quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Sandra: uma luz que o machismo não apagará




Finalmente encontrei tempo e estômago pra discorrer sobre o assassinato de uma companheira, Sandra Lúcia Fernandes, que foi morta covardemente a facadas por seu namorado, Marcos Aurélio Barbosa da Silva. Sandra era professora, feminista, militante ativa no Sindicato dos Profissionais de Ensino da Rede Oficial do Recife (Simpere), no Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e no Movimento Mulheres em Luta (MML). O assassino que diz não está arrependido do crime, não se comoveu sequer com a intervenção do filho de Sandra, Icauã Rodrigues, 8 anos, que tentou evitar a tragédia e acabou sendo assassinado com o mesmo requinte de crueldade. 

Apesar de não conhecê-los, senti profundamente a perda, principalmente por ser ela uma companheira de causa e ser morta justamente por aquilo que combatemos, a cultura machista e o sistema patriarcal. Justificar um assassinato, "Fiz por ciúme", conforme fez Marcos Aurélio, escancara o terrível sistema de opressão do qual nós mulheres somos vítimas e a falência da sociedade em coibir os crimes por motivos torpes e que vitimam majoritariamente nós mulheres. Os assassinatos ocorreram em Olinda, na noite de domingo para segunda. O de Sandra irá figurar como mais um no interminável rol de feminicídios que matam diariamente dezenas de mulheres, em sua imensa maioria, meras anônimas. 

Como compreender que milhares de mulheres sejam mortas anualmente em decorrência de ciúmes? 

O ciúme, que muitas vezes é legitimado pela sociedade através da associação ao zelo, revela nada mais que o sentimento de posse, um dos pilares ideológico e material, além de instrumento de opressão e dominação, do sistema patriarcal. É justamente a partir desse sentimento de propriedade que se estabelecem essas relações de desigualdade, que oprime as mulheres, que a submetem a toda sorte de violência que culminam com os assassinatos. 

Sandra, como muitas outras mulheres, mesmo à sua revelia, foi colocada na condição de objeto e enquanto patrimônio não poderia decidir sobre o próprio corpo e vivência sexual. Portanto, ao ameaçar romper com uma relação abusiva ou se relacionar com outro homem desafiou gravemente a autoridade de Marcos – algo intolerável para o homem possessivo e ciumento, que normalmente entende que a se a mulher “NÃO PUDER SER SUA NÃO SERÁ DE MAIS NINGUÉM” – assim sendo, cumpriu-se as premissas; Sandra não será de nenhum outro homem e Marcos Aurélio exerceu ao máximo sua masculinidade, “lavou sua honra com sangue”. 


A história da Companheira Sandra repete com todas as vírgulas os roteiros de muitos outros assassinatos. Omitindo os nomes, endereços e datas esse assassinato conta a história de tantos outros milhares de feminicídios que têm em comum o ciúme como motivação. Não esquecer esse caso significa não esquecer e não se calar frente a todos os outros, inclusive os que caíram na obscuridade. Sua morte deverá servir para que sua luta e seu grito contra toda forma de opressão continuem ecoando intermitente na nossa sociedade e lembrando que o sistema patriarcal e a cultura machista matam; que interrompe sonhos; destrói famílias e deixa milhares de órfãos legítimos e os que reconhecem naquelas que partem um referencial, como no caso de Sandra. 

Já passou do tempo de romper com a cultura machista, com o sistema patriarcal e extirpar da nossa sociedade a violência contra a mulher e os feminicídos. Pra isso é imprescindível a ruptura com a cultura de coisificação da mulher e o combate à impunidade, mas sobretudo, o enfrentamento da opressão contra a mulher.

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