Estou
começando a gostar dessas postagens em tom bastante pessoal. Sinto que ganho
mais liberdade e, de repente, um certo desprendimento com a minha auto imagem, perco o medo do
julgamento e me lanço mais aos leões – se é que eles existem – e deixo minha
impressões mais acessíveis.
Bem,
mas, contudo, todavia – e mais recentemente – conquanto, vou relatar uma
conversa, em tom bastante solene, que tive outro dia com meu marido – sim, eu
tenho marido – onde estabeleci quais xingamentos seriam permitidos entre mim e
ele. Contudo, antes disso preciso falar sobre minha história com relação à
percepção da opressão machista e sexista que sofremos sistematicamente e de que
forma, inconscientemente, expressamos e reproduzimos esta através dos
xingamentos e da nossa raiva.
Antes
de me tornar feminista, se é que posso considerar que em algum momento não o
tenha sido, não entendia que o meu tom de voz não precisava se alterar para que
eu expressasse minha raiva. Por conta disso, eu berrava e vomitava uma centena
xingamentos que, certamente, depois não tinha a menor ideia do que havia falado.
E, consequentemente, a ira me fazia dizer o que não queria e, não obstante, não
compreender a dimensão da mágoa que provocava. Até que um dia – sabe lá por que
cargas d’água – prestei atenção ao ditado popular que defende “grita quem não
tem argumentos”. Aí, uma centena de coisas e perguntas passaram pela minha
cabeça; mas por que eu, depois de quase 20 anos em sala de aula, muitos destes
aprendendo a me comunicar e resolver problemas, ainda tento expressar meus
sentimentos através do grito? Por que depois milênios de evolução ainda preciso
vociferar feito um urso para mostrar minha ira? Por que, apesar da existência
de trilhões de palavras e expressões, tento argumentar ou contra argumentar
através do grito, da careta ou da força?
Pois
bem, depois avaliar todas essas questões, e compreender que o grito é um
mecanismo de escuta completamente inútil – quando dois estão gritando ninguém
ouve ninguém e menos ainda presta atenção no que diz – resolvi adotar a não
agressão em qualquer situação. E pode ter certeza, o grito também é uma agressão.
E num é que eu abandonei o grito. Quer dizer, abandonar, abandonar num
abandonei não, mas só o utilizo quando estritamente necessário, embora compreenda
que o ideal é que o “estritamente necessário” não fosse necessário. Enfim,
depois de algumas sessões de porralouquice do meu interlocutor, e depois de
perceber que meu tom de voz baixo não é suficiente para acalma-lo, lanço mão do
grito, rapidamente seguido pelo tom de voz baixo, como meio traze-lo de volta a
“razão” e faze-lo prestar atenção nos meus argumentos – caso não funcione um
tapão no meio da cara resolve – ignore a expressão anterior, é o meu lado
violento se expressando. Quando percebo que a tática de tentar acalmar não
resolve apelo pra a ameaça de deixar a criatura falando sozinha, pedir para que
fale mais alto que não estou ouvindo ou simplesmente a ignoro e vou embora. Uma
coisa é certa, tento não entrar na vibe da pessoa e manter a minha capacidade
de dialogar e não desconsiderar que sou um ser racional, “logo, penso”.
O
interessante é que outro dia, em visita a um parente, observando a forma como
marido e mulher se tratavam fiquei intrigada. Percebi que o dialogo entre os
dois ocorria num tom de sair faíscas. Se não os conhece e estivesse vendo
aquele dialogo pela primeira vez teria certeza de que se tratava uma briga,
jamais pensaria que seria uma conversa normal. O tom que ambos usavam era
áspero, exaltado, queixoso, hostil. Pela primeira vez percebi que a comunicação
entre eles ocorria daquela forma e fiquei muito triste. Entristeci-me com o
casal e comigo, que já estava tão habituada com os gritos que não reconhecia as
nuances dessas falas exasperadas. Apesar disso, entendo que cada casal encontra
seus próprios mecanismos de convivência e por isso não interferi na maneira
como se comunicavam, embora compreenda que ela é danosa e fragiliza a relação.
Onde
eu estava mesmo? Ah! Sobre xingamentos e ser feminista, né mesmo? Eu nunca fui
o tipo de mulher submissa, recatada, frágil e todos esses estereótipos que
constroem como forma de aprisionar a mulher dentro de padrão que a torne
passível de controle. Sempre fui muito autoritária – defeito que venho
trabalhando há algum tempo – autêntica, meio niilista, um tanto quanto grossa,
de resolver qualquer problema sozinha (desde usar furadeira a serrote, de
trocar lâmpada e mexer nas tomadas a consertar tubulação d’água), embora,
algumas pessoas achem que sou feminina demais e bem dondoca. Também nunca
aceitei controle ideológico sobre minha sexualidade e menos ainda sobre a minha
vida pessoal. Até mesmo porque fui morar sozinha e tomar conta da minha vida as
18 anos. Por isso acho que sempre fui feminista.
