segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Cabelo afro e a força da mulher negra

Por Ana Eufrázio
    



   
 "Belíssima expressão da força e beleza da mulher negra. Linguagem poética poderosa e pungente que revela a força revolucionária da mulher negra que tem que cotidianamente enfrentar as massacrantes (e ainda hegemônicas) opressões machista e racista, ambos alicerces fundamentais deste modelo de sociedade capitalista. Para mim, um libelo a favor da absoluta liberdade humana (o oposto do liberté mercantil liberal-burguês)". Cláudio Nascimento.

“Ellen Oléria é mulher, negra, homosssexual (“e gorda”, ela própria acrescenta). Ellen é minoria em, pelo menos, quatro graus distintos e entrelaçados. Ela é uma coleção, uma corporação de minorias. “Meu nome é encruzilhada”, canta em “Linhas de Nazca”, fazendo referência a misteriosos desenhos geométricos esculpidos em solo desértico peruano. Quinta minoria: Ellen é compositora da maioria das canções que interpreta"... Sobre colocar o nome da namorada no rol de parentes Ellen desabafa “Pensei que ia ser legal, porque é, né?Aí o Thiago Leifert atravessou o palco e me disse: ‘Acaba de aparecer a legenda embaixo, mãe e namorada da Ellen". A artista imprime a essa última oração um sentimento de gol, colocando na voz o maior sorriso do mundo “Você tá falando sério”. Sim, sua identidade sexual foi exposta para milhões, e a reação foi a melhor possível, entre espectadores e até entre amigos a princípio receosos. “Depois todo mundo fez farra, mesmo os muvucados, os escondidos, os 007”, provoca. Pedro Alexandre Sanches (Revistaforum)


“Grandes obstáculos existem na formação da autoestima de uma mulher negra. Nós, desde nossa infância, enfrentamos coisas que nenhuma criança deveria enfrentar: sofremos bullying na escola por causa do nosso cabelo, do nosso nariz, da nossa pele que são vistos como motivo de chacota. Isso porque não existiam princesas negras, não existiam paquitas negras, bonecas negras, ou qualquer apresentadora de programa infantil com o semblante parecido com o nosso. Éramos nós as diferentes? Não, era o mundo que estava errado. Mas hoje como andam as coisas? Infelizmente não houve uma grande revolução, a situação mudou pouco. Existem bonecas negras, mas a maioria ainda são brancas. Apresentadores de programas infantis são brancos, a atriz principal da novela é branca, as meninas que estampam a grande maioria das capas de revista são brancas. Como construir uma autoestima forte com todos esses estímulos?” Mara Gomes em A mulher negra e o feminismo.

Quem define o que é belo? 

Será que é a maioria das pessoas, e mais especificamente, os diversos tipos de mulheres?

A quem serve a padronização do estereotipo feminino?

Vamos pensar um pouco. Ano após ano a indústria de “cosméticos” comemora recordes de crescimento. Inclua-se no rol de cosméticos os alisantes, produto que em alguns casos podem ser cancerígenos. Paralelamente a esse fenômeno há também o crescimento alarmante de realização de cirurgia plásticas estéticas. Em números absolutos, o Brasil é o segundo no ranking de cirurgias plásticas, com 905 mil procedimentos realizados em 2011, atrás somente dos Estados Unidos, que registrou 1,1 milhão.

A indústria farmacêutica surge como mais um filão do mercado da beleza. “Ela é hoje a terceira mais lucrativa no mundo perdendo apenas para os bancos e empresas petrolíferas. Este mercado é controlado pelas transnacionais como a Pfizer, Johnson & Johnson, Roche e Novartis. Em 2003, os maiores lucros da indústria farmacêutica vieram dos remédios chamados comportamentais, como antidepressivos e hormônios sintéticos.  Segundo Nalu Faria, da coordenação da Marcha Mundial de Mulheres, o público feminino faz parte da estratégia desta indústria de multiplicar seu lucro. A ditadura do corpo perfeito e da eterna juventude é a base desta estratégia das transnacionais. No Brasil, os remédios mais vendidos são os antidepressivos e inibidores de apetite. Hoje, as mulheres são responsáveis por 92% deste consumo. A substância química de muitos remédios para emagrecer é a anfetamina, que apresenta grande risco de causar dependência e gerar depressão.” Beatriz Pasqualino.

