tive acesso à ginecologista por vários anos, tampouco fui orientada quanto a métodos contraceptivos, DST e planejamento familiar.

Comecei a trabalhar aos 12 anos pra ajudar os meus avós com as despesas da casa e parei de estudar aos 16, já que nessa idade as responsabilidades que eu tinha eram tamanhas que já às 20 horas eu estava exausta e não tinha ânimo pra assistir aula. Fugi da casa dos meus avós aos 15 anos porque não suportava mais os espancamentos. Ao ser encontrada, fui obrigada pela policia a ficar sob os cuidados de um parente., então fui morar com uma tia com quem vivi por um ano, depois fui morar com minha mãe, e ainda aos 18 anos fui morar sozinha.

Se eu preferia não ter nascido a ter passado por tudo isso? Eu preferia ter morrido. Não só isso, até os 20 anos eu tentei suicídio por 2 vezes. Frequentemente desejava estar morta. Eu me perguntava sempre por que um caminhão não passava por cima de mim, por que um raio não caia sobre a minha cabeça...

Entretanto eu sobrevivi e depois de várias duras batalhas eu consegui voltar a estudar aos 26 anos, me formar aos 34, fazer uma especialização e continuar estudando pra me manter no mercado. Construí uma família feliz. Tenho 2 cachorros e 1 gato, e um marido que amo. Atualmente considero-me uma pessoa de bem com a vida e cheia de planos.

E nesse momento, quando estou prestes a completar 40 anos, e que cogito pela primeira vez a possibilidade de engravidar, tenho que lidar com a possibilidade do Estado julgar que minha vida é menos importante que a de um feto.

Agora eu digo não, eu quero viver. Pela primeira vez na vida eu me aceito e gosto do que me tornei. Quero realizar meus sonhos e projetos, quero viajar, conhecer pessoas, culturas... E o Estado não pode me negar esses direitos.

Então, refletindo sobre os meus direitos como cidadã e sobre o Estatuto, eu gostaria de agradecer ao Estado por toda proteção e cuidado que ele me dispensou.

Agradeço ao Estado por ter me permitido estudar em escolas públicas de excelência, e que me permitiram ingressar numa universidade pública com muito esforço, mas tão somente depois de compensar o pouco conhecimento num cursinho de boa qualidade e com preço astronômico.

Agradeceria ao Estado caso ele optasse por privilegiar uma “expectativa de vida” à minha. Que apesar de todos os percalços superei as adversidades e me tornei uma pessoa que exerço plenamente minha cidadania.

Mas agradeceria sobre maneira ao Estado por preterir a mim, que pago um quarto dos meus rendimentos mais impostos embutidos nos valores de tudo que consumo pra manter privilégios e regalias de pessoas ás quais sou obrigada, à cada dois anos me deslocar da minha residência pra, ir às urnas elegê-las, e pra que legislem em benefício próprio e contra os meus interesses. 



Obrigada aos Deputados Luis Bassuma, Miguel Martini e todos os que apoiam esse projeto. Não os esquecerei nos próximos pleitos.


P.S. Mas antes que eu esqueça, em caso de minha morte a criança deve ser entregue à minha mãe. Só lamento que meus avós não estejam vivos pra que  ela possa deixar a criança sob "seus cuidados".




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