Mas
enfim, considero que me tornei feminista de verdade depois de perceber que
muitas das coisas contra as quais lutava tinham um nome e uma causa, machismo e
pretendia oprimir e controlar nós mulheres. E lendo sobre feminismos, sobre
machismo e afins fui entendendo muita coisa que, aparentemente não faziam
sentido, como por exemplo, a necessidade que as pessoas têm de chamarem a
mulher de puta. Mas é lógico que isso não é gratuito, enche a mulher de medo de
exercer plenamente sua sexualidade e deixa o homem mais seguro, tanto com
relação ao medo de levar chifres quanto ao medo da comparação (se ele é bom de
cama, se tem o pinto pequeno, se é fino ou torto e por aí vai), mas também não
posso deixar de considerar outros motivos.
Portanto,
o estudo sobre feminismo me mostrou um universo imenso que até então eu
desconhecia, como os mecanismos ideológicos de controle da mulher, por exemplo.
E nesse sentido, certas nuances, sutilezas e minúcias passaram a ter
significado bastante expressivos e não passarem despercebidas. E agora vem a
parte dos xingamentos que falei lá no início da postagem e começo perguntando;
qual o sentido de xingar alguém o mandando a “puta que pariu” ou o mandando
“tomar no cú”? Ou, por que sempre que queremos xingar um homem ofendemos uma
mulher? E por qual motivo xingarmos praticando homofobia?
Vejam
exemplos de xingamentos com os quais tentamos ofender os homens: “vá à puta que
te pariu”, “filho de uma puta ou quenga”, “filho de uma égua ou vaca”, “corno”,
“perdeu a mãe na zona”, “filho de uma arrombada”...
Ou
os xingamentos homofóbicos: “viado”, “vai tomar no cú”, “boiola”, “rosca”,
“mulherzinha”, “Zé ruela”...
Perceberam
que a imensa maioria dos xingamentos busca ofender os homens desqualificar as
mulheres através da sua sexualidade ou a homossexualidade, reproduzindo a
opressão contra a sexualidade feminina ou a “desviante” do padrão hetero?
Por
esse motivo, a partir da conversa que tive com meu esposo, ficou estabelecido
que entre mim e ele não rolariam xingamentos homofóbicos e nem sexistas.
E
veja em que nível chegamos; estamos construindo a lista de expressões ofensivas
permitidas. Bem louco mesmo!
“vá
se lascar ou se fuder” em substituição ao “vá tomar no cú”
“Vá à
casa do caralho” ¨ “vá à puta que te pariu”
“Escroto(a)” ¨ “puta, corno e outros”
“Fudido
(a)” ¨ “vadia, boiola e outros”
“Cuzão” ¨ “vaca, zé ruela, ruela”
E
outras mais, quem tiver a fim complete a lista...
Agora
galera, na boa... acho importante dizer que não pretendo fazer uso delas,
exceto quando extremamente necessário. Entretanto, prefiro achar que não será
necessário
Mas,
honestamente, mesmo, não estamos construindo lista alguma, acho que somos
articulados o suficiente spara dialogarmos ao invés de nos xingarmos...
7 comentários:
Também penso nisso. Até pra ofender os opressores a gente ofende os oprimidos por tabela. Mas sabe o que realmente ofende homem, mais do que tudo? Brocha.
Ir pra casa do caralho e ser umx "fodidx" tambem tem conotação sexista.
Cuzão é homofóbico também.
Acho linda a preocupação com esses detalhes opressores, no entanto concordo com o que foi dito: "Ir pra casa do caralho e ser umx "fodidx" tambem tem conotação sexista.
Cuzão é homofóbico também.".
Que texto bosta, mais bosta ainda essas mulheres que comentaram que brocha é ofensa haha. Crianças.
Que merda. Não há nada mais interessante pra fazer do que ficar escolhendo xingamentos? Opressão de cu é rola. Bando de mimizentos de cidade grande. Vão carpir um lote.
Toda vez (ou seja, de 5 em 5 minutos) que escuto alguém usando a palavra "puta", mas mais variáveis combinações, me vem às cabeça: "ninguém nota que essa expressão é machista?" Vindo de homens e mulheres, quase na mesma proporção. Acho que essa questão deve ser colocada mais em pauta. Já tá mais do que na hora das pessoas se tocarem.
Perdão: "nas mais" e "à cabeça".
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