sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Porque Amélia é a mãe.



Preciso confessar uma coisa: adoro mudanças. Gosto de mudar a cor e o corte de cabelo, mudar de casa e até de cidade. Não tenho raízes, grilhões e nem “opinião formada sobre tudo”. Também mudo de perfume, de humor, de dieta e de amores. Mudo até de opinião a depender dos argumentos.

Pois é, quando criei esse blog pensei em discutir tão somente a violência de gênero. No entanto, conforme o tempo foi passando e as postagens acontecendo fui descobrindo e percebendo muitas nuances que até então se encontravam encortinadas. E é claro que essas descobertas me levaram ao aprofundamento no universo feminino e a ler sobre assuntos associados ao tema. No decorrer desse mergulho fui me descobrindo feminista e instigada a ampliar minha visão sobre este universo. Então, mudei a forma de ver a violência, não só a cometida contra todo tipo de mulher, inclusive as trans, e as minorias, como ela está arraigada na sociedade e de que maneira estou inserida nesse contexto.   

E esse blog? O blog não poderia permanecer com o mesmo formato, pois me deixaria limitada, estaria presa ao tema violência, assunto muito vasto e bastante denso. A abordagem prioritária desse assunto deixava a página com aspecto sombrio e a mim um pouco angustiada. É obvio que continuarei problematizando sobre o tema, entretanto, pretendo tornar esse canal mais leve e descontraído, com uma pitada de humor e irreverência. E nada mais justo que ele seja renomeado. Pensei em vários nomes, tipo FEMINISMOS E COISAS AFINS, NEM COM UMA FLOR... Mas nenhum tinha a cara que eu queria dar ao blog.

Eu pretendia que o nome fosse agressivo, desaforado, provocante, que afrontasse o status quo. Então o AMÉLIA É A MÃE caiu como uma luva. É obvio que ele faz uma alusão à “mulher de verdade”, a mulher desenhada conforme os ideais machistas e que aqui vai ser paulatinamente desconstruída conforme vamos pondo por terra o mito da esposa resignada. Amélia que surgiu no ideário masculino como uma mulher resignada e com baixa autoestima, tantos anos depois, se tornou sinônimo de mulher submissa, conformada e assexuada. Embora o compositor Mário Lago afirme que não teve a intenção que propagar o mito e se declare a favor dos ideais igualitários.

Não sou resignada, subordinada, conformada e muito menos assexuada, sei que a maioria das mulheres atuais não são, e por isso mesmo somos “mulher de verdade”. Sou mulher que divide, compartilha, concorda e discorda, que tem opiniões e que as expressa. Assim como tantas outras da minha geração, sou mulher que luta por ideais femininos e contra toda forma de opressão. Nós sim, somos mulheres de verdade, mulheres reais e ideais. E, portanto, com todo respeito, Amélia é a mãe! Não a mãe mulher, mas a mãe santa e idealizada dxs filhinhxs machistas.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Carta ao estuprador



Caro estuprador. 

Caro não.

