Paloma
é a bola da vez, é a nova febre dos desocupados que não tem nada mais
interessante a fazer do que assistir filmes pornôs ou vídeos íntimos vazados na
internet. E assim como Fran, Thamiris e tantas outras garotas que tiveram suas
intimidades expostas, ela também se tornou alvo de apontamentos, julgamentos,
críticas e humilhações, ou seja, se tornou vítima de toda espécie de
linchamento moral.
Mas,
o que Paloma fez de errado? Absolutamente nada. Nenhuma garota que teve sua
intimidade exposta fez algo de errado. Sexo? Todas fazemos. Filmar ou se
permitir filmar ou fotografar? Quem jamais? Confiar? Quem nunca confiou e foi
traída? Então o que há de errado?
Com quem
sofre linchamento moral em praça pública – atualmente o ambiente virtual – por
conta de sexo não há nada de anormal ou errado. Há de muito errado na quebra de
confiança, na deslealdade, no machismo. A confiança é a estrutura base de todas
as relações sociais. Sem confiança não é possível existir relação. Nem mesmo
comercial. Portanto o erro é de quem abusa da confiança de uma mulher para
expor sua intimidade.
Expor
vídeo ou fotos íntimas de alguém, principalmente de alguém com quem divide a
intimidade é uma atitude de calhorda, de mau caráter. Alias expor indevidamente
a intimidade de alguém não só é moralmente reprovável como é crime. Quem mercê linchamento
em praça pública é o autor do vídeo. Um machismo escroto, insegura, canalha e
sem escrúpulos. Esse sim merece ser banido da convivência em sociedade. Ele merece
ser evitado e enxotado por todas as mulheres. Afinal, quem vai querer estar ao
lado de um indivíduo como esse? Fez com Paloma, faz com qualquer mulher!
Paloma
Carvalho foi vítima, pronto. Ela teve um vídeo íntimo, em que aparece se
masturbando, vazado na internet pelo namorado. Nas mídias foram criadas mais de
20 páginas para expor vídeos e fotos que supostamente seriam dela. Entretanto, conforme
ela mesma informa em seu perfil no Facebook, foi vazado apenas um vídeo, o que
ela fez, enquanto estava bêbada, e enviou para o namorado. Os demais vídeos,
inclusive um em que aparece com vários garotos, não é ela quem aparece nas
imagens.
Nesse
episódio, e nos demais, tão deprimente quanto a atitude do namorado, que vazou
o vídeo e as fotos, é o linchamento moral que a garota está sofrendo. Os
comentários dos seguidores das páginas, que só uma tinha mais de 40 mil
visualizações, além de cruéis revelam o machismo a que as mulheres são submetidas
por “tentarem” experimentar, vivenciar ou ousar dentro do que lhes permite a
liberdade sexual. Infelizmente, a sexualidade feminina ainda é permeada de
culpabilização, controle e cerceamento.
“Ser mulher em uma sociedade patriarcal significa estar sob constante
policiamento de terceiros. Há muitas regras e papéis nos quais as
mulheres devem se enquadrar; alguns aspectos, no entanto, são consideravelmente
mais constantes e generalizados: entre eles, se destacam a cultura do estupro e
o “slut shaming”, respectivamente o enquadramento de mulheres como seres sem
agência para negar o ato sexual e o policiamento da sexualidade feminina. As
demonstrações de slut shaming são bastante abrangentes: quantas vezes ouvimos
que a roupa de uma mulher é curta demais ou seu comportamento atrevido? Há uma
enorme variedade de insultos proferidos contra as mulheres, desde os mais
pudicos, como “oferecida”, aos mais agressivos, como “vadia” ou “puta”. A
sexualidade feminina e sua expressão são constantemente podadas, julgadas e
restringidas. Blogueiras feministas.
Enfim,
de acordo com a cultura machista a mulher não pode ter sexualidade, do contrário
ela deverá pagar pelo petulância com a execração pública. Enquanto isso, nesse
processo de exposição, o homem sempre, invariavelmente, sai ileso. Ou melhor,
sai mais homem, mais macho, mais viril... E ainda tem gente que diz o machismo
na nossa sociedade foi superado. Queriam o quê, praticar a mutilação genital
feminina no Brasil também?
Enquanto
Paloma e outras garotas sofrem linchamento moral na rua e na internet, o autor
da novela Alto Astral, Daniel Ortiz, sob a supervisão de Silvio de Abreu, perde
uma grande oportunidade de ajudar essas garotas. Na
trama do folhetim, a personagem Itália também tem um vídeo intimo, onde faz
sexo com Cesar, vazado na internet. Até aí “a arte imita a vida”. Entretanto,
eis que o autor resolve inverter “o fluxo natural das coisas” e quem acaba
vazando o vídeo é uma garota, não a vitima, a Débora, sua suposta rival. Sim,
porque fora da ficção são as mulheres que vazam vídeos íntimos umas das outras.
Preciso dizer que é uma ironia?
Daniel Ortiz |
O autor errou feio, errou muito no enredo desse capítulo.
Primeiro que a imensa maioria dos vídeos íntimos que vão parar na internet são
vazados por homens. E boa parte deles são divulgados pelos ex-namorados,
ex-companheiros ou ex-maridos. Foi exatamente por esse motivo que a prática
ficou conhecida como pornografia de vingança ou no inglês porn revenge.
“Mas pensa na
disparidade entre a quantidade de vídeos vazados por homens e os vazados por
mulheres. Eu, particularmente, nunca ouvi falar de mulheres que tenham vazado
vídeos ou de caras dizendo que foram xingados, demitidos e perseguidos após ter
seus vídeos divulgados na rede. É uma falsa simetria, como eu disse antes. O
autor deveria usar sua influência pra denunciar o que ocorre na esmagadora
quantidade de casos e os danos que isso causa às vítimas, majoritariamente
mulheres.” Anna Rosa.
Pisou na bola também quando reproduziu a ideia sexista de
rivalidade entre às mulheres usando como motivação do vazamento vídeo a disputa
por um homem, a velha “competição entre mulheres”. As premissas de que mulheres são desunidas e
competem umas com as outras são propagadas e alimentadas pelos homens para provocar
a discórdia e rivalidade entre mulheres e dessa forma – os homens – obterem vantagens
dentro da cultura machista. Reproduzindo esses preceitos sexistas Daniel acabou
usando um problema sério, que até pode levar mulheres ao suicídio, de uma
maneira tosca e irresponsável, apequenando, demonizando e amesquinhando as
mulheres e alimentando o preconceito contra todas nós.
Daneil Ortiz poderia ter abordado o assunto pela
perspectiva positiva. Usar o enredo para empoderar as garotas que já tiveram
suas vidas destroçadas por uma violência como essa e para revelar o aspecto
criminoso e moralmente reprovável dessa prática. No entanto, o autor optou por
subverter a realidade e transformar o habitual agressor em vítima com o claro
objetivo de naturalizar a violência de gênero. Expor a exceção (mulher expondo
mulher) como se fosse regra acabou gerando a sensação de que mulheres não se
importam de terem a intimidade exposta e isso acaba por culpabilizar a mulher,
bem como, estimular este tipo de prática, se é que ela precisa de estímulos.
O autor deve desculpas à Paloma, às outras vítimas de
pornografia de vingança, e a todas às mulheres. Todas nós nos sentimos
atingidas pela forma leviana, distorcida e irresponsável como representou um
drama tão sério.