“Empresa mineira [BrasilCenter Comunicações, de Juiz de Fora] foi
condenada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a indenizar uma operadora de
telemarketing que se sentiu ofendida por conta da criação de um regulamento
chamado ‘Programa de Gestação’. Por meio desse programa, que foi comunicado às
empregadas através do e-mail corporativo, a empresa limitava o direito de elas
engravidarem. A fim de evitar a diminuição no quadro de trabalhadoras, no caso
de haver mais de uma licença-maternidade concedida simultaneamente, a empresa
resolveu estabelecer regras para as candidatas à mamãe. O regulamento da
empresa estabelecia uma escala de gravidezes e impedia que as mulheres que não
eram casadas oficialmente participassem do programa. As que já tivessem filhos
iriam para o fim da “fila”, atrás das outras candidatas sem filhos. Caso mais
de uma empregada manifestasse desejo de engravidar no mesmo mês, teria
preferência a que estivesse há mais tempo na empresa, e a outra deveria
aguardar. Uma vez aprovada a entrar na escala, a candidata à mamãe deveria
comunicar à empresa que iria engravidar com seis meses de antecedência. Toda a
escala era registrada em planilhas. Na audiência, a representante legal da
empresa defendeu-se dizendo que o e-mail era uma “brincadeira envolvendo uma
tentativa de colocar ordem na casa”, mas essa brincadeira – de mau gosto –
custou R$ 50 mil de indenização por danos morais, devidos à funcionária que
entrou com a ação. O TST entendeu que o ato da empregadora foi uma afronta à
liberdade das empregadas e uma discriminação às mulheres, bem como um flagrante
abuso do poder diretivo. Além da indenização, o tribunal determinou que o
Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho tomassem providências
para que aquela prática não prejudicasse outras funcionárias da empresa, já que
essa ação beneficiou apenas à trabalhadora que entrou na justiça.” Frederico E. Fernandes Filho em JusBrasil.
Ainda segundo o site, o
ministro Vieira de Mello Filho, relator da decisão, impressionado com a ousadia
da empresa afirmou ao decidir a ação: “jamais imaginei ter
de analisar um caso como esse”.
De acordo com Fernandes
Filho “A lei autoriza o empregador a determinar ao
empregado como ele deverá exercer suas atividades. [até aqui nenhuma observação
a ser feita] Esse direito é chamado de poder diretivo (ou poder de direção), e
a submissão do empregado a essas ordens é o que se conhece por subordinação. Se
não há subordinação, a própria relação de emprego não existe.”
O autor, visando explicar os direitos dos empregadores nas
relações trabalhistas afirma que “o poder
diretivo é exercido, basicamente, de três formas: através do poder de
organização, do poder de controle e do poder disciplinar. Por meio do poder de
organização, o empresário define a estrutura do empreendimento e cria normas e
regulamentos que deverão ser seguidos pelos empregados. Já o poder de controle
permite ao empregador fiscalizar a atividade do funcionário. Por fim, o poder
disciplinar dá ao patrão o direito de punir o trabalhador que não obedecer às
normas estabelecidas.”
Sem querer polemizar a respeito
dos aspectos técnicos da legislação trabalhista, permito-me, no entanto, fazer
uma breve reflexão. Fiquei bastante incomodada com os termos “submissão” e “subordinação”.
seguidas da expressão “punir os trabalhadores”. As argumentações, da forma como
foi escrita, me remeteu as relações escravocratas que deveriam ter sido
abolidas junto com regime de escravidão no Brasil desde 1888. Até mesmo porque,
em alguns casos, as relações trabalhistas ainda guardam fortes semelhanças os regimes
escravistas.
