quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Abusos na academia



Por Laís maia
 
Em solidariedade às vítimas do Idelber Avelar*, às minhas jovens alunas que corajosamente denunciaram um professor que as assediava, às colegas do UFMG que se mobilizaram para denunciar o Francisco Coelho, que há mais de uma década sistematicamente assediava as graduandas em sala de aula, e às tantas outras que já passaram por isso, decidi relatar um dos assédios em ambiente acadêmico que sofri esse ano (e eu definitivamente nem sou a pessoa mais interessante do mundo e contei três em um ano).
Sonho com o dia que a vergonha fique para eles e que os questionamentos pairem sobre a postura desses homens toscos de nossa intocada esquerda machista. Em que minha amiga não tenha que reembolsar à Capes [valores referentes à bolsa] porque desistiu do doutorado com um bam bam bam internacional que a assediou toscamente. Sonho com o dia em que as vítimas possam relatar os abusos sem precisar se esconderem atrás  do anonimato e que não sejam alvos de processos tenebrosos ou que não haja comparação com a inquisição por exigirem algum tipo de respeito.
A academia é nosso campo de batalha mais velado e impenetrável. Por isso, mulheres, vocês são lindas. Sintam-se todas abraçadas e admiradas.
Os casos que escolhi relatar são os que mais me imobilizam, pois me afetam pessoalmente. E apesar do embaraço que senti, admito que ainda não consegui desconstruir a admiração por tantas qualidades dessa pessoa. Tenho um professor fantástico e com um engajamento político de grandes repercussões. Fiz algumas disciplinas com ele e sempre me senti envolvida no diálogo instigante que ele nos propunha. Enquanto fizemos uma obrigatória com ele, logo que iniciei o mestrado, eu e uma amiga querida fomos a um congresso que ele estava organizando. Foram sistemáticas as investidas dele sobre ela, deixando inclusive de estar entre os ilustres docentes e pensadores que lá se encontravam para sentar-se conosco em nossa discreta mesa durante momentos de descontração pós-evento. Houve mão na perna de minha amiga, mão na cintura e, por fim, quando ela se levantou por algum motivo, ele a pegou firme pelos quadris, deu uma encoxada e disse “você é uma mulher maravilhosa”. A mulher maravilhosa – sim, ela é maravilhosa, professor, mas não pelo que você estava interessado em obter – era uma recém ingressa no mestrado, vinda do interior e que se sentiu constrangida em fazer qualquer comentário na disciplina obrigatória que cursávamos com ele e que passou a evitar encontrá-lo, até mesmo nos corredores.
Meses depois, estivemos no maior encontro nacional da área e houve situação parecida comigo. Por diversas vezes ele insistiu em sair conosco e, mesmo com um casal de professores da mesma instituição que ele trabalha na nossa mesa do bar, ele não se envergonhou de “afetuosamente” colocar as mãos no meu rosto diversas vezes. Livrei-me dele com bastante dificuldade após sustentar horas de sorriso amarelo de tanta vergonha. Porque a gente acha que todo mundo (colegas e professores) vai pensar que estamos dando linha, que há conivência da nossa parte, que se a gente quisesse teria acabado com a situação, que somos interesseiras e que há alguma relação pessoal com ele. Além disso, é impossível não tratar com algum respeito (medo?) alguém com quem vamos cruzar certamente muitas vezes no decorrer da vida profissional/acadêmica e que supostamente ocupa uma posição hierárquica infinitamente superior à sua. 
Por fim, na confraternização do último dia, bem no início da festa, ele abandonou as várias mesas com os grandes pesquisadores do nosso campo de estudo e decidiu sentar-se com três mestrandos no canto mais afastado, longe dos burburinhos. Nisso fez questão de me tirar para dançar, dizer como eu estava linda e elogiar de forma exagerada os meus progressos acadêmicos. Em algum momento, depois de pelo menos uma hora, ele desistiu das investidas.
Noutra ocasião, ele atuou comentando um trabalho elaborado por mim. Nesse caso, imaginava que não que pudesse ocorrer nada de errado. Minhas perspectivas eram; que lá estaria meu orientador, um homem íntegro e muito sério, outro professor e meu namorado. Poderia receber as contribuições brilhantes que ele daria – e de fato deu - sem me expor a nenhum constrangimento. Entretanto, não foi bem assim...
Eu estava falando de meu trabalho quando, no meio da minha exposição, ele pegou uma das minhas mãos, a colocou entre as dele e ficou acariciando em cima da mesa, enquanto todos podiam ver. Fiquei nervosa e comecei a gaguejar. Não conseguia olhar para nenhum lado de tanta vergonha. Fiquei constrangida porque pensei que o professor, que eu mal conhecia, iria achar que eu tinha um caso com ele, que o meu orientador pensaria que eu mantinha essa relação por interesse... Pouco depois me recuperei e com o máximo de naturalidade possível retirei minha mão. Ele voltou a colocar e novamente eu a retirei. 
Por último, no corredor, ele voltou a me assediar dizendo que não discutia qualquer trabalho ou de qualquer pessoa, que eu era promissora e etc etc etc...