Desprezível estuprador,

É com profunda satisfação que lhe informo que hoje, mais do nunca, sinto-me plenamente feliz. Vivo muito bem com minha sexualidade e que a compartilho maravilhosamente com meu parceiro. De você lembro muito pouco, quase nada, talvez a altura e que era quase magro. Você não tem cara, cheiro ou gosto, você não é ninguém. Da noite em que você tentou me roubar a subjetividade lembro constantemente. Relembro dela pois me ajudou a perceber o quanto sou forte. Mas sobretudo, me fez compreender que existem pessoas, como você, que ainda não aprenderam a lidar com suas sexualidades.
Eu sei que você tem dificuldade pra ter prazer, que não sabe se relacionar sexualmente com uma mulher, que não sabe lidar com seus sentimentos. Também sei que você morre de medo. Tem medo de ser pego, de descobrirem sua doença... Pois é, eu também sei da sua misoginia, por conta dela você usa o estupro pra nos castigar. Você só tem coragem pra afrontar mulher. Na hora de assumir que tem tesão por homens você se acovarda. Sei que é impossível que você possa ter uma ereção normal, sexo natural e prazeroso. Você precisa tomar o sexo à força, só assim você sente seu sangue ferver, e nós sabemos que isso é raro. Na verdade o que te excita não é o sexo feminino, é a violência. Você não me escolheu, foi o acaso. Você não se excitou comigo, com meu corpo, o que te excitou foi a raiva que sente de mim (mulher) e a possibilidade de me fazer sofrer.
Você me atacou querendo violar meu corpo, minha mente e minha alma. Você queria se perpetuar em mim, impedir que eu voltasse a ter sexo, sentir prazer e gostar de sexo. Você achava que depois de você eu viveria como um cão acuado, com medo de todos os homens. É com grande deleite que te informo: você não faz parte de mim e nem povoa meus pesadelos. Eu não vivo com medo e gosto de homem. Quer saber? Eu tenho pena de você, enquanto você passa noites acordado com medo de ser reconhecido, encontrado, pego, enquanto perde o sono elaborando planos de ataque, planos de fuga, planos e mais planos, eu durmo tranquilamente. E várias vezes por semana, antes de dormir o sono dos anjos, faço amor com meu companheiro e com ele sinto muito prazer. Depois relaxamos agarradinhos, numa cumplicidade que você jamais irá conhecer. Um lembrete: antes dele houve outros homens. Saiba também que nunca pensei em você enquanto me entrego ao meu parceiro, e eu me entrego sem reservas, sem medos e sem limites.
Lamento muito que você seja essa pessoa desprezível. Só não esquece que por mais planos que faça, dos cuidados que tome, um dia você vai acabar sendo pego, pois todo criminoso comete erros. Também não esqueça de tudo que te aguarda na cela. Certamente não estará lá sozinho. Ela vai estar repleta de marmanjos e pode acreditar que eles não vão te dar amor, mas com certeza, eles vão te receber calorosamente.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Sobre as nuances do machismo


Machismo nosso de cada dia. Foto: Twitter/Reprodução
Machismo nosso de cada dia.
Por Hanna Thuin