Entendemos portanto, que a ditadura da beleza é controlada pela mídia, que é controlada pelas elites, que pressupõe um setor burguês de senso estético nobre e caucasiano. Logo, acabamos de apreender que o estereótipo da mulher bonita seria a mulher branca, magra, de corpo escultural, nariz afilado, cabelos lisos e olhos claros, padrão europeu nórdico. Esse modelo serve bem como mecanismo de opressão da mulher brasileira que em suas raras exceções estão ou atingem esse padrão. A eterna busca pra se encaixar nesse modelo leva a mulher a consumir muito, consumir cosméticos, cirurgias plásticas, produtos e remédios pra emagrecimento, pra manutenção de peso, produtos que prometem reduzir medidas e muitos outros. Quando nada disso não funciona ela então recorre aos antidepressivos pra tentar se curar da frustração de não se enquadrar nos padrões. E a pequena minoria, usada como modelo, se utiliza da sua condição pra oprimir as demais. 
      
  
Fontes: Pedro Alexandre Sanches em http://revistaforum.com.br/blog/2013/08/ellen-oleria-uma-multidao-de-minorias/ 
Mara Gomes, A autoestima da mulher negra, em A mulher negra e o feminismo.
http://g1.globo.com/bemestar/cirurgia-plastica/noticia/2013/02/brasil-e-1-em-plasticas-no-bumbum-e-cirurgias-intimas-diz-estudo.html.
Beatriz Pasqualino em http://www.radioagencianp.com.br/node/1663 



sábado, 28 de setembro de 2013

O que é cissexismo e identidade cis?

  Por Ana Eufrázio



Para compreendermos o cissexismo é necessário entendermos o prefixo cis. À luz da discussão de gênero, a palavra cis designa pessoa cujos sentimentos ou identidade de gênero e sexualidade estão alinhados culturalmente com o sexo morfológico, homem ou mulher, caracterizado a partir da genitália na ocasião do nascimento.
A identidade de gênero cis define pessoa que nasceu com o sexo masculino, se identifica como homem, sente atração sexual por pessoas do sexo feminino e se relaciona com mulheres, ou como pessoa que nasceu sob o sexo feminino, identifica-se como mulher, sente atração sexual por homens e se relaciona com indivíduos do sexo masculino.
Informações contidas no site do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRO-SP) relatam que estudos de Gênero mostraram, através de experiências vividas por pessoas trans, que a concepção binária de gênero baseada no alinhamento entre sexo, gênero e desejo não é algo "natural" e que ocorre somente a partir de mecanismos deterministas. A premissa de que seria saudável e legítimo a existência somente de dois gêneros antagônicos (feminino e masculino), baseada na diferença entre as genitálias e que ambas se complementam, envolve outros processos para além do biologicismo, é uma construção cultural.
“A realidade de sexo, de gênero e do corpo não pode ser
imposta. Ela tem que ser observada nas formas e nas experiências do indivíduo e do grupo.” CRP-SP.
Portanto, o cissexismo pode ser entendido como pensamento simplório e discriminante de que a sexualidade humana pode ser definida a partir tão somente das características morfológicas binárias de homem ou mulher definidas no nascimento.
Esse entendimento leva o cissexista a negar a existência de diferentes identidades de gêneros e orientações sexuais. A partir dessa perspectiva o indivíduo incorpora e professa discursos degradantes, humilhantes e ofensivos baseados na crença de que as pessoas que não estão em conformidade com as orientações e gêneros cis são anormais e/ou doentes.
Diferentemente da transfobia (aversão a identidade não cis) que se processa através da agressão física, verbal e outros tipos de humilhações, o cissexismo é mais sutil, ele é prioritariamente discriminatório e excludente. Em muitos aspectos transfobia e cissexismo se confundem porque ambos não reconhecem a legitimidade da identidade não cis e por esse motivo são cerceadoras dos direitos das pessoas trans. Embora sutis, os discursos cissexistas são opressores, degradante das identidades trans e ofensivos.
Portanto, baseados nos pressupostos elencados acima, os discursos e atitudes cissexistas ocorrem quando:
  •  Há desqualificação do indivíduo em razão da sua orientação sexual.
  •  Na recusa a chamar a pessoa trans pelo nome escolhido por ela
  •  Ao afirmar que o indivíduo que não esta na condição cisgênero é doente
  • Achar as atitudes ou comportamentos que não estejam alinhados com o esperado para o gênero são anormais e ridiculariza-lo em razão disso
  • Usar termos ofensivos ao se referir à identidade de gênero de pessoas trans, tais como “traveca, bicha, veado, sapatão e outros”. Conforme descreve Hailey, em transfeminismo “Uso de termos ofensivos, mas que muitas pessoas (atenção LGBT’S) não acham ofensivos, ou evocar arbitrariamente (sem a permissão da pessoa) o nome designado ao nascer, a experiência “pregressa”  (falar em “antes” e “depois” é cissexista também); termos como ‘transvestir’,'transformista’, ‘traveco’, ‘transsex’, ‘t-gata’ (sim ‘t-gata’ é um termo fetichizador cissexista e sexista também, objetificador: atenção pessoas que se identificam como “t-lovers”); uso de termos como crossdress, drag, drag queen/king, quando você não sabe qual é a identidade da pessoa. E/ou; Designar arbitrariamente a identidade da pessoa. Conhecer alguém e prontamente decidir qual é a ID da pessoa baseada na imagem (visual e/ou performática) (da sua posição cis) que você tem dela. Alinhar pronomes e identidades também é cissexista. (SIC)”
  • Toda e qualquer forma de descriminação em função da identidade de gênero e condição sexual não elencada aqui pelo fato de serem muitas.