Enfim, eu e minha amiga não denunciamos. Essa é a primeira vez que relato publicamente esses fatos. Não vou dizer o nome, mas sei que muitos do nosso meio já sabem. Dezenas de pessoas estavam presentes em todas as situações que mencionei e com certeza perceberam o que ocorreu. Ninguém veio apoiar-nos, dizer que já tinha passado por isso ou qualquer coisa parecida. Ninguém se aproximou para dar um toque nele, distraí-lo, constrangê-lo de alguma forma ou tentar interferir na situação que estava posta. Nenhuma pessoa, inclusive nenhum dos meus amigos, comentou conosco sobre o assunto, nenhum sequer genérico “a gente percebeu”. Percebi que em alguns momentos amigos e conhecidos notavam o que se passava, mas ninguém se aproximou em nenhuma das situações.

Ainda continuo perplexa. No entanto, não consegui separar o professor e militante fantástico do cara nojento que usou das relações de poder que comumente se estabelecem entres professoras/es e alunas/os para obter êxito em suas investidas. E debato-me por não conseguir deixar de admirá-lo. Envergonho-me, assim, perante mim mesma e minhas manas feministas. Por isso agradeço às mulheres firmes que se colocaram contra tudo isso e denunciaram seus agressores ilustres, algumas com as quais tenho o prazer de conviver. Meu feminismo é para as mulheres e agradeço a vocês, que me ajudam a tensionar esses sentimentos contraditórios e minha postura diante dessas situações. Laís Maia
O relato de Laís reflete a realidade de muitas universitárias, mestrandas ou doutorandas. Eu mesma, enquanto era universitária, fui assediada em várias ocasiões por meus mestres. E olhem que eu já era casada e estava na casa dos trinta. Dentre as minhas colegas de cursos e de faculdade a realidade era a mesma. O que ocorre na academia é mais um reflexo do que acontece na rua e em outras instituições. O assédio sistemático ocorre porque os homens acreditam que tem superioridade ou poder sobre as mulheres e fazem questão de usar esse suposto poder para nos subjugar e impor suas vontades. Nada mais deprimente que usar esse tipo de ardil para “conquistar” uma mulher. Pena de homem que só tem a hierarquia como arma de sedução.


*Ildelber  Avelar - professor brasileiro de literatura na Universidade de Nova Orleans, nos EUA.
 
“Na última semana[...] Idelber Avelar passou a receber acusações de assédio sexual em uma página na internet. O site trazia reproduções de conversas do acadêmico com mulheres comprometidas pelo Facebook, em que era possível ver fotos do seu pênis e outras cantadas do professor. O professor repudiou as acusações através de uma publicação em sua página pessoal. Idelber conversava como ‘amansar os cornos’ dos maridos das mulheres e dizia que ‘sabia que tinha deixado você no cio’. Junto com as reproduções, as mulheres colocavam relatos pessoais sobre como Idelber se aproximou delas e suas abordagens. G1.


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