O estupro é um dos filhos bastardos do machismo. Bastardo porque deste herda os traços, mas não o reconhecimento. O machismo é a raiz podre que germina em solo Argiloso; é o início do espinho que emerge na Terra Roxa; é o calvário que se instala no Calcário. O machismo está em toda parte. Enraizado. Reproduzindo livremente seus podres frutos e alimentando, com eles, tradições e poderes apodrecidos. O machismo veste muitas cores, muitas modas, muitos nomes. O machismo é a nossa crítica à saia curta e ao decote; o machismo é a nossa repulsa à puta e concomitante glorificação do conceito menina-santa-songa-monga. O machismo é a crucificação do aborto travestido de religião; é , também, a proibição da ordenação da mulher. O machismo é árvore de muitos galhos.
Machismo nosso de cada dia.
O machismo não me deixa jogar bola, porque futebol é coisa de homem; não me deixa conduzir um carro, porque mulher no volante é barbeira; não me deixa ser a capa de um jornal de finanças, sorridente e bem sucedida, porque esse papel milenarmente cabe, tão somente, ao homem (branco). O machismo não deixa que eu me expresse, que eu marche pelos meus direitos, que eu exponha meu corpo como eu quiser.
O machismo não deixa que eu escolha minha foda, a minha companheira no lugar de companheiro – se quero ou não ter filhos. O machismo não me deixa ser mãe solteira. O machismo não deixa que ela ganhe mais que ele ou que ele cuide da casa e auxilie-a nas responsabilidades domésticas. O machismo não deixa que a mulher seja o que é: forte. Ele tenta o tempo todo submetê-la à obediência, à submissão, à resignação.
O machismo, contudo, sabe ser generoso – abre “exceções”. O machismo permite objetificar o corpo da mulher para que seja essa a imagem impulsionadora das vendas de carros e de cervejas. Permite ao marido ser convocado em propagandas toscas de rádio a bancar o consumismo clichê feminino – resume a mulher ao crédito. Permite e reforça a exigência das curvas sempre exatas, da roupa comportada, das unhas feitas, do cabelo liso e escovado. Permite que o cavalheirismo seja visto como gentileza dele e o sexo como obrigação servil dela. Permite que ele faça da infidelidade um estilo de vida e do pênis um instrumento de reconhecimento e poder. O machismo permite que a apologia ao estupro em uma recepção de vestibular seja vista como um caso isolado de “dois babacas” dessintonizados com o curso e não como um problema institucional que ultrapassa os muros da Universidade- o espaço acadêmico hodiernamente (e infelizmente) ainda reproduz, sem a necessária reflexão, os ecos e ensinamentos que vêm de antes, que vieram e vêm lá de fora. O machismo permite que a hipocrisia se diga moral e, em um cuspe, agrida as mulheres que marcham por um necessário despertar; permite, inclusive, normatizar o estupro, assegurando, àquele líquido branco, a hospedagem no útero, sem questionar a existência de um prévio aceite: se ela disse sim ou se disse não, para o machismo, tanto faz.
Engana-se quem pensa ser o machismo opressor apenas do feminino. Senhor feudal, pai, filho e herdeiro das tradições e do conservadorismo, o machismo é poder corrupto e mecanismo de exclusão que se pretende perpétuo. É em nome dele e por ele que se prega e legitima o homem branco como “the choosed one” para dominar a tudo e a todos.
É em nome dele e por ele que se máscara o fundamentalismo de democracia e a intolerância de religião. É ele quem dilata as nossas glotes e permite um indigesto Feliciano permanecer na presidência da Comissão de Direitos Humanos. É ele que impede o Ministério da Saúde de veicular uma campanha em que afirma que prostituta também é gente e é gente feliz. É ele quem veta um kit que prega o respeito e a compreensão da sexualidade que escapa aos padrões normativos, mas permite e incentiva, com recursos públicos, a distribuição de uma cartilha que não contente em veicular a homofobia, relativiza o estupro, personificando o gozo do estuprador em uma vida a ser protegida. É ele que condena as rupturas, que agride àquela que se insurge contra o sistema, que demoniza quem ataca seus símbolos.
É em nome dele e não de Deus que se pratica o racismo, a homofobia, o feminicídio, a opressão de classes. É ele quem cerceia com normas, padrões e pecados intransigentes o próprio existir dos sujeitos.
Não sejamos ingênuos nem tenhamos piedade com quem nunca nos poupou. Não se combate o machismo com afagos na cabeça e conversas baixas. Não se combate o machismo com a manutenção dos símbolos nem com o silêncio de quem a tudo assiste inerte e, assim, consente. Não se combate o machismo marchando em fila indiana e batendo continência para a hipocrisia. É preciso peito. Esteja ele nu ou pintado – a coragem de impô-lo traduz-se na ausência de panos, sem temer o pudor do moralismo alheio. Não existe paz sob a regência do medo. Não existe democracia quando a metade do povo, dita ironicamente de minoria – cracia-, é feita de demo indialogável e invisibilizado pelas bandeiras monocromáticas do branco classe média hétero “religioso”. É muito fácil criar pecados e interpretar de maneira viciada o calçado do Outro, difícil é dispor-se à alteridade de enxergá-lo para além dos estigmas e da herança dos frutos podres que desde cedo nos são dados como alimento e como instrução.
Que o senso comum, a homofobia, o racismo, o feminicídio, a opressão de classes, a xenofobia, que todos esses rostos do machismo se tornem, a cada dia mais, os verdadeiros outsiders. Sejam eles os deslocados, os excluídos, os eliminados. Que a gente desperte os sentidos e a vontade para entender e enfrentar o verdadeiro inimigo e seu exército de formas, linguagens, poderes, pessoas. Que a nossa revolução comece em nós mas em nós não termine e não se contenha; que se expanda, que invada a rua, o comércio; que barulhe os ouvidos até que seja verdadeiramente escutada, sentida, pensada.
Há muito para fazer: há um tanto de dureza e concreto para demolir. Os caminhos, contudo, estão aí, abertos. Há um incômodo com potência para ser mudança. Há gente muito boa na rua pronta para o novo. Que a gente não perca o embalo e nem a coragem e, se por ventura, faltar o norte, que a gente tenha o gosto do nojo na memória: aquele líquido branco banhado de sangue e de pranto – gozo egoísta, monstruoso.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O nojo do gozo que não participei – sobre estupro e outras formas de machismo.

Por Hanna Thuin, estudante de Direito da Universidade de Brasília.

A história que segue é suja, densa – tão densa quanto o último respingo dela. A história que segue é dantesca:  retrato de um pesadelo acalorado pelo inferno. É uma história que nada posso barganhar para esquecer; história que nada pude fazer para deter. É uma história-memória sem cortes ou censuras – a linguagem é crua e dura. Inadequada para quem com a verdade da realidade não pode ter. Não leia se este último papel cabe em você.

