domingo, 2 de fevereiro de 2014

Em carta Dylan Farrow acusa Woody Allen de abuso sexual

Woody Allen






Hoje me surpreendi com a carta aberta de Dylan Farrow, filha adotiva de Woody Allen e Mia Farrow, primeiramente, no New York Times. Quase 22 anos depois de acusar o padrasto pela primeira vez de abuso sexual, Dylan volta a falar sobre os abusos. 

A primeira vez que notícia sobre violência sexual contra a filha adotiva veio à tona foi durante a separação do casal Mia e Allen. A separação foi motivada pela descoberta da relação extraconjugal entre Allen e sua filha adotiva, Soon-Yi Previn, de 19 anos.


Na ocasião, Mia também acusou o diretor de abuso sexual (ela encontrou fotos da filha nua no apartamento do marido). Allen, apesar de não ser condenado, perdeu a guarda dos filhos e passou a viver com a Soon Yi, então com 19 anos. Especulou-se na época que o romance teria começado quando a menina tinha 13 anos, o que configuraria o crime, jamais provado, de pedofilia. O segundo suposto abuso, contra Dylan Farrow, foi divulgado em 1993, mas o cineasta sempre negou a denúncia. A acusação acabou sendo retirada, por isso ele nunca foi julgado. Após guardar silêncio durante anos, Dylan Farrow divulga a carta, depois que seu irmão, Ronan, criticou o tributo ao cineasta no Globo de Ouro.” G1

Essa parece ser uma notícia de causar espanto, e o é. Apesar disso, são muito comuns os abusos dentro de casa e praticados por parentes. Lamentavelmente, como normalmente não há penetração ou rompimento do hímen esses casos não são encarados como violência sexual.  

A violência sexual é o segundo tipo de violência mais comum contra crianças de zero a nove anos. Com 35% das notificações, ela está atrás apenas da negligência e abandono (36%). Os números preliminares fazem parte de um levantamento inédito divulgado nesta terça-feira pelo Ministério da Saúde, com base em dados do sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA). De acordo com o VIVA, em 2011 foram registradas 14.625 notificações de violência doméstica, sexual, física e outras agressões contra crianças menores de dez anos. De acordo com o VIVA, a violência sexual é também a segunda agressão mais cometida contra adolescentes de 10 a 14 anos, representando 10,5% das notificações – atrás apenas da violência física (13,3%). Entre os jovens de 15 e 19 anos, essa agressão ocupa o terceiro lugar (5,2%), atrás da violência física (28,3%) e da psicológica (7,6%). Do total de registros, 22% são relacionados a crianças com menos de um ano de idade e 77% envolveram crianças entre um e nove anos. A maior parte das agressões ocorreu na residência da criança (64,5%), e entre as agressões corporais, o espancamento foi o mais frequente (22,2%), atingindo mais meninos (23%). Grande parte dos agressores são pais e outros familiares, ou alguém do convívio muito próximo da criança e do adolescente, como amigos e vizinhos.” Veja.

Eu faço parte dessas estatísticas, tanto fui vítima de violência sexual, quanto física e psicológica. E assim como Mia, não tinha ideia do que ocorria realmente comigo. Fui espancada pelos meus avós e tios durante toda infância e adolescência, minha avó também em agredia psicologicamente. Quanto ao abuso sexual (postagem do dia 11 de setembro do ano passado) foi cometido pelo irmão de uma professora e na sua casa, tinha perto de 7 anos, e ocorreu a entrar correndo a procura sua. Numa das salas encontrei seu irmão, ele me chamou e logo que me aproximei ele me agarrou por trás. Penso que ele me atacou na hora que virei ás costas pra ir embora. Não sei bem ao certo, mas imagino que ele pôs o pênis pra fora e ficou roçando nas minhas costas enquanto passava as mãos pelo meu corpo. Fiquei em pânico, foi uma experiência muito ruim. Lembro que chegou alguém e que ele imediatamente me largou. Sai correndo desesperada pra casa, senti um medo fora do comum. Não tenho recordações de como se processaram os dias seguintes ao assédio, recordo bem que me recusei a continuar frequentando às aulas e que me sentia muito culpada, quase cúmplice do meu agressor. Durante um bom tempo esqueci esse episódio, somente depois de encontrar a sobrinha dele, anos atrás, veio a minha cabeça um filme daquele homem roçando a barba no meu pescoço e o esfrega-esfrega dele em meu corpo. Acredito que foi depois desse abuso que passei a sentir nojo de homem de barba.

Os sentimentos que nos invadem depois do abuso é realmente culpa, além de medo e dúvidas. Se há uma relação boa entre a criança e algum dos seus familiares existe uma boa chance da dela comentar sobre o abuso e tirar suas dúvidas ou pedir socorro, do contrário a criança se fechará no silêncio e nesse caso os abusos ocorrerão de acordo com a vontade do agressor. O relato de Dylan, hoje com 28 anos, é bem contundente, ele revela o lado obscuro do abuso e a dificuldade que as vítimas têm de lidar com a “culpa”.  

