A entrada
do Brasil na Segunda Guerra Mundial representou um marco na vida do povo
fortalezense. No início do conflito o Brasil preferiu manter-se neutro,
entretanto, viu-se obrigado a tomar partido depois de alguns ataques a navios
brasileiros. Getúlio Vargas optou por lutar ao lado dos EUA, Inglaterra e
França, ou seja, compondo o núcleo dos aliados. A partir de um acordo entre o governo
brasileiro e Washington, em 1942, foram instaladas aqui em Fortaleza um
aeroporto e bases norte-americanas. Em 1941, exatamente onde hoje se encontra a
Universidade Federal do Ceará (UFC), foi iniciada a construção da base do Pici.
O aeroporto de Cocorote, derivado da expressão em inglês “The Coco route”, ou a
rota do rio Cocó, teve sua construção iniciada em 1943, em 13 de maio de 1952
passou a chamar-se de Aeroporto Internacional Pintos Martins. Estima-se que do
início de 1943 até 1946 tenham passado pela capital cearense 50 mil militares
norte-americanos.
A
permanência das tropas ianques em terras tupiniquins foi responsável por uma
mudança significativa no modo de vida do povo fortalezense e de outros por onde
passaram. Segundo as más línguas, o American
way of life trazido pelos militares e exibido através das películas
hollywoodianas, associado à beleza dos norte-americanos, facilmente comparável
a dos ídolos do cinema, foram responsáveis pela propagação do “americanismo
paganizante”, das “condutas chocantes” e dos “namoros indecorosos”. Apesar da
presença das tropas estrangeiras e o cinema terem influenciado toda a sociedade
e mudado seus hábitos e costumes, seja através da assimilação da língua, no
aumento do consumo de produtos importados ou na reprodução dos comportamentos
exibidos nas telas, a mulher surge como a maior vítima da influência “maléfica”
do modernismo trazido pelo estilo de vida americano e protagonista de “graves
agressões aos bons costumes e a boa moral” dos seus habitantes.
Na década
de 1940, sendo a mulher considerada responsável por um dos pilares de
sustentação da sociedade, a família, sua conduta deveria ser irrepreensível e
acima de qualquer suspeita, ou seja, sua moral ilibada. De certa forma, isso
implicaria em extrema fragilidade, honra, amorosidade, submissão em relação ao
homem e dedicação exclusiva vida doméstica. A presença dos militares e o cinema
abalaram completamente essas premissas e fizeram surgir o que ficou conhecido
como mulher “Coca-Cola”. O termo que para época era pejorativo, designava
mulheres que, assim como a bebida, eram usadas pelos americanos e jogadas fora.
Receberam essa alcunha as garotas que se envolveram com os militares
norte-americanos ou frequentaram as festinhas promovidas por eles, algumas
delas realizadas no U.S.O. (United States
Organization), clube onde os ianques se reuniam, consumiam a bebida e
distribuíam às suas convidadas. Exatamente por poderem ingerirem a bebida,
novidade trazida pelas tropas, é que receberam esse apelido. Atualmente o U.S.O
é chamado de Estoril.
As mulheres “Coca-Colas” quebraram paradigmas
ao ousarem desafiar a moral da época. Contrariando o que pregava o manual dos
bons costumes, que na época rezava que moça de família não poderia sequer andar
de mãos dadas ou sozinha na companhia de um homem, elas se deixaram seduzir
pelas belezas e porte físico dos desconhecidos visitantes (americanismo paganizantes),
namoravam á noite sobre as areias (namoros indecorosos) da praia de Iracema,
entravam abraçadas nos cinemas e sorveterias (condutas chocantes), lançaram
modas e terminologias, além de adotarem muitas gírias. É lógico que esse comportamento vanguardista
não poderia sair impune, elas pagaram um preço bem alto por suas transgressões,
tanto é que muitas delas tiveram seus nomes circulando em listas como namoradas
de americanos, no que poderíamos considerar uma espécie rudimentar de pornografia de revanche, é lógico que mantidas as
devidas proporções. No entanto, tal como ocorre atualmente com as vítimas da
pornografia de revanche, algumas dessas mulheres tiveram de mudar-se do Estado
para poderem arranjar um casamento, já que eram repudiadas pelos garotos que as
conheciam e suas respectivas famílias. Além disso, esse apelido ainda hoje é usado
para se referirem a elas e ainda sugere uma espécie de estigma, já que as “Coca-Colas”
se fecharam num silêncio que mantêm até hoje, quase 60 anos depois, quando o
assunto envolve as transgressões. Apesar de terem sido mal
faladas, segundo consta, essas não eram as mulheres “usadas” pelos americanos, já
que eram moças de famílias tradicionais que pertenciam a sociedade
fortalezense.
As
mulheres que realmente foram violadas, usadas e jogadas à prostituição foram a
mulheres pobres. Sobre elas a alcunha de “Coca-Cola” não teve o mesmo peso. De fato,
o que pesou sobre elas foi a possibilidade de fugir da pobreza arranjando um
casamento com um desses rapazes ou o dinheiro que eles lhes davam em troca de
favores sexuais.
Naturalmente,
as “Coca-colas” foram responsáveis pela derrubada de tabus e quebra de paradigmas.
Elas incitaram o rompimento com um sistema de opressão que engessava as moças
da década de 40 num sistema de extrema dominação e subserviência. Apesar das
motivações das transgressões terem sido o “American way of life” e a beleza
norte-americana, ambos propositadamente usados para seduzir e conquistar
aliados, essas mulheres desafiaram a cultura extremamente machista e
provinciana e conseguiram conquistar um pouco mais de liberdade, importante
passo para que suas sucessoras continuassem conquistando cada vez mais espaço num
mundo de domínio exclusivamente masculino. Esse comportamento transgressor suscitou
descontentamento, mas também questionamentos, inquietação, e, principalmente,
novas maneiras de pensar o cotidiano das moças, os espaços de atuação feminina,
as formas de se relacionar com elas, como também os locais e as formas de
recreação da época. Em suma, as “Coca-Colas” abalaram um sistema de extremo
conservadorismo e promoveram severa perturbação na estrutura social da cidade,
marcando definitivamente uma época.
1 comentário:
E viva nossas precursoras!!!
Imaginemos um sistema atuando até hoje, se não fossem as lutas de frente dessas guerreiras ousadas?
O maldito vínculo publicitário, ainda perdura em nossa sociedade! É oportuno e rentável, manter os estereótipos não?
Parabéns, Amélia é a Mãe! Boa matéria!!!!
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