Diante de uma dezena de casos de estupros, inclusive
coletivos e cometidos por policiais, sendo noticiados em rede nacional ou
repercutindo nas redes sociais, mas não deixando de lado as 06 vítimas de
estupro que ocorrem a cada hora e, menos ainda deixando de levar em
consideração o triplo de casos que ocorrem sem que as vítimas procurem a
polícia pra denunciar, me deixa estupefata um rapaz, que se reivindica
escritor, expor numa página pessoal argumentos que tentam justificar o estupro
e vitimizar estupradores.
Como não bastasse uma cultura que culpabiliza a vítima
ainda surge nesse cenário um indivíduo, um inocente útil ou mal intencionado
mesmo (estou sendo bem generosa nos adjetivos atribuídos a ele) estimulando a
cultura do estupro. Vejam só em que cenário essa pessoa tenta relativizar o
estupro.
“A polícia tenta
identificar um grupo de homens suspeitos de estuprar uma adolescente, na
sexta-feira (1) à noite, em Bauru (SP). Dois que participaram do crime estão presos. De acordo com
informações da polícia, a jovem de 17 anos se divertia na festa de aniversário
da cidade, no Parque Vitória Régia.Foi quando encontrou um vizinho, antigo
colega de escola, que ofereceu carona a ela para voltar pra casa. O carro
estaria estacionado em uma rua a dois quarteirões da festa. Ao chegar ao local
onde o veículo estava a adolescente foi apresentada a outros rapazes, cerca de
dez jovens. Ainda segundo a polícia, ela foi obrigada a ingerir bebida
alcoólica e depois arrastada para um terreno baldio, onde foi estuprada.
Deixada no meio do mato, a vítima pediu ajuda para pessoas que passavam na rua.
A polícia foi chamada e dois suspeitos foram presos, um de 19 e outro de 22
anos. A jovem reconheceu os dois.” G1.
“Quatro policiais
militares da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Jacarezinho, na zona
norte do Rio de Janeiro, foram presos em flagrante após serem reconhecidos por
três supostas vítimas de estupro coletivo, entre elas uma adolescente de 16
anos. Outros dois policiais da mesma equipe, apesar de não terem sido
reconhecidos pelas mulheres, ficarão presos administrativamente para não
atrapalharem as investigações, que são feitas pelo 25º Distrito Policial. Os
quatro policiais detidos em flagrante na noite de ontem ficarão no Batalhão
Especial Prisional.” Band.com.br.
Então, um sujeito vomita os
insultos que aparecem na imagem abaixo.
Não me surpreenderia se
encontrasse quem desse alguma razão a essa pessoa. Pois é, isso
ocorreu! Um garoto postou um comentário com o seguinte trecho:
“Ele não parece tentar inverter os
papeis e tratar mulher como culpada nesse caso em particular, porém trata
estuprador como um doente que necessita de ajuda. Detalhe, estuprador
patológicos também estupram homens de maneira bem corriqueira.”
Claro que seu comentário não
ficaria sem resposta
“Bom, é extremamente desonesto citar estupradores como doentes. Só pode
ser considerado doente mental um indivíduo que é incapaz de reconhecer ou
entender o caráter da sua conduta, se certo ou errado, ou seja, não tem noção
da gravidade do seu ato. Há estupradores nessas condições? Sim. Mas a grande
MAIORIA não tem patologia alguma, e considerar que a doença seria um argumento
válido pra justificar a reflexão absurda desse cidadão, é apagar a história de
milhares de mulheres que são estupradas por seus pais, tios, irmãos, amigos, ou
seja, pessoas próximas em geral e completamente sadios. E essa grande maioria
tem sim plena consciência dos seus atos, de que é errado e inescrupuloso. E
justamente por terem essa consciência usam de todas as artimanhas para
ocultarem seus crimes. E sabe que porque os abusos acontecem? Porque estamos
TODOS inseridos em uma cultura imersa num sistema de opressão estrutural, o
patriarcado, que dá aval para que esses homens estuprem e, não raro, nem mesmo
saibam que estão estuprando. Esse aval é fornecido através da socialização
masculina, que ensina aos homens que é normal que mulheres os sirvam
sexualmente, que eles têm sim direito sobre nossos corpos. E não obstante, caso
o sexo não seja consentido (o que o homem entende ser seu pleno direito) ele é
obtido à força e a culpa é nossa pelo sexo forçado. É normal pra um cara ter
uma postura incisiva quando quer ficar com uma mulher, até mesmo beijá-la à
força (coerção). Para um homem, assediar uma mulher na rua, no ônibus ou metrô
e dizer que isso é elogio é extremamente natural, postura de macho. É normal um
cara insistir que a namorada/esposa faça sexo com ele, mesmo ela claramente não
estando afim. E, lamentavelmente, a imensa maioria dos homens sequer sabe que o
sexo forçado em qualquer circunstância, com a esposa, namorada ou quem quer que
seja é caracterizado como estupro. Mas, tudo isso que eu citei provém dessa socialização.
E qual seria o aval que a sociedade dá aos homens para estuprarem? É dizer que "sim,
é normal", "homens são assim mesmo", "homens têm
instinto", e homens contam com a solidariedade de outros homens e com a
impunidade para seguirem estuprando. Ou seja, homens crescem imersos numa
cultura que legitima o estupro. Diferentemente da pífia reflexão que fez o
sujeito, estupro não tem a ver com o prazer sexual, na maioria dos casos, mas sim
com uma relação de PODER. Será que as indianas sofrem gang rape (estupros
coletivos) porque os machos de lá tão desesperados por sexo? Ou então porque são
doentes mentais? Os assédios de rua aconteceriam porque tem homem excitado
demais? Não. Né?
Não
é difícil nos deparamos com esse tipo de discurso, travestido de “reflexão”,
que revela a necessidade que MUITO homem tem de banalizar estupro, justamente
por causa das diferentes socializações que ambos os gêneros recebem. Como disse
uma garota, pra gente isso tudo é uma ‘realidade com a qual somos obrigadas a
conviver e aceitar’, enquanto pra muitos dos homens é apenas uma reflexão,
podendo até virar motivo de piada em rede nacional, por exemplo.
Vamos
só analisar a foto que ele postou! É do filme Irreversível,
que exibe a famosa cena de estupro que tem mais de 10 minutos de duração. Foi o
filme mais violento que já vi até hoje, fiquei muito mal e tenho certeza que
muitas outras mulheres também ficaram. O estuprador desse filme, assim como os
da vida real, é tudo menos uma pessoa que procura por "sexo" e muito
menos é doente mental. Ou seja, o escroto não se deu nem o trabalho de juntar A
+ B, a própria referência de imagem que ele usou contradiz toda a merda que ele
diz”. Bárbara Lins, estudante
Brasiliense.
Enfim,
concordo com Bárbara, também compreendo que alguns estupradores são doentes sim
e que precisam de tratamento. E em muitos casos o melhor tratamento é
castração. No entanto, é extremamente irresponsável usar os eventos isolados
para tentar relativizar a influência da coisificação da mulher, da impunidade,
da tolerância da sociedade na ocorrência desse tipo de crime. Insisto, o
estupro tem haver com a relação de poder que está estabelecida entre homens e
mulheres. Tem haver com a cultura da exacerbação da sexualidade masculina.
Enfim, tem tudo a ver com a cultura machista e patriarcal.
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