Dylan Farrow
“Qual é o seu filme favorito do Woody Allen? Antes de responder saiba que: quando eu tinha sete anos, Woody Allen me levou pela mão a um sótão escuro, como um closet, no segundo andar de nossa casa. Ele me mandou deitar de bruços e brincar com o trem elétrico do meu irmão. Então ele me agrediu sexualmente. Ele falava comigo durante o abuso, sussurrando que eu era uma boa garota, que aquele seria o nosso segredo, prometendo-me que iríamos a Paris e que eu seria uma estrela em seus filmes. Eu lembro que olhava para o trem de brinquedo, observando as voltas que ele dava no sótão. Desde aquele dia eu não gosto de olhar para trens de brinquedo. Desde que eu me lembre, meu pai fazia coisas comigo que eu não gostava. Eu não gostava de como muitas vezes ele me levava para longe da minha mãe, irmãos e amigos para ficarmos sozinhos. Eu não gostava quando ele enfiava seu dedão em minha boca. Eu não gostava quando tinha que ficar debaixo dos lençóis com ele só de cueca. Eu não gostava quando ele colocava sua cabeça em meu colo com aquela respiração pesada. Eu me escondia debaixo das camas ou dentro do banheiro para evitar me encontrar com ele, mas ele sempre me achava. Essas coisas aconteceram tão frequentemente e tão bem escondidas de minha mãe, que teria me protegido se soubesse o que acontecia, que eu comecei a pensar que era tudo normal. Eu pensei que aquele, era só mais um jeito carinhoso que os pais tratavam suas filhas. Mas aquilo não era jeito de pai tratar filha de forma alguma. Eu não conseguia mais guardar segredo. Quando eu perguntei a minha mãe se o pai dela fazia aquelas coisas que Woody Allen fazia comigo, eu sinceramente não sabia a resposta. Eu também não sabia a tempestade que aquela pergunta causaria. Eu não sabia que meu pai usaria a relação sexual dele com minha irmã para encobertar o abuso que ele cometeu. Eu não sabia que ele acusaria minha mãe de fazer minha cabeça e chamá-la de mentirosa por me defender. Eu não sabia que me obrigariam a contar e recontar a minha história indefinidas vezes para incontáveis médicos, para verem se eu admitiria que estava mentido, por causa de uma batalha judicial que eu nunca poderia entender. Havia médicos dispostos a confundir a cabeça de uma criança abusada sexualmente. A certo ponto, minha mãe me sentou e disse que não haveria problema se eu estivesse mentido – eu podia voltar atrás. Não, eu não podia. Tudo o que eu dissera era verdade. Mas denúncias de abuso sexual contra os poderosos desandam mais facilmente.* Depois de meu pai ter os direitos de visitação negados em uma audiência, minha mãe recusou continuar uma batalha judicial, apesar da causa ser provável segundo o Estado de Connecticut, devido à, nas palavras do procurador “fragilidade da vítima”. Woody Allen nunca foi condenado por nenhum crime. O fato dele ter se safado e simplesmente ido embora depois de tudo me atormentou enquanto eu crescia. Eu estava magoada, com culpa de que o deixei livre, para abusar de outras garotas. Eu tinha horror de ser tocada por um homem. Eu tive distúrbio alimentar. Comecei a me cortar. O terror piorou por causa de Hollywood. Todos, menos algumas poucas pessoas (meus heróis) simplesmente fecharam os olhos para o que aconteceu. Muitos acharam mais fácil relevar, aceitar a ambiguidade “quem pode dizer o que realmente aconteceu, hein?” e fingir que estava tudo certo. Atores o elogiam em cerimônias de premiações. Outros o levam para a TV. Críticos colocam-no em revistas. Toda vez que eu via a cara do meu agressor – em um cartaz, em uma camisa, na TV – A única coisa que eu consegui fazer era esconder o meu pânico até achar um lugar em que estivesse sozinha e desmoronar completamente. Semana passada, Woody Allen foi indicado para mais um Oscar. Mas dessa vez, eu me recuso a me esconder. Por muito tempo, o culto a Woody Allen me silenciou. Eu mesma me repreendia, os prêmios e elogios eram uma forma de me calar e cair fora. Mas todos os sobreviventes de abuso sexual que me estenderam a mão – ao me ajudar, e compartilhar seus medos sobre o futuro, de serem chamados de mentirosos, de dizerem que suas memórias não são verdadeiras, que foi tudo um engano – me deu uma razão para quebrar o silêncio, para que outros saibam que não devem se silenciar também. Hoje, eu me considero uma pessoa de sorte. Estou muito feliz casada. Tenho a ajuda dos meus maravilhosos irmãos e irmãs. Eu tenho uma mãe que encontrou dentro de si uma força incrível que nos salvou do caos que um predador trouxe para dentro de casa. Mas muitos ainda estão por aí, assustados, vulneráveis, tentando encontrar a coragem para dizer a verdade. A mensagem que hollywood passa os afeta. E se fosse sua filha Cate Blanchet? Louis CK? Alec Baldwin? E se tivesse sido você Emma Stone? Ou você, Scarlett Johansson? Você me conheceu quando eu era criança Diane Keaton. Você nunca lembra de mim? Woody Allen é a prova viva de que nossa sociedade não liga para as vítimas de abuso e agressão sexual. Então, agora imagine sua filha de 7 anos sendo levada para um sótão pelo Woody Allen. Imagine ela passar uma vida inteira tendo náuseas só de ouvir o nome dele. Imagine um mundo que celebra o tormento dela. Imaginou? Agora, qual é o seu filme favorito do Woody Allen?" Palavra Inteira.
 

1 comentário:

N. Rodrigues disse...

Eu li essa carta ontem e fiquei tão, mais tão aborrecida. E ainda tem quem diga? mas e se ela estiver mentindo? Pelo amor de deus, minha gente: leia a bendita carta que explica tudo. Como, onde, e quantas vezes aconteceu. Porque a denúncia foi retirada na época, porque ela voltou a tocar no assunto após todo esse tempo... LEIAM. Antes de duvidar. Ninguém acorda um dia e decide inventar essas coisas contra o seu próprio pai e sofrer o estigma de abusada na infância e mentirosa na fase adulta por nada. Se alguém decide abrir a boca, as chances de que tenha acontecido são bem, mas bem mesmo, maiores do que as de que não seja verdade.

Muita força para essa jovem mulher.

Obrigada por postar, querida Ana.