sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Uma em cada dez meninas com menos de 20 anos já foi vítima de violência sexual



Hoje presenciei uma discussão virtual sobre a “inutilidade” do feminismo, o quanto esse movimento era desnecessário e o quanto estava ultrapassado. Então, poucas horas depois leio a notícia abaixo. 
"Uma em cada dez meninas com menos de 20 anos já foi vítima de violência sexual, segundo um relatório divulgado nesta quinta-feira (05/09) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Considerado a maior compilação de dados feita até hoje sobre violência contra crianças, o documento estima que cerca de 120 milhões de meninas no mundo tenham sido sujeitadas a atos sexuais forçados somente em 2012. Ao mesmo tempo, uma em cada três mulheres casadas com entre 15 e 19 anos – cerca de 84 milhões – foi vítima de violência emocional, física ou sexual por parte dos próprios maridos. Cerca de metade das jovens acha justificável “que um marido bata na mulher em determinadas circunstâncias”, segundo o relatório da Unicef.[...] De acordo com o relatório, um quinto das vítimas de homicídio no mundo tem menos de 20 anos. Só em 2012, 95 mil crianças e adolescentes foram mortos. Em países como o Brasil – onde 11 mil crianças foram assassinadas em 2012 –, Nigéria e Venezuela, o homicídio é "a principal causa de morte em indivíduos do sexo masculino dos 10 aos 19 anos". No Brasil, o número de óbitos nessa faixa etária só é menor do que na Nigéria (13 mil), onde o grupo terrorista Boko Haram sequestrou mais de 200 meninas em abril deste ano. Entre os países da Europa Ocidental e da América do Norte, os Estados Unidos têm a maior taxa de homicídio na infância. DW

Sinto até certo constrangimento por tentar explicar o óbvio mas, infelizmente, é necessário. A luta da mulher feminista é contra uma cultura que estabelece relação de desigualdade entre homens e mulheres. É uma luta que tenta reverter a ideia de que a mulher é um instrumento/objeto pra servir o homem, que é intelectualmente inferior a ele, dentre outras formas de discriminação e opressão. Infelizmente essas ideias ainda são prevalentes e por mais que tenhamos conquistado espaço na sociedade e muitos direitos, as mudanças culturais, que seriam mais efetivas, estão se se processando de forma extremamente lenta. Exemplo disso é a quantidade de estupros dos quais somos vítimas. 
O feminismo reivindica liberdade de escolha para mulher e respeito a suas escolhas, luta pela não culpabilização da vítima que sofre violência. Lutamos pra que se compreenda que nenhuma mulher gosta de apanhar e que roupas curtas não justificam estupros...  Lutamos contra uma cultura que ignora as leis do país em benefício de estupradores. 
“Para a advogada Ana Gabriela Mendes Braga, pesquisadora do sistema de justiça criminal e professora da Faculdade de Direito da Unesp, o problema é que a lei é mal interpretada nas mais diversas instâncias, desde o delegado que recebe a denúncia até na sentença do juiz. Isso passa por policiais muitas vezes menosprezarem denúncias de mulheres vestindo roupas curtas, ou não levarem em consideração a humilhação (tanto no momento do abuso quanto da denúncia) vivida pela vítima; ou por parte da própria sociedade achar que, se ela não era "recatada", está sujeita a sofrer violência verbal ou física. Segundo a pesquisadora, uma interpretação enviesada pode deixar a vítima desprotegida, seja no momento em que ela faz a denúncia e é mal recebida pelo policial ou quando seu caso é visto pelo delegado com desprezo e não é investigado - ou até mesmo na outra ponta do processo, quando a denúncia chega nas mãos de um juiz. ‘Há previsão legal específica para crimes sexuais, mas a leitura que se faz dessas leis podem 'revitimizar' a mulher que sofreu abuso e enfraquecer sua proteção’, diz. ‘O que está em jogo é o papel da mulher e, no caso, de vítima. Se ela rompe com o padrão esperado, ou seja, uma conduta recatada e uma moral sexual reprimida, muitas vezes ela não tem mais uma proteção legítima.’ Segundo ela, um dos problemas é que as leis foram criadas por homens, não levando em conta as especifidades de gênero”. BBC
A maneira encontrada para tentar driblar as dificuldades das vítimas na ocasião das denúncias foi a criação das delegacias da mulher. Além disso, foram criadas as varas específicas de violência doméstica. No entanto, o número desses equipamentos é insuficiente pra atender a demanda. Aqui no Ceará, por exemplo, a rede para acolhimento da população feminina em situação de violência se encontra bastante defasada. O Ceará tem a 3ª maior média do Nordeste de mortes de mulheres por conflitos de gênero. De acordo com o artigo 185 da Constituição do Estado, todos os municípios com mais de 60 mil habitantes devem possuir uma delegacia especializada para a mulher No Estado, 23 cidades estão inseridas nesse perfil, mas apenas nove contam com o equipamento. Enquanto isso, somente em 2012, foram registrados 197  feminicídios, 9.716 lesões corporais, 24.500 ameaças e 1.492 estupros aqui no Ceará. Infelizmente, o resultado dessas agressões foi um retrato da impunidade que reina nesse país, dos 7.781 boletins de ocorrência registrados apenas 2.019 resultaram em inquéritos policiais, 2.435 medidas protetivas, e pasmem, apenas 348 prisões.
Outro problema com essas instituições é a falta de preparo das profissionais que realizam o atendimento às mulheres em situação de violência. Como disse noutro post, o machismo é institucionalizado e, portanto, é reproduzido mesmo dentro dos espaços que deveriam combate-lo. "Há delegacias para mulheres em que a sensibilidade de delegada e as guardas não difere da dos funcionários de delegacias comuns." Ana Gabriela Mendes Braga, advogada. Ela defende que mais punição não reduz o crime, porém colabora para criar um clima de justiça, mais propício para as denúncias e que a certeza da punição tem impacto sobre a incidência de destes crimes.
“Já a historiadora Denise Bernuzzi, professora da PUC e especialista em relações entre o corpo e a cultura contemporânea, afirma que a impunidade de criminosos sexuais deteriora o processo democrático.’Segundo ela, em uma democracia, a mentalidade machista vai naturalmente sendo reduzida e dando lugar a um pensamento igualitário. Denise afirma que aqui esse processo, que já é lentíssimo, ainda engatinha, visto que vivemos em uma democracia há pouco tempo.’Mas se houvesse uma punição mais efetiva, aliada à educação, isso certamente aceleraria essa mudança. No entanto, o que vem ocorrendo no Brasil, com a falta de vigilância da lei, acaba emperrando ainda mais o processo de ser ver uma mulher como igual’, diz.” BBC.

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