Saía da aula. Tarde. Estacionamento parcamente iluminado. Transeuntes inexistentes. Tudo era sombra – à exceção da Lua cheia: seria ela a única a testemunhar.
Seiscentos metros; sessenta passos: foi essa a distância percorrida antes que aquelas mãos segurassem firme meu ombro. Segundos. Minha bolsa no chão. A chave do carro perdida na grama próxima. Eu não conseguia gritar, mexer, fugir. Desespero. Enquanto uma mão rasgava minha blusa, a outra expunha o pau duro para fora da calça. Quis vomitar.
“Vadiazinha. Piranha. Vou te comer sua patricinha. Fica quietinha. Se abrir a boca, te mato”
Sob o bafo dessas palavras, despertei. Reagi, tentei escapar. A força dele era o dobro: eu quis ter voz para morrer.
“Papai aqui vai te mostrar como se faz. Te foder toda. Te mostrar o que é um homem de verdade”.
Subjugou-me pela testosterona dobrada: forçou-me os joelhos ao concreto; forçou-me a boca ao pau ereto. Segurava-me pelos cabelos. Ia e voltava, com força, a cintura no meu rosto. Aquele chicote estalando na minha garganta. Os pelos do escroto roçando nos meus lábios.
Uma.
Duas.
Três.
Quatro.
Perdi as contas de quantas vezes sufoquei; de quantos tapas deferiu-me com aquelas mãos de monstro pelos desmaios que meu nojo ensaiou. Incansável. Só parou quando da minha voz saiu o vômito. Vômito que conheceu mais minha pele que o chão. Vômito que não interrompeu o animal; vômito que não o comoveu; vômito que não o impediu.
“Sua porca. Escrota. Tá com nojinho? Agora vai ver o que é bom”
Arrancou minha saia. Jogou-me ao chão. Minhas bochechas esfoladas no asfalto. O corpo pesado daquele homem me esmagando. Aquelas mesmas mãos monstruosas forçando caminho entre as minhas pernas; aquele mesmo pau duro a me violar.Ao sangue do meu rosto arranhado, da minha boca cortada, juntava-se o sangue do meu sexo machucado. Escorria a resposta das minhas entranhas; traduzia em cor a dor que eu não conseguia gritar. O bafo daquele homem estranho, sua respiração descontrolada aos pés do meu ouvido. Aquela coisa asquerosa entrando e saindo de mim:
entrando
e
saindo;
entrando
e
saindo. Sob o meu pranto silencioso, o rosto desfigurado de tantas idas e vindas da pele naquele recorte duro de piche- o ritmo dos arranhões conduzidos pelo pau insaciável de um estranho. Além do choro, o sangue; além do sangue, o gozo. O gozo dele. Aquele sêmen todo a adoecer minhas partes; aquela porra a descer pelas minhas pernas: líquido branco, denso: morte.
Liberou seu peso sobre mim. Recolheu o pau murcho à braguilha fechada.
“A princesinha tá toda fodidinha. Já quer mais, né, putinha? Delícia”
Dispensou um último tapa forte na minha coxa – foi embora caminhando. Minhas mãos desceram à virilha; manchei-as com aquela mistura de branco com vermelho: jamais unir-se-ão em rosa.
Não sei quanto tempo larguei-me ali. De pernas abertas. De roupa rasgada. De olhar perdido. Quando me encontraram, já era tarde. Tarde na hora do relógio, tarde na hora impossível de se evitar: ninguém mais poderia me salvar, minha vida acabara ali.
Dos procedimentos que se seguiram- o IML, os infinitos exames, as tonalidades e prescrições de cada caixa de remédio-, apenas participei do banho. Esfreguei minha pele com tanta fúria, com tanto nojo, como se a carne daquele homem não fosse se desprender nunca da minha – como se ele ainda estivesse ali. Não terminei enquanto outras nuances minhas, além da dor, tornaram-se expostas. Aquela noite me tornou uma pessoa quebrada: deixou a memória no corpo; usurpou a (c)alma.
Os únicos momentos em que eu recobrava a vida, para logo perdê-la, afloravam ao longo do sono. O chão áspero, o pau duro, o nojo, o sangue, o gozo dele escorrendo pelas minhas pernas. Como se todo dia eu precisasse morrer um pouco mais. E morria. Pesadelos sem rosto – assumiam um novo a cada abrir de olhos. Todos se tornaram, assim, possíveis estupradores: o porteiro, os amigos, os vizinhos, meus irmãos. Enxergava em todos eles a mesma repulsa. Ninguém escapava ao meu medo; o medo não poupava sequer os Santos.
Em algum ponto, porém, estar morta tornou-se insustentável. Não havia o que fazer quanto ao meu homicídio – não acharam um nome a punir pelo estupro. A minha morte, contudo, desenrolava-se em outra: mamãe. A culpa, tão injusta em escolher suas vítimas, a atingiu, a adoeceu. Não foi por mim, portanto, que voltei – foi por ela. E, ao voltar, percebi que não só por ela eu deveria renascer, mas por todas. Por todas as mulheres. Por todas as mulheres que tiveram seus corpos violados e suas almas furtadas, mutiladas, assassinadas.
Por todas as mulheres estupradas ao percorrer o caminho entre a L2 e a UnB. Por todas as mulheres estupradas ao pegar uma van de Copacabana para a Lapa. Por todas as mulheres estupradas após serem intencionalmente drogadas por seus colegas de trabalho. Por todas as mulheres enganadas por seus ídolos e, por eles, estupradas coletivamente. Por todas as mulheres forçadas a transar com seus companheirxs- porque isso também é estupro. Por todas as meninas abusadas por familiares ou pessoas próximas. Por todas as mulheres e meninas que se calaram por medo, que não denunciaram, que se sentiram culpadas porque assim, desde sempre, foram ensinadas pela sociedade. Por todas as que não conseguiram carregar o peso dessa memória e encontraram, no suicídio, a única possibilidade de redenção. Por todas as mulheres que não renasceram; por todas as que sobreviveram; por todas as que, como eu, de alguma maneira, hão de sobreviver (e renascer).