“O trabalho escravo existe desde os tempos remotos. No Brasil, ele está
relacionado à herança cultural, a desigualdade e a impunidade. Trabalhadores
abandonam suas cidades de origem e aceitam propostas sedutoras feitas por
aliciadores, no intuito de suprir sua necessidades básicas, submetendo-se a
escravidão ou/e práticas análogas a esta, utilizadas pelo escravocrata
contemporâneo que surgiu no contexto da globalização neoliberal. Os princípios
protetivos do trabalho inseridos na Constituição Federal Brasileira de 1988 e
os princípios constantes na Consolidação das Leis do Trabalho são mitigados
pela situação de vulnerabilidade e necessidade do trabalhador que busca sua
dignidade no trabalho a fim de suprir o que o Estado deveria lhe fornecer. Com
o advento da Lei 10.803/2003 ampliou-se o rol das formas de trabalho em
condições análogas a de escravo, o que facilitou a tipicidade da conduta do
escravocrata. Diversas medidas com o propósito de erradicar o trabalho escravo
contemporâneo estão sendo tomadas pelo Estado, pela Organização Internacional
do Trabalho e pela Sociedade Civil. Mesmo assim a situação persiste”. Luciana
Francisco Pereira em "A escravidão contemporânea e os princípios do Direito do Trabalho."
Apesar dos abusos cometidos contra a classe trabalhadora a
própria Constituição Federal assegura ao trabalhador uma série de direitos que
devem ser observado nessas relações. “Os
direitos fundamentais, que garantem a igualdade de todos perante a lei e tutela
direitos personalíssimos, estão consagrados na Constituição Federal, que tem
como base o valor da dignidade da pessoa humana. A relação de emprego é marcada
por dois polos opostos, o empregador, que organiza, controla e dirige a
prestação de serviço, e o empregado, que presta serviço em troca de salário.
Assim, em virtude desses direitos fundamentais, na relação de emprego há a
necessidade de se estabelecer limites ao poder diretivo do empregador, uma vez
que o empregado é a parte vulnerável desta relação. Essa limitação se dá de
maneira externa, através da Constituição, das leis, norma coletiva, contrato, e
de maneira interna, por meio da boa-fé objetiva e o exercício regular do
direito. Dessa forma, o poder diretivo deve ser exercido com moderação, sem
abuso ou exposição do trabalhador a situações vexatórias, para que os direitos
fundamentais do trabalhador, nesta condição e como indivíduo, sejam respeitados
e não violados, com a promoção da dignidade humana.” Christiane
Singh Bezerra e Gabriela Cerci Bernabe Ferreira
em "Considerações sobre o poder diretivo do empregador sob a ótica do contrato de trabalho e dos direitos fundamentais do trabalhador".
Ao que parece, os
administradores da Brasil Center Comunicações não se importam muito com as
limitações que o poder diretivo sofre externamente. Esse caso representa só mais uma das muitas faces
do machismo que envolve as relações de trabalho entre patrão e trabalhadora. Além
do assédio moral, as trabalhadoras são as maiores vítimas do assédio sexual
dentro das empresas. Em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já
sofreram assédio sexual (Organização Internacional do Trabalho- OIT). Por outro
lado, as mulheres são comumente preteridas quando concorrem a uma vaga de
emprego com homens, principalmente por conta da possibilidade da licença
maternidade e dos riscos de faltarem ao emprego por doenças ou problemas com
filhos. As mulheres negras têm ainda menores chances no mercado de trabalho, o
índice de desemprego entre homens brancos é de 5,3%, enquanto o de mulheres
negras é de 12,3% (IPEA de 2009).
Conforme ranking do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) entre os anos de 2006 e 2010, no Brasil, 50,5%
do total de mulheres possuía ao menos a educação secundária, enquanto, para os
homens, essa porcentagem era de 48,5% do total. Dados do IBGE demonstram que em 2010, no Brasil, 58,15% das
mulheres tinham graduação em nível superior concluída, em contra partida,
41,85% dos homens tinham atingido esse patamar. Mesmo tendo maior grau de
escolaridade, segundo pesquisa de 2011 do IBGE, as mulheres recebem 28% a menos
que os homens. De acordo com o IPEA 2011, enquanto que a renda do homem branco
era em média de R$1491,00 a da mulher negra beirava a um terço desse valor, ficava
em R$ 544,40. Outro fator a ser considerado é a participação das mulheres no
mercado de trabalho, que em 2011 era de 59,60%, enquanto a dos homens era de
80,9%.
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