Semana
passada circulou na mídia notícia informando sobre a prisão de uma jovem
cabeleireira, moradora de Diadema (São Paulo), em decorrência da realização de
um aborto. Após atender a cabeleireira
de 19 anos, que já tem um filho de 04 anos e constatar que a jovem havia
provocado o aborto o médico Mahmud Daoud Mourad, decidiu chamar a polícia. A
denúncia e detenção ocorreram no último dia 16.
A
acusada estava grávida de quatro meses quando resolveu ingerir 04 comprimidos
abortivos depois do namorado tê-la abandonado ao ser informado que ela estava
grávida. Logo que começou a passar mal,
por conta da medicação, ela foi levada ao hospital onde acabou fazendo uma
curetagem. A jovem permaneceu internada
por 24 horas, tendo alta na terça-feira.
Felizmente,
ela permaneceu detida apenas no hospital, não foi levada para a prisão. No
entanto, enquanto permaneceu no hospital foi vigiada por dois policiais. Depois
de receber alta ela foi liberada após pagar fiança de R$ 1 mil pelo crime de
aborto. Apesar de estar em liberdade e poder responder pelo aborto em liberdade
ela ainda corre o risco de pegar até três anos de prisão.
Em
entrevista, divulgada no site O Globo ela declarou “Só desejo sumir. Você se sente muito exposta. Não sou contra nem
a favor do aborto. A decisão de uma mulher interromper uma gravidez já é muito
difícil por si só. Ser tratada como uma criminosa, responder a um processo.
Estou muito assustada.”
Somente
em 2014, conforme levantamento feito em 22 unidades da Federação, 33 mulheres
foram presas por conta do crime de aborto. Parte das denúncias que levaram as
gestantes à prisão no ano passado tiveram a mesma origem: os hospitais.
No
dia 17 de junho de 2014 uma mulher de 22 anos, procurou o Hospital Municipal do
M’Boi Mirim, na zona sul São Paulo, com queixa de fortes dores abdominais. Ela
havia ingerido uma medicação para provocar o aborto. Estava no quarto mês de
gestação. Como não tinha condições financeiras para procurar uma clínica aborto
acabou optando pelos comprimidos. A
médica que atendeu a moça também resolveu denunciá-la à polícia. “Fiquei
algemada na cama por três dias”, desabafou a acusada.
Segundo
reportagem publicada site Exame.com
“As prisões por aborto
ilegal no Brasil se concentram no Sudeste. O Rio tem 15 presas, São Paulo, 12,
e Minas, uma. As demais denúncias foram registradas no Paraná (3) e no Distrito
Federal (2). Acre, Maranhão, Rondônia, Tocantins e Roraima não informaram o
número de denúncias. Todas as mulheres foram enquadradas no artigo 124 do Código
Penal, de 1940, que criminaliza o aborto. A pena pode variar de um a três anos
de detenção. Os perfis das rés têm semelhanças: jovens, negras, com pouca
escolaridade e baixa renda.”
Como
sempre faço questão de salientar a penalização pelo crime de aborto, seja
através da prisão, danos à saúde ou morte, alcança majoritariamente as mulheres
pobres e, mais ainda, as negras. Em declaração recente Débora Bloch revelou ter
feito um aborto. “Quando tinha uns 20 anos, engravidei sem querer de um namorado
e abortei. Meu ginecologista me indicou uma clínica. Não tive nenhum tipo de
arrependimento depois”. Ela é uma, dentre muitas outras mulheres, que não foi
penalizada porque suas condições financeiras lhe permitiu ser devidamente
assistida. Enquanto, isso, mulheres pobres continuam sendo marginalizadas ou
morrendo por optarem pela interrupção da gravidez.
Apesar
de se tratar de crime, o profissional de saúde está impedindo de comunicar ou
denunciar a polícia qualquer mulher atendida por ele que tenha espontaneamente
abortado ou provocado aborto. Aquele que
denuncia ou comunica aborto a polícia está desrespeitando o sigilo médico, além
de violar o Artigo 154 do Código Penal.
