segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Certidão de casamento: Registro de posse da mulher.







Contrariando bastante as expectativas do meu marido, de sua família e da minha, mantive na minha certidão de casamento o meu nome de batismo. Não renunciei ao meu sobrenome, permaneci com o Eufrázio da minha mãe e o Romão do meu pai. É lógico que houve quem achasse minha decisão desrespeitosa para com meu marido e acho até que ele se sentiu um pouco magoado na época. No entanto, penso que foi fundamental pra que eu mantivesse minha individualidade, minha identidade, a minha história, como também uma forma de romper um pouco com essa relação de possessividade que se estabelece no ato do casamento. A certidão de casamento guarda uma íntima relação com a escritura de um imóvel, ambas são uma espécie de registro de posse, e na primeira o bem adquirido é a mulher. Como ainda vivemos numa sociedade patriarcal, nós mulheres, na ocasião do casamento, deixamos de pertencer ao pai e passamos legalmente a ser um bem do marido. Naturalmente, não foi muito difícil deixar de adotar o sobrenome do meu marido, afinal, nunca usei o do meu pai. 


Por rebeldia sempre omiti da minha assinatura o Romão do meu pai (sério problemas relacionais que só Freud na causa), embora ele permaneça legivelmente registrado, antes e depois do casamento, em qualquer um dos meus documentos. Eu até poderia exclui-lo, mas já que esta lá, deixe-o que fique. No entanto, eu não renunciaria ao meu nome de registro pra assumir o do meu esposo de forma alguma. Pode parecer bobagem, mas meu nome de batismo diz quem eu sou, conta toda uma história, tenho a impressão que ao mudá-lo eu perderia um pouco da minha identidade. Muda-lo seria renunciar ao direito de permanecer quem eu sou, seria legitimar a opressão e a minha coisificação. Sentiria que eu teria me tornado um objeto ou uma coisa com dono, sem passado, sem memória e sem história. Bem, mas essa é intensão do casamento, né mesmo? Apagar o passado da mulher, cortar todos os vínculos anteriores, abraçar a família do marido como sua, como também formar seus decentes. Só que não! Ninguém deve renunciar a sua história, até mesmo porque por mais que queiramos ela faz parte de nós. O casamento deve ser um somatório de histórias e sujeitos, cada um levando a sua bagagem e isso inclui nome, sobrenome, amigos, manias e até apelido.


Às vezes me pego pensando e não consigo compreender como as mulheres norte-americanas levam a adiante a tradição de serem tratadas formalmente pelo pronome de tratamento, senhora, mais o sobrenome do marido. Não toleraria ser chamada de Senhora Nascimento, iria me sentir despersonalizada, não consigo sequer pensar melhor sobre essa possibilidade. Tenho personalidade demais pra passar por esse tipo de situação. Bem, mas essa tradição não se propaga gratuitamente ou ingenuamente, ela tem o intuito de manter a mulher na situação de subserviência. Através dessa tradição arcaica e pouco questionada se leva adiante a cultura de inferiorização do gênero feminino e afirmação da supremacia masculina. É a partir dessa tradição que se nega a existência da mulher enquanto sujeito histórico, autônomo, intelectualmente capaz e independente. Que fique claro que não estou criticando o casamento, até mesmo porque estou casada há 16 anos e pretendo continuar assim por muitos outros, minha crítica se refere à renúncia de porção significativa da nossa identidade pra incorporar parte de uma história que não nos pertence. O casamento pode, e deve, ser o compartilhamento de uma trilha, aonde cada um irá levar sua bagagem  pra se somar a do outro com intuito de tornar a vida em comum mais rica, sem que ninguém tenha que fazer renúncias, principalmente a mulher.  

1 comentário:

Anónimo disse...

Adorei o texto e concordo muito com vc. Essa "tradicao" inferioriza ad mulheres, que continuam reproduzindo isso. Estou noiva e ja avisei que n mudarei meu nome. N faz sentido passar a assinar diferente.