domingo, 23 de março de 2014

Violência obstetrícia ou no parto, há punição.



Há algum tempo atrás escrevi um post sobre violência obstetrícia, um tema que me interessa bastante e que também me afetou hoje me sinto profundamente que já se tenha estabelecido jurisprudência no sentido de punir o Estado em casos de violência cometida contra a mulher durante o parto.


O primeiro caso de condenação do Estado por morte materna durante o parto ocorreu ainda em 2011, mas o pagamento da indenização pela morte de Alyne Pimentel, de 27 anos, à sua mãe estava prevista pra ocorrer na próxima terça-feira.  

Em 2002, 1.655 mulheres morreram por complicações na gravidez. Uma delas foi a vendedora Alyne Pimentel, de 27 anos. Aos seis meses de gestação de Ester, sentiu-se mal e procurou a maternidade em que fazia pré-natal, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense. Alyne sangrou quase um dia inteiro, até ser transferida para um hospital. Foi reanimada. Como não enviaram a ficha médica, passou 8 horas no corredor. Morreu em 16 de novembro. Na véspera, Ester havia sido enterrada.[...] Nesta terça-feira, a mãe de Alyne, Maria de Lourdes Pimentel, de 64 anos, vai receber indenização do governo federal. O caso, considerado emblemático por reunir uma série de problemas enfrentados por mulheres de todo o Brasil, foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2011, o Brasil foi condenado pela morte de Alyne - primeiro caso de mortalidade materna julgado pelo Comitê da ONU para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres (Cedaw, na sigla em inglês). Lourdes já sabe o que vai fazer com o dinheiro: contratar um plano de saúde.[...] O que aconteceu com a vendedora de 27 anos é uma história já conhecida - pré-natal precário, instituições sucateadas, médicos despreparados. Com forte crise de vômito e dores, procurou a clínica em que era atendida, conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Foi medicada com remédios para náusea, vitamina B12 e cremes vaginais.[...] Voltou ao ambulatório dois dias depois. O coração de Ester já não batia. Uma ultrassonografia - que teve de ser paga pela família, apesar do convênio com o SUS - mostrou que a bebê estava morta.[...] Alyne estava com hemorragia. A instituição não tinha Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ambulância, setor de transfusão de sangue. Somente às 20h, a vendedora foi transferida para o Hospital Geral de Nova Iguaçu, referência para a Baixada Fluminense. Chegou com parada cardiorrespiratória e precisou ser reanimada. "Os médicos me disseram: ‘Não fizeram nada por ela’." Alyne entrou em coma e morreu no dia seguinte. Clarissa Thomé - O Estado de S. Paulo. 

A violência obstétrica é a imposição de intervenções danosas à integridade física e psicológica das mulheres nas instituições e por profissionais em que são atendidas, bem como o desrespeito a sua autonomia. Tais intervenções, praticadas de forma rotineira no momento do parto são consideradas, de acordo com as diretrizes da OMS (1996), como um fator de risco tanto para a mulher como para o bebê. Crenças e preconceitos a respeito da sexualidade e saúde das mulheres presentes na sociedade patriarcal contribuem com a forma como são vistas e (des)tratadas por estes profissionais. A violência obstétrica implica em violações de direitos humanos, como o direito a integridade corporal, à autonomia, a não discriminação, à saúde e a garantia do direito aos benefícios do progresso científico e tecnológico. A necessidade de informação e formação das mulheres é a forma existente para prevenir e erradicar a violência obstétrica. Artemis.        

Informação contidas no site da Artemis colocam que o objetivo da organização é “mudar o grave cenário que é a assistência ao nascimento no Brasil”. Artemis foi fundada no ano de 2013 no Brasil como uma associação não governamental cujo objeto social é “prevenir e erradicar a violência obstétrica”. A Associação trabalha prol da autonomia feminina.

Ainda sobre a violência obstétrica, pode parecer surreal falar sobre violência cometida durante o parto, entretanto, isso ocorre com enorme frequência. Através dos relatos que esporadicamente escutamos temos uma breve noção do que seja violência obstétrica. Quem nunca ouviu uma mulher contar que, na hora do parto, os médicos e enfermeiras mandam as parturientes pararem de reclamar já que na hora de fazer as crianças essa não choraram? Ou que tiveram de andar até a sala de parto se acabando de dor e até mesmo proibiram a entrada de um parente?
 
Essas situações são tão comuns que a gente nem encara como violência. Entretanto, essas atitudes são as mais comuns formas de humilhações e agressões à parturiente, como também são violações aos seus direitos e se caracterizam como violência obstétrica. Naturalmente, se essas fossem as formas mais graves de violações já seriam inadmissíveis. No entanto, os casos de brutalidade contra a parturiente e o nascituro atingem níveis impensáveis de crueldade. E essa crueldade é cometida por aquelas mesmas pessoas que são contra o aborto e a favor da vida, que defendem a gravidez até em caso de estupro, pois, a criança não pode ser penalizada, que acham que a gravidez e o parto dádivas de Deus...

Quem ainda não esta familiarizado com o assunto pode se chocar com os relatos de casos de negligencia, desrespeito, agressões e humilhações cometidos durante o parto, mas até pra quem já estuda o assunto eles podem se chocantes sim. Abaixo há um apanhado de dados e relatos que foram coletados por Ana Carolina A. Frazon e Lígia Moreira Sena. Elas contaram com a colaboração de 74 blogueiras na realização da pesquisa com suas leitoras. Ao todo, 1966 mulheres realizaram o “Teste informal de avaliação do atendimento obstétrico”.  Através de respostas anônimas dadas entre 08 de março a 15 de abril de 2012, as mães avaliaram seus partos. 

Os dados colhidos durante o estudo revelaram uma situação preocupante, 47% das mães responderam que sofreu algum tipo de violência obstétrica e 57% teve medo pela sua saúde ou do bebê, se sentiu ameaçada ou deixou de perguntar alguma coisa por medo da reação dos profissionais envolvidos. Das entrevistadas, 55% não foi consultada a respeito de todos os procedimentos realizados durante o parto e em somente 47% dos casos, a parturiente teve acompanhante em toda estadia no hospital. 

Logo após o nascimento, ainda na sala de parto, antes dos primeiros cuidados com o bebê, 52% das mães não tiveram contato com o bebê, apenas o viram. 17% se sentiram com raiva porque se sentiu vulnerável e achou que foi mal atendida, e 31% se sentiram frustrada porque o parto e nascimento não transcorreram como planejado. Para ver os dados e os depoimentos na íntegra acesse. Violência Obstetrícia.  

A decisão de punir o Estado por essas práticas suscita a esperança de que logo possamos realmente vivenciar a experiência do parto de maneira bem mais tranquila e satisfatória, e principalmente, sob o jargão da saúde, humanizado. A jurisprudência criada a partir desse caso poderá provocar um cuidado e atenção que hoje ainda não é dispensado às parturientes tanto por parte do Estado, como do hospital, além, é claro, da equipe médica.






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