Uma
das frases que mais me incomoda com relação a homofobia é “não tenho nada
contra gay, desde que...”, há sempre condicionantes e uma forma desrespeitosa
de tratar a homossexualidade. Uma delas é negar sua identidade.
Lucas
é um transexual – mulher para homem – de 18 anos que está cursando o ensino
médio numa escola técnica de Fortaleza, adotou nome social masculino, está
aguardando ser atendido por um endocrinologista no Hospital Mental de Messejana
para realizar sua hormonização e completar sua transição, já que somente lá que
fornecem ajuda aos transexuais gratuitamente. Ele, que se descobriu trans por
volta de três anos atrás, mas somente há três meses resolveu se assumir, já tem
muitas das características masculinas e se veste normalmente como homem. Sua
família conhece sua condição e o apoia na completa transição para o gênero
masculino. O conheço de reuniões e eventos para tratar de questões referentes a
gênero, mantemos contato também através das redes sociais e foi justamente a
partir delas que tomei conhecimento das dificuldades que Lucas vem enfrentando
com relação a sua condição na instituição onde estuda. Perceba através do seu
próprio relato o que lhe ocorre,
“Passei um tempo
da minha vida longe de todos e tudo, porque chegou um momento em que comecei a
me sentir excluído até na minha própria roda de amigos. Sei que me acham
estranho, sei que recebo alguns ruins olhares aonde eu vou, em toda minha vida
eu sempre fui julgado por pessoas que acham que o seu conceito de vida é o
correto pra sociedade, até o dia em que entrei para o ... (escola onde estuda),
conheci varias pessoas com diferentes estilos,
gostos, conceitos, religião. Achei que meu problema social iria mudar, erro
meu. Foi exatamente lá que a falsidade começou a rolar, uns dizendo "sou
'amigo' mas não aceito, só respeito" outros dizendo "como devo
chamar? Criatura?" [sic]e outros fuxicando "será mesmo que isso é
necessário?" RIDÍCULOS, IGNORANTES, vocês tem internet mas não sabem fazer
nada útil nesta droga, só sabem ver pornô e ficar no facebook. RIDÍCULOS. Eu
cansei dessa vida social medíocre, cansei de gente falsa e de pessoas que não
tem o que fazer e ficam falando da vida alheia, prefiro meus jogos, livros,
filmes e seriados, se quiserem falar comigo na sinceridade e honestidade venham
falar no bp, peçam meu numero, porque eu não vou mais atrás de falar com
NINGUÉM, não sei quem são vocês e quem são os amigos de verdade.”
Lucas se refere a transfobia que vem sofrendo dos próprios colegas estudantes:
“Olha, eu nunca desrespeitei NINGUEM, então eu quero que me respeitem também, nunca dei motivo algum pra ninguém sair me adicionando pra depois ficar me exculhambando ou praticando a Transfobia [sic]. Entendam, meu nome é “Lucas”. Jamais repitam o maldito nome que ainda se encontra no RG, e por gentileza, sem brincadeirinhas viu “xiquinha”? Porque existe hora e lugar pra isso e aqui ta passando é longe. Vocês não sabem do sofrimento que é pra um transexual quando ficam de zoaçao pra cima da gente, dói, machuca. Então, PAREM, PAREM PAREM, porque eu tou exausto disso. “
Lucas se queixa da insistência de alguns colegas lhe tratarem pelo nome de registro. Além disso, seus colegas reforçam a recusa justificando que o nome deve estar alinhado ao sexo biológico designado no nascimento e no registro. Atitudes caracterizadas como transfobia.
“ela dava apoio até um dia desses, sabe? Depois de repente começa a me esculhambar, eu ja tinha deletado ela do face, mas ela continuou a me encher pelo bate papo, daí tive que bloqueá-la, mas ela não foi a primeira, pra falar a verdade ela foi a quinta que praticou esse ato tão nojento e isso apenas de tarde, imagina sofrer ataques assim todos os dias em todas as redes sociais? “Zezinha” bicha faz inveja não, vou me operar também e.e”
Podemos
perceber que os colegas de escola o perseguem, não respeitam sua identidade. Apesar
disso, o maior problema que ele enfrenta é a dificuldade
de convencer seus professores a respeitarem seu nome social. Então podemos
perceber que é um ciclo, os professores violam seu direito de ser tratado pelo
nome social negando-lhe sua identidade. Essa atitude “legitima”, perante (a)os
alunos(as), a transfobia, reforçando o bullying e o comportamento hostil dos
colegas de classe. Então constrói-se um ciclo que se retroalimenta e não cessa.
