Venho
falando sempre sobre estupros, sobre os danos que trazem para vida da vítima,
sobre perda da autoestima e da autoconfiança, sobre a dificuldade em manter o equilíbrio
com relação à própria sexualidade, sobre o medo a desconfiança... Enfim, os
estragos são muitos. No entanto, pior que o ato em si é a culpabilização da
vítima, é a impunidade, é o julgamento, os olhares de deboche e até de piedade.
No
caso de Amina Bibi, 18 anos, que ateou fogo no próprio corpo em protesto contra
a soltura de seus estupradores, não foi a violação que a levou ao suicídio, foi a
impunidade, foi o descrédito, o desrespeito, a desesperança...
“ISLAMABAD, 14 Mar 2014 (AFP) - Uma
adolescente paquistanesa morreu nesta sexta-feira depois de atear fogo em si
mesma após um tribunal retirar as acusações contra quatro homens acusados de
estuprá-la, informou a polícia. O incidente ocorreu no distrito de
Muzaffargarh, na província de Punjab, onde o estupro coletivo em 2002 de
Mukhtar Mai, uma mulher analfabeta, foi manchete em todo o mundo. Amina Bibi,
de 18 anos, jogou gasolina e ateou fogo no próprio corpo na quinta-feira em
frente a uma delegacia de polícia na cidade de Beet Meer Hazar, segundo a
polícia. Redes de televisão paquistanesas transmitiram imagens terríveis que
mostravam a autoimolação e as tentativas desesperadas dos pedestres de apagar
as chamas. A jovem foi levada a um hospital público próximo, onde os médicos
tentaram salvá-la, mas ela sucumbiu aos ferimentos na manhã desta sexta-feira,
explicou a polícia. A jovem foi
supostamente estuprada por quatro homens, incluindo um membro de sua família,
em janeiro, e reportou o incidente à polícia. No entanto, um tribunal local de
Muzaffargarh arquivou o caso na quinta-feira, depois que um relatório da
polícia afirmou que Amina não havia sido estuprada, levando a adolescente a
tomar esta medida desesperada. ‘Nadir, o principal acusado no caso, era um
parente da vítima e eles tiveram uma briga familiar’, informou o oficial de polícia
Chaudhry Asghar Ali à AFP. ‘O caso foi investigado duas vezes e os
investigadores descobriram que a vítima não havia sido estuprada’, acrescentou.
A Suprema Corte do Paquistão exigiu nesta sexta-feira uma explicação sobre o
incidente, ordenando que os chefes da polícia da província e do distrito
compareçam pessoalmente ao Tribunal. A Corte ordenou que a polícia envie um
relatório explicando como o caso foi investigado e as razões pelas quais os
homens acusados foram inocentados. A porta-voz do chefe da polícia de Punjab
informou que uma equipe de investigação foi enviada à região para analisar o
caso. ‘Enviamos uma equipe de investigação à área e suspendemos os funcionários
da polícia que eram os responsáveis pelo caso’, declarou Nabeela Ghazanfar,
porta-voz do chefe da polícia de Punjab. A Comissão de Direitos Humanos do
Paquistão, independente, exigiu que o governo aja para garantir que os
criminosos sejam levados à justiça.” Uol http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2014/03/14/adolescente-paquistanesa-estuprada-morre-apos-atear-fogo-em-si-mesma.htm
A atitude
desesperada de Amina expõe uma chaga que não quer sarar, a violência física e
sexual contra mulheres muçulmanas, chaga comum a todos os países de prevalência
da cultura patriarcal e conservadora. Apesar da vítima ser uma jovem
paquistanesa, o enredo do crime do qual foi vítima e as motivações de seu
suicídio poderia nos levar a pensar sua ocorrência à muitos países, inclusive
do continente americano e da américa do sul. Basta ver o caso de Yakiri Rubio ,
uma garota mexicana que foi estuprada, matou um de seus agressores, foi presa e
vem sendo acusada de “excesso de legítima defesa”.
“Dois
homens a abordaram e tentaram fazê-la subir em sua moto. Quando ela os ignorou,
um dos homens desceu da moto e a forçou a subir. O piloto e o outro homem a
levaram alguns quarteirões à frente, até o Hotel Alcázar, localizado entre o
Departamento de Justiça da Cidade do México e a Arena México. Yakiri disse que
não conseguiu escapar porque estava sendo levada à força e que ficou assustada porque
o recepcionista do hotel, apesar de ver que ela estava sendo levada contra a
vontade, não os impediu. Então, aconteceu o estupro e a luta com facas. De
acordo com Yakiri, ela conseguiu pegar a faca de seu agressor e cortar a
garganta dele. Ele fugiu correndo, sangrando. De acordo com a família do
agressor, Miguel Angel Ramírez Anaya chegou em casa e morreu na frente dos
parentes, alguns metros de distância da entrada do Gabinete da Procuradoria. Yakiri
saiu do quarto do hotel seminua, procurando ajuda. Ela disse que nenhum
empregado do hotel quis ajudá-la. Ela entrou numa sorveteria, onde os
empregados lhe deram água e guardanapos para se limpar. Depois, ela encontrou
dois policiais e explicou o que tinha acontecido. Eles a levaram até o Gabinete
da Procuradoria, onde ela fez a queixa do estupro. Enquanto ela esperava, Luis
Omar Ramírez Anaya chegou, acusando-a de ter assassinado seu irmão. Eles foram
colocados na mesma sala. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da Cidade
do México, esse procedimento é completamente ilegal, porque a vítima de
violência sexual ‘deve sempre ser mantida numa área de espera separada, para
evitar qualquer contato com seu agressor’. Depois de 12 horas no Gabinete da
Procuradoria, Yakiri descobriu que seria presa, acusada de homicídio. E o que
aconteceu com os homens? Miguel Angel Ramírez Anaya está morto e Luis Omar
Ramírez está livre. Yakiri o acusou de sequestro e violência sexual, mas não há
uma ordem de prisão em nome dele até o momento. O Departamento de Justiça da
Cidade do México estaria supostamente investigando Luis Omar, mas, enquanto
isso, ele pôde depor contra Yakiri.” Andalucía Knoll em Vice http://www.vice.com/pt_br/read/yakiri-rubio-matou-seu-estuprador-agora-ela-pode-acabar-na-cadeia.
