Seja literalmente ou ideologicamente, em todo o globo, continuamos sendo mutiladas
no nosso direito a sexualidade. Se em muitos países africanos a mutilação
ocorre a partir da extirpação do clitóris no restante dos países e em outros
continentes a mutilação ocorre ideologicamente, através da demonização do
prazer e masturbação femininos. Naturalmente, alguns vão dizer que extrapolei na
dose e errei a mão nesse comentário e que hoje o prazer feminino é estimulado,
que nós mulheres temos muita liberdade sexual, que não existe mais tabu com
relação à sexualidade e prazer femininos. MAS ISSO FUNCIONA MUITO BEM NA TEORIA,
porque na prática as mulheres continuam sendo barbaramente reprimidas em sua
sexualidade e o sexo ainda continua sendo usado como mecanismo de punição, seja
através da ideia de que estupro puni aquelas que ousam mostrar o corpo ou quando é usado como "mecanismo" de
“correção de lésbicas”. Para além da controle ideológico do tabu, mulheres são
mutiladas ainda na infância de forma que não possam experimentar o prazer
sexual.
De
acordo com a ONU, estima-se que mais de 120 milhões de mulheres não sentem prazer
durante a relação sexual. Além disso, muitas delas sofrem dores intensas
durante as relações sexuais em decorrência das Mutilações Genitais Femininas
(FGM), práticas que consiste mais frequentemente na excisão do clitóris.
“A prática está caindo
em desuso em quase todos os países, mas ainda está assustadoramente espalhada
pelo mundo, informou a Organização. Embora dados estatísticos seguros sejam
difíceis de obter, estima-se que mais de 125 milhões de meninas e mulheres
tenham sido mutiladas em 29 países na África e no Oriente Médio, onde a prática
prevalece e onde há dados disponíveis. Se as tendências atuais persistirem,
cerca de 86 milhões de meninas em todo o mundo estão sujeitas a sofrer a
prática até 2030. “Ásia, Europa, América do Norte e outras regiões não são
poupadas e devem estar igualmente vigilantes para com este problema”, destacou
Ban secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. ONU.
De
acordo com a Organização Mundial de Saúde :
"A Mutilação Genital
Feminina (ou excisão) engloba todas as intervenções cirúrgicas que consistem em
remover total ou parcialmente os órgãos genitais externos da mulher ou
causar-lhes outras lesões por razões culturais, religiosas ou não terapêuticas."
Nas áreas
rurais dos países onde ainda são realizam as excisões esses procedimentos são
realizados de forma bastante rudimentares e através de um processo extremamente
traumático; muitas meninas, até bebês com menos de 12 meses, têm as pernas e os
braços amarrados, em seguida, com o uso de giletes e outros objetos cortantes e
sem a correta higienização ou anestesia, as meninas sofrem as excisões. Alguns
desses procedimentos quando não levam à morte, provocam infecções que podem
perdurar por toda a vida. Nos casos de meninas de classe social elevada, em
áreas urbanas, o procedimento pode ser realizado com assistência médica, em
hospitais e ambulatórios.
A Mutilação
Genital Feminina pode normalmente é realiza segundo 4 modalidades.
FGM
de tipo 1, ou clitoridectomia, o clitóris é pinçado com os dedos, indicadores e
polegar, tracionado par pra fora e amputado.
FGM
de tipo 2, consiste em retirar não apenas o clitóris mas também os pequenos
lábios total ou parcialmente;
FGM
de tipo 3, ou infibulação, é a forma mais extrema e consiste na remoção do clitóris
e os lábios menores, juntamente com a superfície interior dos lábios maiores.
Os lábios maiores são unidos através de pontos ou espinhos/picos e as pernas
são atadas durante 2 a 6 semanas.
Nesse
procedimento, é deixada uma pequena abertura para permitir a passagem de urina
e sangue menstrual (tem normalmente 2-3 cm de diâmetro, mas pode chegar a ser
tão pequena como a cabeça de um fósforo).
Na
infibulação, além dos riscos de infecção, dores e infecções urinárias, também
há riscos durante o parto: de acordo com estudo da OMS (Organização Mundial da
Saúde), a mortalidade de bebês é 55% maior em mulheres que tiveram redução do
orifício vaginal. Em alguns casos, o que resta dos lábios vaginais é
costurado novamente pra assegurar o prazer do marido.
FGM
de tipo 4, nesta última categoria de FGM associado ao corte da vagina, realizado
geralmente com a utilização de um instrumento afiado, inclui-se ainda um
conjunto de práticas não enquadradas nos tipos anteriores, tais como a
cauterização por queima do clitóris e do tecido envolvente; raspagem do tecido
no entorno do orifício vaginal; indução de sangramento com o propósito de estreitar
o canal vaginal realizando a introdução de substâncias corrosivas ou ervas na
vagina.