5.
ÉTICA PROFISSIONAL DO SIGILO PROFISSIONAL
Diante
de abortamento espontâneo ou provocado, o(a) médico(a) ou qualquer profissional
de saúde não pode comunicar o fato à autoridade policial, judicial, nem ao
Ministério Público, pois o sigilo na prática profissional da assistência à
saúde é dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu
consentimento.
O
não cumprimento da norma legal pode ensejar procedimento criminal, civil e
éticoprofissional contra quem revelou a informação, respondendo por todos os
danos causados à mulher.
Art.
154. Código Penal: É crime: “revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que
tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja
revelação possa produzir dano a outrem”.
Portanto,
além de responder criminalmente, o profissional também pode responder processo civil
de reparação de danos, o que pode leva-lo a ter de pagar indenização à mulher
por ele denunciada.
A
quebra de sigilo médico paciente, em específico sobre aborto, pode tornar as
consequências de procedimentos mal sucedidos, que hoje já é um sério problema
de saúde pública, num verdadeiro genocídio, já que o medo de ser denunciada
pode impedir que as mulheres busquem por ajuda. As denúncias podem amedrontar,
inclusive, vítimas de aborto espontâneo, que se sentirão receosas de serem injustamente
acusadas e presas por aborto.
Quantas
Jandiras precisarão ser assassinadas para que parlamentares compreendam que
saúde pública não se regula com fundamentalismos religiosos? Quantas mulheres
precisaram ser coagidas a maternidade compulsória por conta do medo de serem presas,
responderem a processo, terem suas vidas devastadas simplesmente por ignoramos
o fato de que maternidade deve ser um ato de amor, voluntário e consciente?
Até
quando vamos ignorar o fato de que muitas mulheres que se submetem a abortos
inseguros mesmo sendo crime e tendo ciência de que estão se arriscando a perder
a vida e deixar seus filhos órfãos? Mulheres que optam pelo aborto não precisam
enfrentar processo e ou serem presas. Precisam de acolhimento, precisam de
cuidados, inclusive médicos e psicológicos. É dever do Estado resguardar a vida
de milhões de mulheres que submetem
anualmente a procedimentos abortivos e se arriscam a se converterem em mais uma
vítima fatal entre as centenas que morrem em decorrência de procedimentos mal
sucedidos.
Em
meio a esse problema que, ao que tudo indica, tende a se agravar, um paliativo
pode amenizar o sofrimento de quem atualmente está enfrentando processo
criminal por aborto no nosso país. O Comitê Latino-Americano e do Caribe para a
Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), coordenado no Brasil pela advogada
Gabriela Ferraz, está identificando as mulheres presas por este crime no País
para prestar assessoria jurídica gratuita.
Enquanto
isso, o presidente da Câmara, o Deputado evangélico Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que
recentemente realizou culto evangélico na Câmara – ferindo princípios
constitucionais – esbraveja “Aborto e
regulação da mídia só serão votados passando por cima do meu cadáver”. Essa
declaração é uma clara ameaça de que durante o seu mandato podemos supor que
haverá boicote a qualquer intensão de avanço no tocante ao aborto e os direitos
reprodutivos femininos. Na verdade, acho que é provável que projetos de lei que
visem restringir direitos ou caçar alguns já conquistados sejam postos em
pauta, como por exemplo, “O Estatuto do nascituro” Ou o “bolsa estupro”.
O
mínimo que se espera num momento crítico como esse, em que a bancada evangélica
fundamentalista vem crescendo e tomando força dentro dos espaços de decisão
política do país e se convertendo numa ameaça de retrocesso, é que se puna
exemplarmente, inclusive com cassação, os profissionais que vem desrespeitando
o Código de Ética Médica e o Código Penal e denunciando mulheres que recorrem
aos serviços de saúde a procura de socorro médico.
1 comentário:
Triste momento o qual nós vivemos, antigamente era uma honra às mães, dar a vida para salvar o próprio filho, atualmente querem o direito de mata-lo
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