Yakiri - Reprodução de Vice |
Nos
parece que nos Estados Unidos é diferente;
“Se você acha que só na Índia os policiais tratam as vítimas de estupro que nem
merda, você está errado. Aos 19 anos, Sara Reedy trabalhava como caixa num
posto de gasolina no pequeno distrito de Cranberry, Pensilvânia, EUA. Uma
noite, um estuprador em série chamado Wilbur Brown abriu a porta da loja com as
mãos embrulhadas em papel celofane. Ele a obrigou a ir pra frente da loja e
fazer sexo oral nele enquanto apontava uma arma contra a cabeça dela. Não havia
câmeras de segurança. Depois ele voltou pra dentro com Sara, roubou cerca de
600 dólares do caixa e a trancou no escritório nos fundo da loja, aonde a
forçou a arrancar todos os fios das linhas de telefone à vista. Enrolado nesses
fios de telefone estava o cabo de energia do insuficiente sistema de segurança
do posto, um detalhe estranho que depois iria comprometer as chances de Sara
ter justiça. O escritório também tinha uma saída de emergência, pela qual Sara
conseguiu escapar. Ela procurou ajuda na oficina mecânica ao lado. Um dos
motoristas dos caminhões de reboque de plantão ligou pra polícia enquanto o
outro saiu com uma arma procurando o criminoso. O que se seguiu, mesmo
depois desse pesadelo, foi ainda pior. Sara foi acusada de mentir pra polícia.
Frank Evanson, o detetive que a interrogou ainda no quarto de hospital onde ela
estava sendo submetida aos exames do kit de estupro, a acusou de roubar o
dinheiro do caixa e fabricar a história do estupro pra se encobertar. Ela ficou
cinco dias presa e passou por oito torturantes meses de julgamento criminal.
Tudo isso enquanto estava grávida do primeiro filho. Wilbur Brown foi preso por
um crime similar um mês antes da data do julgamento de Sara, em 2005. Ele
confessou tanto a violência contra Reedy quanto o assalto, além de vários
outros estupros. Depois disso, Sara foi libertada e decidiu processar o
Departamento de Polícia de Cranberry. Mas o caso foi indeferido em 2009, depois
que o detetive Evanson apresentou provas afirmando que Sara puxou os cabos de
energia do sistema de segurança do posto uma hora antes do crime. Segundo ele,
ela havia arrancado o cabo pra roubar os 600 dólares e inventou a história do
estupro por mera diversão.” Natalie Elliott em Vice http://www.vice.com/pt_br/read/fui-estuprada-e-a-policia-disse-que-eu-tinha-inventado-tudo
Sara Reedy - Reprodução de Vice. |
Aqui no Ceará, no dia 12 de maio deste ano, um
tenente da Polícia Militar (PM) do Estado foi preso em flagrante acusado de
estuprar uma mulher. O flagrante foi realizado por uma equipe do Raio, na
Avenida José Bastos. O tenente
Tiago Cândido da Silva, da 3ª Companhia do 5º Batalhão da PM, estava de folga,
e se encontrava com uma mulher dentro de seu carro particular estacionado na
via. Os policiais do Raio ouviram os gritos de socorro da vítima e fizeram a
abordagem. O acusado se identificou como policial, tentando evitar a prisão,
mas o Raio realizou a detenção e encaminhou o tenente ao 12º Distrito Policial
(DP), onde foi realizado o flagrante. Por se tratar de um militar, Tiago
Cândido foi encaminhado ao Batalhão de Choque, onde se encontra preso. http://anaeufrazio.blogspot.com.br/2013/12/patriarcalismo-policia-estupros-militarismo-machismo.html
O que se vê sempre é,
independente do país ou continente, a culpabilização, a desqualificação, a
deslegitimação da vítima e os corriqueiros processos de coação, constrangimento
e humilhação nas delegacias de policia. Mas esse não é um mecanismo usado apenas
pela polícia é somente um processo de reprodução dos mecanismo de opressão
utilizado pela sociedade que é androcêntrica e machista.
Pesquisa realizada com
jovens, com idade variando entre 18 e 29 anos, revelara uma situação
preocupante, 4 entre 10 entrevistados, defendem literalmente o argumento de que mulheres que se vestem de forma
insinuante não tem o direito de
reclamar caso sofram violência sexual. Ainda foi registrado que pouco mais de 9% dos entrevistados concorda ou disse ser indiferente às agressões de
mulheres por conta da recusa a fazer sexo e pouco mais de 11% dos participantes
também se sente indiferente ao espaçamento de mulheres que traiu o
parceiro.
Então não me parece que a sociedade, através
do poder de polícia, está apta a coibir os estupros ou punir os agressores, já
que sem nenhum constrangimento parte da população não ver nenhum problema na
violência sexual.
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