A
mutilação genital feminina é mundialmente reconhecida como uma violação dos
direitos humanos. A circuncisão feminina é praticada em mais de 28 países
africanos, na cultura de alguns deles, tais como a Somália, Guiné-Bissau,
Djibuti e Egito, onde mais de 90% das meninas são circuncisadas, a prática é considerada
fundamental na preparação da mulher para a vida adulta e o casamento. A
mutilação é um dos mecanismos de controle da sexualidade feminina, imagina-se
que através dela se possa garantir a virgindade e a fidelidade, questões que
são altamente valorizadas em culturas machistas e patriarcais.
Atualmente,
de acordo com os novos dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) divulgados
recentemente, menos meninas são submetidas a excisão.
“Os dados mostram que a geração mais
jovem está menos vulnerável à MGF. Nos 29 países da África e do Oriente Médio,
onde a prática está concentrada, uma média de 36% das garotas com idade entre
15 e 19 anos foram mutiladas, comparadas com uma estimativa de 53% de mulheres
com idade entre 45 e 49 anos. O declínio é particularmente acentuado em alguns
países: no Quênia, por exemplo, as ocorrências de mutilação genital feminina em
mulheres de 45 a 49 anos são três vezes maiores que entre garotas de 15 a 19
anos. No total, ao menos 120 milhões de garotas e mulheres sofreram MGF/E
nestes 29 países. De acordo com as tendências atuais, cerca de 30 milhões de
garotas com menos de 15 anos ainda podem estar em situação de risco. “Este
progresso revela a possibilidade de acabar com a MGF/E”, disse o Diretor
Executivo do UNICEF, Anthony Lake. Desde 2008, quando o Programa Conjunto do
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e do
UNICEF para a MGF/E foi implantado, cerca de 10 mil comunidades em 15 países,
representando cerca de oito milhões de pessoas, renunciaram à prática. No ano
passado, 1.775 comunidades espalhadas por toda a África declararam publicamente
o compromisso em acabar com a MGF/E.” ONU.
No
Egito, onde o rito da mutilação genital atinge 90% da população feminina (vale
repetir), foi lançada uma campanha, que pretende erradicar do país a prática,
Dia Internacional da Tolerância Zero Contra a Mutilação Genital Feminina (ou
ablação). Em alusão a esse dia as egípcias se uniram para sensibilizar o país
sobre esse esquema machista que continua a ser praticado livremente sob a alegativas
dever religioso.
“O Centro Canal para Estudos de
Formação e Pesquisa é o responsável, junto com outras associações civis
egípcias, por esta campanha, que considera inconcebível que o Egito seja um dos
países com maior número de mutilações genitais no mundo [...] A Organização
Mundial da Saúde (OMS) declarou o dia 6 de fevereiro como o Dia Mundial da
Tolerância Zero contra a Mutilação Genital Feminina, por considerar essa
prática ‘nociva e uma violação dos direitos básicos das meninas e das mulheres’[...]
No Egito já há leis que penalizam a ablação, mas ‘isso não será útil até que se
consiga sensibilizar as pessoas que vivem arraigadas a essas crenças’, disse
Tareq Anis, presidente da Sociedade Pan-Árabe de Medicina Sexual e professor de
sexologia na Universidade do Cairo. Em junho de 2008, por causa da morte de uma
adolescente que sofreu complicações após ser submetida à mutilação genital, a
prática passou a ser crime previsto no Código Penal egípcio com penas de prisão
de três meses a dois anos de prisão, e multas de até US$ 800[...] Os dados
indicam que a prática começa a diminuir entre meninas e mulheres da nova
geração, mas os especialistas se queixam que o número continua sendo muito alto
e pedem que se sensibilize sobre esta prática cultural, e não religiosa,
advertem. ‘Ainda há gente que pensa que isto é algo religioso e não é assim, é
questão de cultura e de tradição. No Egito é praticada por muçulmanos e cristãos,
enquanto na Arábia Saudita, Indonésia ou Malásia, certamente nem nunca ouviram
falar sobre mutilação genital feminina’, explicou Anis. O sexólogo acrescentou
que, até pouco mais de três anos, o número de mulheres que sofria a ablação
chegava aos 98% no Egito, mas hoje, garante, já se pode falar em 80%. Os
especialistas estão de acordo que a regulação da prática deve ser acompanhada
de educação sobre as graves consequências da mutilação genital, que reduz o
desejo sexual das mulheres e não tem nenhuma utilidade médica. Os últimos dados
oficiais, de 2008, comprovam que 91,1% das mulheres com idades entre 15 e 49
anos sofreram a amputação do clitóris, o que deixa o Egito em quarto lugar
entre os 29 países que realizam habitualmente a prática.” Uol.
Apesar
da redução dos números de mutilações não se admite que essa prática continue
ocorrendo, ainda que somente uma mulher tivesse de passar por isso. Não é possível
tolerar que uma barbárie como essa seja pratica em prol do prazer e da segurança
masculinas. O patriarcado e o machismo não podem estar acima da saúde e
sexualidade femininas em hipótese alguma.