domingo, 9 de fevereiro de 2014

Beleza, padrão que aprisiona






Não é mole despertar com olheiras, bolsas nos olhos, cabelos desgrenhados e toda inchada. Normalmente desperto cansada por conta do meu problema respiratório. Quando não estou nos meus melhores dias acordo me sentindo gorda, feia, desinteressante, um lixo. Ligo a TV para ver o jornal da manhã e vejo a Christiane Pelajo aparecer linda, descansada, sorridente e impecavelmente maquiada. Então, vou até o espelho dar uma rápida arrumada no visual para pelo menos parecer aceitável e sinto uma vontade básica de cortar os pulsos – sim, o jornal, até esse me oprime com suas jornalistas primorosamente selecionadas – logo pela manhã. Enquanto vou de um lado para outro vou simultaneamente passando pelos espelhos espalhados pela casa e assistindo ao desfile de mulheres excepcionais na TV, principalmente durante os comerciais. 

E me pergunto; O que tem haver mulheres anoréxicas com comerciais de refrigerantes e cerveja? Eu, simples mortal, tenho de fazer o maior malabarismo para manter minimamente os meus 60 kg distribuídos nos meus longos 160 cm de altura, tomando no máximo 1/3 de copo de refrigerante uma vez ao dia e sem consumo de nenhuma bebida alcoólica. Aí, querem me convencer que aquelas criaturas, que de tão magras tem-se a sensação de sequer terem rompido a puberdade, tomam cerveja, refrigerante e até comem chocolate. Coisa nenhuma, essas mulheres se alimentam de luz e brisa.



Para diminuir a angústia só me resta mudar de emissora. Procuro insistentemente um canal que não reforce a minha vontade de me “homicidar” ou aspirar 200 litros de gordura, esticar 100 cm de pele, remover ½ kg de osso do nariz, levantar a pálpebra, colocar 20 litros de silicone e tomar toneladas de anabolizantes. Quandoe encontro um canal de decoração que mostra reformas inacreditáveis e que deixam as casas lindas. Enquanto termino o café vou realinhando meus sentimentos e reconstituindo minha autoimagem, até que termina o programa de decoração e começa a veiculação das atrações tipo “10 anos mais jovens”. Ai fudeu de vez! Minha autoestima vai parar no ralo novamente. 


Decido desconectar, vou cuidar dos afazeres domésticos para logo em seguida ligar o computador e fazer a versão “remunerada” do meu trabalho. Como parte dele depende da observação das notícias do dia, vou dando uma “folheada” nos sites a procura das informações que me interessam. Enquanto faço isso, vou sendo bombardeada com fotos de mulheres – vai ficar chato repetir, mas vou insistir – lindíssimas e fora do comum. Preciso dizer que acabo voltando a me sentir um lixo? 
 
E não é que, oportunamente, aparecem milhares de propagandas exibindo uma gama de produtos de beleza, centenas deles prometendo secar a barriga em um mês, outras centenas prometendo acabar com a acne, gordura localizada, rugas, celulite, cabelos brancos e o Frizz (seja essa droga o que for)... Então, penso; onde vou arrumar dinheiro pra comprar todos eles e ainda reconstruir cada porção incomoda do meu corpo? Já sei, vou ganhar na Mega-Sena, aí me dou conta de um detalhe, essa porra além da dificuldade de acertar os números ainda hà possibilidade dos resultados serem manipulados. Existem formas mais fáceis de arrumar dinheiro; tipo sendo barriga de aluguel. Entretanto, como barriga de aluguel eu embarangaria mais ainda. E eis que aparece uma solução bem interessante; vender um rim... Se eu, feminista, esclarecida, crítica, no auto dos meus 40 anos, entro num parafuso como este, imagine as adolescentes ou as jovens que não se enquadram no padrão, ou que até se enquadram, mas têm problemas de auto percepção.

Então, no ápice da minha crise de auto percepção, depois de descer até o fundo poço me deparo com as notícias sobre as inúmeras violações aos direitos humanos, os casos de corrupção, as notícias sobre cirurgias plásticas que deram errado, percebo que o mundo é infinitamente maior que meu umbigo ou vai além do que minha visão pode alcançar. O trabalho por fim me absorve e quando me dou conta estou cheia de energia e com uma vontade louca de gritar contra toda forma de opressão da qual somos vítimas, inclusive a da “beleza”. Porque afinal, o objetivo do bombardeio é justamente esse, nos vender ilusões na forma dos milagrosos produtos e procedimentos de beleza que mais nos aprisionam do que nos satisfazem.  E então, retorno ao espelho e vejo quem sou. Sou uma mulher cheia de história, de capacidades, de qualidades... Vejo uma mulher bonita, bonita de verdade, sem truques, cheia de detalhes que me tornam única. 
 
Sinto o tempo se expressando em mim, as linhas de expressão estão surgindo e percebo que esta cada vez mais difícil manter o peso, mas isso é processo, faz parte do envelhecer e que bom que isto está acontecendo, pois é sinal de que vivi bastante e pude experimentar muita coisa. Sei, e percebo, que estou sim envelhecendo, mas estou fazendo isso com sabedoria, sem me sentir aprisionada no passado e muito menos sentir a necessidade de exibir um corpo, um rosto que não refletem quem eu sou. Mas, sobretudo, tendo a compreensão de que beleza é um dos conceitos mais subjetivos que existem. Todos somos bonitos, cada um a sua maneira.

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