Hoje presenciei uma discussão
virtual sobre a “inutilidade” do feminismo, o quanto esse movimento era
desnecessário e o quanto estava ultrapassado. Então, poucas horas depois leio a
notícia abaixo.
"Uma em cada dez meninas com menos de 20 anos já foi vítima de violência
sexual, segundo um relatório divulgado nesta quinta-feira (05/09) pelo Fundo
das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Considerado a maior compilação de
dados feita até hoje sobre violência contra crianças, o documento estima que
cerca de 120 milhões de meninas no mundo tenham sido sujeitadas a atos sexuais
forçados somente em 2012. Ao mesmo tempo, uma em cada três mulheres casadas com
entre 15 e 19 anos – cerca de 84 milhões – foi vítima de violência emocional,
física ou sexual por parte dos próprios maridos. Cerca de metade das jovens
acha justificável “que um marido bata na mulher em determinadas
circunstâncias”, segundo o relatório da Unicef.[...] De acordo com o relatório,
um quinto das vítimas de homicídio no mundo tem menos de 20 anos. Só em 2012,
95 mil crianças e adolescentes foram mortos. Em países como o Brasil – onde 11
mil crianças foram assassinadas em 2012 –, Nigéria e Venezuela, o homicídio é "a
principal causa de morte em indivíduos do sexo masculino dos 10 aos 19
anos". No Brasil, o número de óbitos nessa faixa etária só é menor do que
na Nigéria (13 mil), onde o grupo terrorista Boko Haram sequestrou mais de 200
meninas em abril deste ano. Entre os países da Europa Ocidental e da América do
Norte, os Estados Unidos têm a maior taxa de homicídio na infância. DW
Sinto até certo
constrangimento por tentar explicar o óbvio mas, infelizmente, é necessário. A luta
da mulher feminista é contra uma cultura que estabelece relação de desigualdade
entre homens e mulheres. É uma luta que tenta reverter a ideia de que a mulher
é um instrumento/objeto pra servir o homem, que é intelectualmente inferior a
ele, dentre outras formas de discriminação e opressão. Infelizmente essas ideias
ainda são prevalentes e por mais que tenhamos conquistado espaço na sociedade e
muitos direitos, as mudanças culturais, que seriam mais efetivas, estão se se
processando de forma extremamente lenta. Exemplo disso é a quantidade de
estupros dos quais somos vítimas.
O feminismo reivindica liberdade
de escolha para mulher e respeito a suas escolhas, luta pela não culpabilização
da vítima que sofre violência. Lutamos pra que se compreenda que nenhuma mulher
gosta de apanhar e que roupas curtas não justificam estupros... Lutamos contra uma cultura que ignora as leis do
país em benefício de estupradores.
“Para a advogada Ana Gabriela Mendes Braga, pesquisadora do sistema de
justiça criminal e professora da Faculdade de Direito da Unesp, o problema é
que a lei é mal interpretada nas mais diversas instâncias, desde o delegado que
recebe a denúncia até na sentença do juiz. Isso passa por policiais muitas
vezes menosprezarem denúncias de mulheres vestindo roupas curtas, ou não
levarem em consideração a humilhação (tanto no momento do abuso quanto da
denúncia) vivida pela vítima; ou por parte da própria sociedade achar que, se
ela não era "recatada", está sujeita a sofrer violência verbal ou
física. Segundo a pesquisadora, uma interpretação enviesada pode deixar a
vítima desprotegida, seja no momento em que ela faz a denúncia e é mal recebida
pelo policial ou quando seu caso é visto pelo delegado com desprezo e não é
investigado - ou até mesmo na outra ponta do processo, quando a denúncia chega
nas mãos de um juiz. ‘Há previsão legal específica para crimes sexuais, mas a
leitura que se faz dessas leis podem 'revitimizar' a mulher que sofreu abuso e
enfraquecer sua proteção’, diz. ‘O que está em jogo é o papel da mulher e, no
caso, de vítima. Se ela rompe com o padrão esperado, ou seja, uma conduta
recatada e uma moral sexual reprimida, muitas vezes ela não tem mais uma
proteção legítima.’ Segundo ela, um dos problemas é que as leis foram criadas
por homens, não levando em conta as especifidades de gênero”. BBC
A maneira encontrada para
tentar driblar as dificuldades das vítimas na ocasião das denúncias foi a criação
das delegacias da mulher. Além disso, foram criadas as varas específicas de
violência doméstica. No entanto, o número desses equipamentos é insuficiente
pra atender a demanda. Aqui no Ceará, por exemplo, a rede para acolhimento da
população feminina em situação de violência se encontra bastante defasada. O Ceará tem a 3ª maior média do Nordeste de
mortes de mulheres por conflitos de gênero. De acordo com o artigo 185
da Constituição do Estado, todos os municípios com mais de 60 mil habitantes
devem possuir uma delegacia especializada para a mulher No Estado, 23 cidades
estão inseridas nesse perfil, mas apenas nove contam com o equipamento. Enquanto
isso, somente em 2012, foram registrados 197 feminicídios, 9.716 lesões corporais, 24.500
ameaças e 1.492 estupros aqui no Ceará. Infelizmente, o resultado dessas
agressões foi um retrato da impunidade que reina nesse país, dos 7.781
boletins de ocorrência registrados apenas 2.019 resultaram em inquéritos
policiais, 2.435 medidas protetivas, e pasmem, apenas 348 prisões.
Outro problema com essas
instituições é a falta de preparo das profissionais que realizam o atendimento
às mulheres em situação de violência. Como disse noutro post, o machismo é
institucionalizado e, portanto, é reproduzido mesmo dentro dos espaços que
deveriam combate-lo. "Há delegacias para mulheres em que a
sensibilidade de delegada e as guardas não difere da dos funcionários de
delegacias comuns." Ana Gabriela Mendes Braga, advogada. Ela
defende que mais punição não reduz o crime, porém colabora para criar um clima
de justiça, mais propício para as denúncias e que a certeza da punição tem
impacto sobre a incidência de destes crimes.
“Já a historiadora Denise Bernuzzi, professora da PUC e especialista em
relações entre o corpo e a cultura contemporânea, afirma que a impunidade de
criminosos sexuais deteriora o processo democrático.’Segundo ela, em uma
democracia, a mentalidade machista vai naturalmente sendo reduzida e dando
lugar a um pensamento igualitário. Denise afirma que aqui esse processo, que já
é lentíssimo, ainda engatinha, visto que vivemos em uma democracia há pouco
tempo.’Mas se houvesse uma punição mais efetiva, aliada à educação, isso
certamente aceleraria essa mudança. No entanto, o que vem ocorrendo no Brasil,
com a falta de vigilância da lei, acaba emperrando ainda mais o processo de ser
ver uma mulher como igual’, diz.” BBC.
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