Contrariando
bastante as expectativas do meu marido, de sua família e da minha, mantive na
minha certidão de casamento o meu nome de batismo. Não renunciei ao meu
sobrenome, permaneci com o Eufrázio da minha mãe e o Romão do meu pai. É lógico
que houve quem achasse minha decisão desrespeitosa para com meu marido e acho
até que ele se sentiu um pouco magoado na época. No entanto, penso que foi
fundamental pra que eu mantivesse minha individualidade, minha identidade, a
minha história, como também uma forma de romper um pouco com essa relação de
possessividade que se estabelece no ato do casamento. A certidão de casamento guarda
uma íntima relação com a escritura de um imóvel, ambas são uma espécie de
registro de posse, e na primeira o bem adquirido é a mulher. Como ainda vivemos
numa sociedade patriarcal, nós mulheres, na ocasião do casamento, deixamos de
pertencer ao pai e passamos legalmente a ser um bem do marido. Naturalmente,
não foi muito difícil deixar de adotar o sobrenome do meu marido, afinal, nunca
usei o do meu pai.
Por rebeldia sempre omiti da minha assinatura o Romão do meu
pai (sério problemas relacionais que só Freud na causa), embora ele permaneça
legivelmente registrado, antes e depois do casamento, em qualquer um dos meus documentos.
Eu até poderia exclui-lo, mas já que esta lá, deixe-o que fique. No entanto, eu
não renunciaria ao meu nome de registro pra assumir o do meu esposo de forma
alguma. Pode parecer bobagem, mas meu nome de batismo diz quem eu sou, conta
toda uma história, tenho a impressão que ao mudá-lo eu perderia um pouco da
minha identidade. Muda-lo seria renunciar ao direito de permanecer quem eu sou,
seria legitimar a opressão e a minha coisificação. Sentiria que eu teria me
tornado um objeto ou uma coisa com dono, sem passado, sem memória e sem
história. Bem, mas essa é intensão do casamento, né mesmo? Apagar o passado da
mulher, cortar todos os vínculos anteriores, abraçar a família do marido como
sua, como também formar seus decentes. Só que não! Ninguém deve renunciar a sua
história, até mesmo porque por mais que queiramos ela faz parte de nós. O casamento
deve ser um somatório de histórias e sujeitos, cada um levando a sua bagagem e
isso inclui nome, sobrenome, amigos, manias e até apelido.
Às vezes me pego
pensando e não consigo compreender como as mulheres norte-americanas levam a
adiante a tradição de serem tratadas formalmente pelo pronome de tratamento,
senhora, mais o sobrenome do marido. Não toleraria ser chamada de Senhora Nascimento,
iria me sentir despersonalizada, não consigo sequer pensar melhor sobre essa
possibilidade. Tenho personalidade demais pra passar por esse tipo de situação.
Bem, mas essa tradição não se propaga gratuitamente ou ingenuamente, ela tem o
intuito de manter a mulher na situação de subserviência. Através dessa tradição
arcaica e pouco questionada se leva adiante a cultura de inferiorização do
gênero feminino e afirmação da supremacia masculina. É a partir dessa tradição
que se nega a existência da mulher enquanto sujeito histórico, autônomo, intelectualmente
capaz e independente. Que fique claro que não estou criticando o casamento, até
mesmo porque estou casada há 16 anos e pretendo continuar assim por muitos
outros, minha crítica se refere à renúncia de porção significativa da nossa
identidade pra incorporar parte de uma história que não nos pertence. O
casamento pode, e deve, ser o compartilhamento de uma trilha, aonde cada um irá
levar sua bagagem pra se somar a do outro com intuito de tornar a vida em
comum mais rica, sem que ninguém tenha que fazer renúncias, principalmente a
mulher.
1 comentário:
Adorei o texto e concordo muito com vc. Essa "tradicao" inferioriza ad mulheres, que continuam reproduzindo isso. Estou noiva e ja avisei que n mudarei meu nome. N faz sentido passar a assinar diferente.
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