Por: Paola Rodrigues
Hoje tomei coragem de contar
o que me aconteceu no dia 3 de dezembro de 2008, que deveria ter sido um dia
maravilhoso, mas até hoje me causa pesadelos.
A única coisa que me motiva
a cutucar essa ferida é a revolta de saber que milhares de mulheres passam por
isso. Porque em 2008 eu não sabia o que tinha acontecido, mas agora, 06 anos
depois, eu sei que foi uma violência, um ato hediondo e que isso ainda é tido
como normal. Mesmo sabendo que isso pode me trazer sérios problemas, faço de
coração aberto, porque quando fatiam seu corpo, a única coisa que te resta é
aquilo que você é.
Engravidei com 15 anos de
idade do meu primeiro namorado e você já deve imaginar o inferno que foi isso.
A vergonha, a culpa, o medo. Três coisas que me acompanharam durante 9 meses.
Porque ninguém está preparado para uma mãe adolescente, nem ela, nem os pais
dela, nem a moça da padaria ou o médico que costumava trata-la. Senti na pele o
preconceito nessa época e a constante sensação de que tinha destruído minha
vida e que iria colocar um ser nesse mundo para sofrer pelo o meu terrível
pecado.
Ninguém diz que vai ser
difícil, mas possível. Mostram como você vai parar de estudar, comentam como
quem vai criar é a vó e existe aquele ar de que você é Madalena e fez sexo
antes do casamento, antes da faculdade, antes de “crescer”. Como você é errada!
São mães que sofrem pela hipocrisia de uma sociedade que ainda não entendeu que
sexo sempre pode gerar gravidez, que gravidez não é um ato hediondo e que
idade, nem sempre, determina o seu caráter.
Quero contar a história de
uma linda e corajosa bebê chamada Laura, que morreu no dia 10 de dezembro de
2008, após ficar uma semana na UTI e sobre algo que ninguém nunca assumiu a
culpa e me destruiu por anos.
A gravidez foi terrível,
fiquei internada quase os 9 meses, pelo estresse e outros problemas de saúde.
No fim, dois dias antes dela nascer e com 38 semanas, passei muito mal e
desmaiei.H avia mudado de médico no
fim da gravidez pela forma seca que era tratada pelo primeiro GO. Fazia duas
semanas que estava com o novo GO, que parecia muito doce. Como havia batido a cabeça e
barriga na queda, minha sogra me levou ao médico e fui internada. Fizeram todos
os exames e o bebê estava bem. Voltei para casa...
Na noite do dia 2 comecei a
sentir as contrações. Ficamos felizes, comecei a fazer a minha mala e terminar
a mala da Laura. Tínhamos decidido esperar bastante para ir ao hospital, porque
já estava com pavor de lá. Quando deu 2 da manhã não
suportei e pedi para me levarem. Chegando lá, descobri que meu GO estava em SP
e só voltaria pela manhã, então me passaram que a plantonista iria me examinar.
Após um exame de toque absurdamente doloroso, ela disse que o líquido amniótico
estava limpo e que tinha 2 cm de dilatação. Fui colocada num quarto e
foi pedido para minha sogra se retirar, ninguém iria poder ficar comigo, me
colocaram um soro e falaram que ia me ajudar.
Se soubesse o que iria acontecer depois disso... Acho que por mais que anos e anos passem, nunca vou esquecer o que aconteceu. A dor piorou e muito. Fui informada que não devia gritar, que havia feito aquilo e devia suportar. Uma enfermeira me disse que meninas na minha idade são escandalosas, que na hora de fazer ninguém grita assim – ou grita e saiu dando risada. Pedia para ver a médica, me falavam que a médica estava ocupada. Durante horas fiquei morrendo de dor, com medo de contar para alguém, porque aquilo era minha culpa. Tive três ataques de pânico em 4 horas. Agarrava-me no travesseiro em silêncio. Tinha certeza que iria morrer, comecei a pedir perdão para a minha filha, porque tinha engravidado, por ter feito aquilo com ela. Entre as visitas das enfermeiras, ia ouvindo piadas.
