Por Ana Eufrázio
Ela
ainda não teria quinze anos. Era, ao meu ver, ainda uma criança. Perco-me em
recortes que possam recriar a figura da minha mãe. Como seria? Penso que
deveria ser parecida comigo. Poderia ser magra, ter lábios carnudos, cabelos
compridos, pele bronzeada de sol. Com certeza seria tímida, teria poucas
roupas, não saberia dançar e não conheceria as músicas tocadas pelos bailes da
cidade. Ainda chamaria as festas de tertúlias, usaria perfume da Avon e
vestiria saias plissadas em tergal.
Estela
estaria na casa de uma amiga se produzindo pra o baile de logo em seguida. Em
seu estômago centenas de borboletinhas voavam, se tocavam e roçavam delicadamente
suas paredes. O banho demorado, a dúvida sobre o que vestir, se a saia azul
turquesa com blusa de cetim preta, ou se vestido frente única vermelho e
sandálias plataforma dourada. O batom vermelho derraparia levemente o contorno
dos lábios, o blush rosa expandiria a bochecha até o canto da boca e o lápis
contornaria sinuosamente de um canto ao outro do olho. Ver-se ante o espelho a
faria deixar despencar pequenas gotas de lágrimas. Na agonia do quarto se ouvia
o tilintar agudo do tremor de suas pernas. Estaria pronta? Não, inexoravelmente não
estaria pronta. Nem em mil anos estaria acabada pra sua estreia.
Todavia,
ouvia-se ao longe rasgos de guitarra, a percussão da bateria e os testes do
microfone. Da janela da sala surgiam burburinhos de moças e repazes que
sorriam, falavam e cantavam. Sobre a mesa a lamparina anunciava o fim do
querosene, a chama deslizava de um lado a outro ensaiando seu ato final.
Através do lençol branco, que fazia às vezes de porta, viam-se as sombras
passando, era o entra e sai dos rapazotes que também estariam na festa e que,
assim como as moças, se aprontavam pra sair. Dona Lúcia, mãe de Rejane,
desfilaria uma centena de recomendações e conselhos que deveriam ser seguidos à
risca. Não poderiam beber, chegar depois das onze, sair de perto dos irmãos, dançar
com estranhos, voltarem sozinhas...
Talvez Rejane, amiga de Estela, não tivesse
noção do que representaria aquela aventura pra vida da minha mãe. Dona Estela
conheceria o homem que mudaria a sua vida irreversivelmente. De todos os homens
que passaram por ela, os que a encararam, dos que a ignoraram, dos que a
chamaram pra dançar, ela optou por seu Chico Quebra Rádio.
Como
teria sido o primeiro encontro deles? Estaria dona Estela sentada diante de sua
mesa, e ele insistiu em buscar seu olhar?
Certamente
ele chegou até sua mesa, cumprimentou Estela, Rejane e seus irmãos. Ofereceu um
gole de bebida pra os rapazes e uma Coca-cola para as moças. Olhou nos olhos da
minha mãe e ela retribuiu de canto de olho com um sorriso tímido, amarelo e
gaiato. Meu pai a convidou pra uma dança. Seria apenas pretexto para tira-la da
mesa e leva-la pra um canto. Com reservada delicadeza a imprensou entre ele e à
parede, esticou o braço direito e encostou a mão no muro, a mão esquerda
tentaria levar o copo de cerveja a boca de Estela. Ela recusou e tentou se
desvencilhar de seus braços. Ele ousou mantê-la sob seu controle. Entretanto
ela lhe escapou e lhe virou as costas fazendo a saia girar e ele caminhar em
sua direção. Ao voltar-se pra trás, levantando levemente a saia, deu de cara
com ele. Neste momento ele a segurou pela mão e prometeu nunca mais deixa-la
fugir novamente.
Publicada no Jornal O Povo.
http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2013/09/16/noticiajornaldoleitorcronicas,3130468/o-baile.shtml
http://www.opovo.com.br/app/jornaldoleitor/noticiassecundarias/cronicas/2013/09/16/noticiajornaldoleitorcronicas,3130468/o-baile.shtml
Imagens: http://revistaquem.globo.com/Revista/Quem/foto/0,,15141084,00.jpg
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