Fonte: http://transfeminismo.com/2011/11/17/o-que-cissexismo/

Imagens: https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcT3iu7kOaapTLgIWO7xe20vQUU_l3x7RkzUGN1hWek-mQosJxGg6wVRyXLx
http://4.bp.blogspot.com/_Aaex_VRdnec/S-TGMuo7QcI/AAAAAAAAAJE/C36ASKLwgnA/s1600/silencio.jpg
http://www.ubebr.com.br/arquivos/especiais/ensaio/images/o%20som%20do%20silencio%20-%20ilustracao%20cronica.jpg

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Feminicídios no Ceará



Por Ana Eufrázio
Manchete do jornal Diário do Nordeste (DN) do dia 25 do 09 de 2013 revela que 5, a cada 100 mil, mulheres são assassinadas a  por violência de gênero no Ceará.
Feminicídio definição: agravante para crimes de homicídio cometidos pelo fato de a vítima ser mulher.
 
“A cada 100 mil mulheres no Ceará, aproximadamente 5 são assassinadas no Estado em crimes decorrentes, principalmente, de conflitos de gênero. Ou seja, a mulher é assassinada por ser do sexo feminino.  A taxa de 5,26 feminicídios é resultado do balanço de mortes registradas entre 2009 e 2011, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nesta quarta-feira (25)”. (DN) 

 “Deusas violentadas” | Poderosa campanha indiana condena a violência doméstica. Conforme é possível ver nas imagens que estão ilustrando esse post.

        “A campanha trouxe à tona o reflexo do cotidiano, ou seja, a violência doméstica contra a mulher, impressa sob o símbolo máximo de um povo: a religião. A empresa utilizou de antigas imagens de Deusas da cultura Indiana para trazer as marcas empregadas pela violência às mulheres comuns, despertando assim um olhar de contradição no público atingido. Como as mulheres, divinizadas em determinado espaço, podem ser violentadas no seu cotidiano? Este é o reflexo que o individuo deve se ater no momento em que visualiza a peça publicitária.” Litera Tortura.
 
A primeira observação importante a fazer é sobre os dados coletados. Estamos no segundo semestre de 2013 e as estáticas ainda estão centradas nos dados colhidos entre os anos de 2009 a 2011. Isso significa que estamos sempre ficando a par de estáticas defasadas. O que isto implica? Implica na dificuldade de ajustar as políticas públicas de controle da violência contra a mulher à realidade do momento atual. 

Subliminarmente significa o descaso dos organismos públicos com a violência de gênero. A invisibilidade do problema pressupõe-se sua inexistência. Nesse sentido, a ausência de dados precisos sobre os casos de violência contra a mulher sugere que ela não existe e, portanto não carece de iniciativas publicas no sentido de coibi-las. 