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Responda a enquete: Quando você precisou fazer uma curetagem no sistema de saúde, você foi anestesiada?



Já precisei fazer uma curetagem no sistema de saúde pública e fui submetida ao procedimento sem ter sido anestesiada. Foi uma das piores agressões que sofri. Uma semana antes do procedimento, durante uma ultrassonografia, o médico constatou que o embrião estava sem batimentos cardíacos e que não havia como reverter o abortamento em curso, e só me restava aguardar que meu organismo se encarregasse de expulsar os tecidos da gravidez. Porém as dores e o risco de hemorragia me levaram de volta ao médico. Nessa visita foi recomendado que eu fizesse uma curetagem, pois corria risco do quadro se agravar me levando a uma infecção ou outras complicações. O obstetra que me atendeu marcou a curetagem pra o dia seguinte. Para realização do procedimento fui apenas sedada, a cirurgia foi realizada a sangue frio. O que vivenciei naquela sala foi uma verdadeira tortura.Veja relato completo aqui.

Acredito que, apesar de terem se passado mais 13 anos, a prática ainda hoje seja bastante comum, e muitas mulheres continuem sendo torturadas criminosamente. O objetivo dos médicos que procedem dessa forma é punir a mulher, que eles julgam ter provocado o aborto. No meu caso havia uma ultrassonografia mostrando que havia ocorrido a morte do embrião e também os registros da minha ginecologista sobre os atendimentos que procurei logo que verifiquei que havia algo de errado sobre a minha gravidez, além das receitas com a prescrição de medicamentos pra evitar que o quadro abortivo evoluísse. Mas nada disso foi observado. O obstetra sequer leu o meu prontuário. Ele, e a equipe que o assessorava, agiu deliberadamente com a finalidade de me torturar.  Em caso de aborto eles acreditam que é imprescindível fazer a mulher sofrer. Em ambos os casos, aborto provocado ou espontâneo, a curetagem deve ser realizada respeitando os protocolos médicos de maneira a preservar a saúde da mulher e sob anestesia geral ou locorregional.  Não se admite que qualquer procedimento cirúrgico seja realizado sem anestesia.

A finalidade do meu relato é denunciar a prática de violência contra a mulher. Devemos nos encorajar e denunciar os maus profissionais, que se utilizam da relação de confiança entre médico/paciente pra provocar dor e sofrimento aos seus pacientes. A relação médico/paciente deve ser pautada na segurança de que o primeiro irá primar pelo bem estar do segundo. Então, o mínimo que se espera, é que o profissional atue com extremo zelo com nossa saúde e não que negligencie dela ou que haja de forma perversa ou sádica.

Caso você, assim como eu, tenha sido vítima desse tipo de violência e queira contar como tudo aconteceu você pode enviar seu relato por e-mail pra violenciadegenero.basta@yahoo.com.br. Você pode optar por publicar seu texto anonimamente ou receber os créditos da autoria.