Lamentavelmente,
ainda tem homem que se sente no direito de sair passando a mão nas mulheres que
encontram na rua, como se elas fossem meras mercadorias que estão expostas para
serem avaliadas ao tato. Não se contentam só em olhar e soltar piadinhas, têm
de porem as mãos e tatear. E ainda temos de nos darmos por satisfeitas por
termos sido agredidas na nossa intimidade, caso contrário, ante qualquer reação
corremos o risco de sermos agredidas. Foi o que aconteceu com quatro garotas
que foram agredidas no terminal de ônibus de Sacomã, zona sul de São Paulo.
As garotas
desciam as escadas rolantes quando uma delas teve suas nádegas apalpadas por um
homem que se encontrava atrás delas. Após reclamarem do assédio, dizendo a
atitude teria sido uma falta de respeito, duas delas acabaram sendo agredidas a
socos. As garotas afirmam que a violência foi praticada após o agressor ter
percebido que elas eram lésbicas. Antes dos espancamentos ele as insultou com
xingamentos homofóbicos. Testemunhas afirmam que a agressão partiu primeiro de
José Luciano Barbosa, de 26 anos, e que ele teria sido bastante violento com as
garotas. O caso foi parar na delegacia. Folha.
Esse
é um caso emblemático, envolve dupla opressão, por ser mulher e lésbica, pior
ainda se for negra e gorda, ou, de alguma forma não atender ao padrão estético vigente.
Eu mesma já tive de discutir na rua por conta desse tipo de agressão e o pior
dessa discussão é que a gente sempre perde. Primeiro que nossa sanidade mental
é questionada, somos acusadas de loucas. Suspeito que seja resquício do tempo em
que as questões sexuais femininas eram tratadas como histeria, ai Mister Freud
explica. Ainda tem o lance do cara nos apalpar e se defender nos acusando de
mal amada, dizendo que se fosse apalpar alguém não seria uma mulher feia... Segundo
que se ninguém viu o cara DELIBERADAMENTE passar a mão, que fique na conta do esbarrão,
do foi sem querer.
Óbvio
que é muito constrangedor ser apalpada por estranhos na rua, mas enfrentar as
discussões, os olhares desconfiados ou até mesmo o julgamento público, é tão
constrangedor quanto. Por isso muitas vezes não reagimos à agressão. Agora
imagina no caso de uma lésbica, como deve ser constrangedor ser acariciada por
um homem e ainda ouvir xingamentos homofóbicos. Pois é nesse cenário que muitos
homens se sentem à vontade para exercerem o poder de opressão e a suposta masculinidade.
Vamos
tentar entender essa questão. Nos mulheres também temos tesão, fazemos sexo,
gozamos, sentimos tudo igualzinho aos homens. E porque nós não estupramos, não saímos
nas ruas alisando os homens, não exibimos nossa genitália ou nos masturbamos em
público para um estranho? Por conta da cultura machista, que reprime a
sexualidade feminina e estimula a exacerbação da masculina. Não que seja adequado
que a mulher tenha sua sexualidade tão acentuada quanto à do homem. Mas esse movimento
vulnerabiliza a mulher, a deixa presa num esquema de opressão que tanto condena
suas práticas sexuais como a torna objeto de satisfação do desejo masculino.
Esse
assunto me faz lembrar Elza Soares cantando A Carne, quando ela bate nos peitos
e diz que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. A carne mais barata do mercado é a carne da
mulher negra e pobre. Todas nós mulheres, brancas e negras, formamos um
aglutinado de carne barata. Somos nacos suculentos de carne passeando pelas
vias públicas, nos expondo em vitrines virtuais, logo ao alcance do toque, sem
chance de reclamar os olhares desejosos, as cantadas ou tampouco os indesejados
toques indiscretos. Somos meros objetos que reclamamos sem sucesso o direito a
autonomia e a inviolabilidade.
Não são
os instintos, é a cultura, é o patriarcalismo, é o machismo, é a coisificação
da mulher que estimulam a violação ao corpo feminino. É a permissividade da
sociedade que estimula a cultura da tolerância com o estupro ou a outra
qualquer violação ao corpo da mulher. É a busca que sempre se faz no sentido de
culpar a vítima da agressão e a impunidade que estimula esse tipo de crime. É também
a minha recusa, enquanto mulher, a ser solidária com outra numa situação de
abuso que estimula a permissividade. É a tendência de achar que “mulher tem de
se dar ao respeito” que legitima a violência sexual. Pra que fique claro, se dar
ao respeito, é antes de tudo respeitar a si mesma, é respeitar os próprios sentimentos,
próprios desejos, necessidades... Enfim, é olhar pra si mesma e se reconhecer
como ser autônomo. Então, se dar ao respeito é usar o que estiver afim,
independente do que vão achar, é fazer diferente porque esta afim sem se
importar com o que vão falar. “Se dar ao respeito” é ser autêntico, é ser
verdadeiro. "Se dar ao respeito" é se permitir gozar, é fazer sexo somente com
quem e quando estiver afim. “Se dar ao respeito” é ser trans, lésbica, gay, hétero,
travesti... é ser plural, é ser quem é sem medo de ser feliz. “Se dar ao
respeito” não pode, em hipótese alguma, ser viver em função de conceitos
machista de uma sociedade doente, nem tampouco oprimir os outros por conta dos próprios
medos.
Fotos Galera do IF-Ce em homenagem a diversidade sexual.
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