É necessário que a administração da escola reveja sua
posição e adote um tratamento respeitoso e humanizado a Lucas, que convença
seus professores a trata-lo por seu nome social
"Entende-se
por nome social aquele pelo qual travestis e transexuais se reconhecem, bem
como são identificados por sua comunidade e em seu meio social", conforme
Decreto 51.180, de 14 de janeiro de 2010, que dispõe sobre a inclusão e uso do
nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais
relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta
do município de São Paulo. Patrícia Araújo em reportagem para o Consultor jurídico.
Aparentemente,
a recusa em respeitar e adotar o nome social e os pronomes de tratamento
equivalentes, pode ser uma atitude sem maiores consequências, no entanto, se configura
como um grave problema e é um principais fatores que leva à evasão escolar. É
justamente o que veem ocorrendo à Lucas,
que aos poucos tem se afastado da instituição. O afastamento da escola é uma das atitudes
tomadas por quem sofre bullying, seja por conta da homofobia ou em decorrência
de qualquer outra “diferença”, como o racismo, por exemplo. Como continuar
frequentando as aulas se sua dignidade é violada sistematicamente? Ser tratado
pelo nome social é o mínimo de respeito que o transexual ou travesti espera das
pessoas do seu convívio e já é, em muitos estados, um direito.
“Entao, seria interessante
pro ... porque é o primeiro caso transexual. Porém eu mesmo já desisti do
curso, pela transfobia e por não ser o que eu realmente desejo, então vou muito
pouco e quando vou, na hora da chamada eu saio. Eu fico totalmente sem graça.” Lucas.
“Quando ele (o professor) me chamava na sala de aula do nome o qual não
condiz com a minha aparência, me trazia constrangimento e às vezes servia até
de bullying para os colegas. Em vez de me agregar na escola, me expulsava da
escola. Terminou que eu parei de estudar porque era muito preconceito, muita
transfobia dentro da sala de aula”, Milena, atual presidente da Associação
dos Travestis.
“Para o Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), a não utilização do nome
social está entre os principais fatores que contribuem para aumentar o índice
de evasão escolar entre homossexuais. Francisco Pedrosa, presidente da
instituição, explica que esse nome é construído a partir de uma identidade de
gênero que o travesti adquire ao longo de sua vida. Por isso, não tem sentido
que seja chamado pelo nome masculino.” Luana
Lima em reportagem do Diário do Nordeste.
Aqui no estado do Ceará já há uma resolução regulamentando adoção do nome social na escola.
“Travestis e transexuais podem utilizar nome social em escolas e universidades do Ceará. É o que determina a resolução publicada no Diário Oficial do Estado na última quinta-feira (3). O texto deixa claro que, em respeito à cidadania, ao pluralismo e à dignidade da pessoa humana, além do nome civil, as escolas deverão incluir, quando solicitado, o nome social de travestis e transexuais, que é como essas pessoas preferem ser chamadas, em todos os registros da instituição. Para isso, o estudante deverá ser maior de 18 anos e manifestar o desejo de ser tratado pelo nome social no ato da matrícula ou a qualquer momento no decorrer do ano letivo. Os que não atingiram a maioridade legal também podem solicitar a inclusão, desde que venha acompanhada de uma autorização, por escrito dos pais ou responsáveis, ou por decisão judicial. Após a requisição, a instituição tem o prazo de 30 dias para incluir o nome social nos registros internos da instituição. Entretanto, a resolução ressalta que, nos documentos oficiais, tais como declarações, certidões de histórico escolar, certificados e diploma, constará somente o nome civil do aluno. [...] O presidente do Grab afirma que essa resolução vem reparar uma dívida histórica de uma questão básica de direitos humanos, que é a utilização do nome social por parte de travestis e transexuais. Pedrosa diz que, por tratar-se de uma pessoa feminina, torna-se constrangedor para ser chamada pelo nome civil.” Luana Limaem reportagem do Diário do Nordeste.
Apesar
dos problemas que Lucas enfrenta com alguns de seus colegas e professores, ele tem apoio, carinho e solidariedade de
alguns dos seus colegas. Eles construíram um grupo no qual se apoiam e encontram
forças para lidar com as dificuldades do dia-a-dia. Vários de seus colegas o aceitam, se solidarizam com ele e até partilham os mesmos problemas enfrentados
por ele e lutam ao seu lado para combater a homofobia. Decerto que é um desafio
árduo e uma luta sem tréguas. Afinal, a mudança de uma cultura demanda tempo.
Entretanto, paradigmas vão sendo desconstruídos, a cultura de tolerância se formando
e uma sociedade melhor brotando a partir dessas lutas e conquistas. Parabéns
meninxs, vocês são verdadeirxs guerreirxs, inclusive você Lucas e estão
construindo uma linda história.
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