Além disso, as políticas públicas são idealizadas em sua maioria por homens, mormente, pra homens. Sob essa perspectiva já é possível é imaginar que o problema da violência contra a mulher vai ser sempre colocado em segundo plano, não só porque não interessa a cultura sexista como também pelo fato de estar mascarada por dados imprecisos e atrás da cortina da invisibilidade.

 A coordenadora do Núcleo de Gênero Pró-Mulher, do Ministério Público do Estado do Ceará, Maria Magnólia Barbosa da Silva, em comentários ao jornal DN afirma que a taxa de feminicídios no Ceará ainda é muita alta, apesar de não esta entre as mais elevadas do país. Ela comenta:
"Ainda enfrentamos o problema por uma questão de cultura. Se sou mulher, fui acostumada, quando criança, a brincar com comidinha. Já o homem, a brincadeira é com carrinho. E assim, a mulher vai sempre sendo colocada num papel menor dentro da sociedade."

A afirmação da coordenadora é um tanto ingênua. Atribuir o problema da violência de gênero a cultura do “rosa e boneca” pra menina e “azul e carrinho” pra menino é mascarar completamente o problema que esta no cerne da questão, a impunidade. O que estimula a violência de gênero é a impunidade e institucionalização desta quando não são implementadas políticas de defesa e inclusão da mulher em situação de violência. 

Faço uma analogia entre a situação da mulher e política escravocrata brasileira. Ambas as soluções estão baseadas tão somente na libertação da vitima e o seu abandono à própria sorte. Se a solução burguesa a emancipação do negro estava centrada na quebra dos grilhões que o mantinha preso ao trabalho forçado, no caso da mulher, a solução que se apresenta é a retirada, quase sempre temporária, do agressor do domicílio da vítima. Ao optar por ambas as soluções não se leva em conta a subsistência do oprimido. Já que assim como no caso dos escravos, muitas das mulheres dependem financeiramente do agressor. E infelizmente, a mulher se vê impelida a permitir o retorno homem ao lar, mesmo que isso implique na continuidade do histórico de agressão. Por outro lado, quando a vítima não é dependente economicamente, a retirada do agressor de seu convívio não implica na salvaguarda de sua integridade física. Como as próprias estatísticas revelam, os casos de violência acabam em feminicídio. 

Segundo informações contidas no site do DN, no Brasil, a taxa de feminicídios foi 5,82 óbitos, ligeiramente superior a do Ceará, sendo vítimas potencias as mulheres jovens. No topo de ranque esta o Espírito Santo (11,24), seguido da Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Ficando o Nordeste no topo da lista como a região que mais mata mulheres com a marca de 6,90 óbitos por cada 100 mil mulheres.

Não há como negar que a elevada taxa de assassinatos de mulheres se deve ao sexismo. E ocorre pelo simples fato de que o homem se sente proprietário do “objeto” mulher e, portanto, detentor do direito de dispor de sua vida. No entanto, a omissão do Estado promove a legitimação desses crimes quando deixa de oferecer a devida proteção as mulheres que denunciam seus companheiros, de fornecer mecanismo de emancipação a mulher em condição de violência, de investigar e punir casos de violência de contra a mulher e principalmente, quando deixar de criar programas e políticas de prevenção a violência de gênero, medida mais efetiva na redução dos índices de feminicídio. 



— Quando a mulher apanha, as marcas ficam em lugares visíveis. O objetivo do agressor é deixar uma marca, se ela não for dele, não é de mais ninguém. E muitas vezes, quando ela morre, ela é esquartejada. É a marca do ódio — Senadora Ana Rita (PT-ES), relatora da CPMI, sobre o caráter sexista e possessivo do agressor.

A respeito da ausência de impacto da Lei Maria da Penha sobre a taxa de feminicídio não vou nem comentar. O que tenho a acrescentar é que não adianta a criação de leis se elas não são aplicadas, e se principalmente a cultura da tolerância com o crime ainda é prevalente.   

fontes: http://oglobo.globo.com/pais/congresso-debate-criacao-do-feminicidio-9402474#ixzz2g1pgC5Qc
http://diariodonordeste.globo.com/noticia.asp?codigo=366996
Imagens: http://literatortura.com/2013/09/deusas-abusadas-poderosa-campanha-indiana-condena-violencia-domestica/