Às 7 da manhã estava
exausta. Não sentia mais dor. Não conseguia falar direito. O meu GO chegou e
fui avisada que iria ser preparada para uma cesárea. A enfermeira entrou, mandou
tirar a roupa, me depilou, colocou a sonda de uma forma tão grossa que fiquei
semanas com problemas para urinar. Fui enviada para a sala de cirurgia
implorando para não fazerem nada até meu namorado chegar. Ele chegou, mas até então
eles estavam contando piadas ao me abrir. Falaram do almoço de domingo, tiraram
sarro da anestesia. Parecia que era como fatiar um bife... estavam na cozinha
de casa, falando de bobeiras e eu lá, chorando, vomitando, mas tudo bem, quem
se importa?
Quando finalmente me
avisaram que iam “tirar o bebê”, percebi que havia algo errado. Foi tudo muito
rápido. Teve um choro baixinho, pouco, não deixaram vê-la. Avisaram-me que iam
mover tudo rápido, mas que estava tudo bem. Olhava desesperada para tudo
e todos, ninguém me falava nada. Meu namorado seguiu com eles para fora e fui
deixada lá, em pânico. Só fui avisada que minha pressão estava subindo e que
seria medicada. Não lembro do que aconteceu
depois, só que fui enviada para o quarto depois de muito tempo e me avisaram
que minha filha estava na UTI, que havia ingerido e respirado mecônio, que
podia ser várias coisas: gravidez na adolescência, algum descuido meu ou culpa
de ninguém. Deles que não era a culpa. Podia ser com o bebê também,
uma má formação no pulmão.
Conheci minha filha deitada, entubada, sem previsão de melhoras. Era linda, ruiva, com grandes olhos espertos. Não acreditava que havia feito algo tão lindo e perfeito. Chorava sem parar sempre que estava na UTI e sempre para descobrir que ela havia piorado. No terceiro dia fui informada que a sensação era como se ela estivesse afogando. No quarto dia fui informada que devia tomar cuidado na hora de “aprontar”, porque dava nisso. No quinto dia já sabia que ela teria sequelas graves devido a baixa oxigenação, talvez ficaria em estado vegetativo. No sexto dia fui informada para me preparar e no sétimo dia recebi um telefonema que minha filha havia falecido de falência múltipla. Entrei naquele hospital como uma jovem grávida e saí quebrada, machucada, aleijada e sozinha. Nunca peguei minha filha no colo.
Durante alguns anos depois
disso tive problemas para dormir, crises de pânico, fiquei com medo de sair de
casa. Tentei suicídio algumas vezes e uma depressão severa me acompanhou no ano
de 2010. Depois de tudo isso jurei que nunca mais iria engravidar.
Minha segunda filha tem 1
ano e 2 meses, aprendeu a andar faz uma semana e me faz correr pela casa toda,
se não enfia o dedo na tomada. Hoje sou feliz fazendo minha parte pelos
direitos da infância, sonho poder dar aulas, quero viajar o mundo, terminar meu
livro, passar tardes de domingo na cachoeira e vejo que apesar de doloroso, não
é impossível se quebrar e conseguir forças para continuar. Descobri minha voz,
minha força, minha luta.
Mas acho que o ponto alto
disso não é como gravidas são tratados e de como o parto no Brasil pode ser o
evento mais traumático na sua vida. Como bebês vão para a UTI ou morrem e a
culpa é de ninguém. Aliás, a culpa é da mãe, do bebê, da chuva, menos de quem é
responsável por isso, mas como temos que parar de marginalizar jovens mulheres
que engravidam. Temos que parar de podar
seus sonhos, de impedir que elas exerçam o ato livre da maternidade, de cometer
erros e de ser humanas. A vida toda pela frente não é interrompida com um bebê,
mas se tornam duas vidas pela frente.
Uma adolescente que
engravida não é uma vagabunda, não é promíscua ou qualquer palavra que usem
para descrever irresponsabilidade e falta de caráter. Enquanto tratarmos
mulheres assim, estamos criando na mente dela que ela não é capaz, que ela é
culpada, que ela vai fazer tudo errado. Temos que mostrar que ela é forte, capaz,
mãe, que terá um futuro lindo pela frente, que vai estudar, trabalhar, que vai
se relacionar com o mundo da melhor forma possível porque ser mãe não diminuí
suas chances na vida. Sua idade não dita seu futuro.
E você, profissional da
saúde que talvez leia isso, por favor, nós não somos gado. Nós não somos bifes.
Respeitem o melhor dia das nossas vidas.
Paola escreve em Cartas para Helena