Há algum
tempo atrás escrevi um post sobre violência obstetrícia, um tema que me
interessa bastante e que também me afetou hoje me sinto profundamente que já se tenha estabelecido jurisprudência no
sentido de punir o Estado em casos de violência cometida contra a mulher durante
o parto.
O primeiro
caso de condenação do Estado por morte materna durante o parto ocorreu ainda em
2011, mas o pagamento da indenização pela morte de Alyne Pimentel, de 27 anos,
à sua mãe estava prevista pra ocorrer na próxima terça-feira.
“Em
2002, 1.655 mulheres morreram por complicações na gravidez. Uma delas foi a
vendedora Alyne Pimentel, de 27 anos. Aos seis meses de gestação de Ester,
sentiu-se mal e procurou a maternidade em que fazia pré-natal, em Belford Roxo,
na Baixada Fluminense. Alyne sangrou quase um dia inteiro, até ser transferida
para um hospital. Foi reanimada. Como não enviaram a ficha médica, passou 8
horas no corredor. Morreu em 16 de novembro. Na véspera, Ester havia sido
enterrada.[...] Nesta terça-feira, a mãe de Alyne, Maria de Lourdes Pimentel,
de 64 anos, vai receber indenização do governo federal. O caso, considerado
emblemático por reunir uma série de problemas enfrentados por mulheres de todo
o Brasil, foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2011, o
Brasil foi condenado pela morte de Alyne - primeiro caso de mortalidade materna
julgado pelo Comitê da ONU para Eliminação de todas as Formas de Discriminação
Contra Mulheres (Cedaw, na sigla em inglês). Lourdes já sabe o que vai fazer
com o dinheiro: contratar um plano de saúde.[...] O que aconteceu com a
vendedora de 27 anos é uma história já conhecida - pré-natal precário,
instituições sucateadas, médicos despreparados. Com forte crise de vômito e
dores, procurou a clínica em que era atendida, conveniada ao Sistema Único de
Saúde (SUS). Foi medicada com remédios para náusea, vitamina B12 e cremes
vaginais.[...] Voltou ao ambulatório dois dias depois. O coração de Ester já
não batia. Uma ultrassonografia - que teve de ser paga pela família, apesar do
convênio com o SUS - mostrou que a bebê estava morta.[...] Alyne estava com
hemorragia. A instituição não tinha Unidade de Terapia Intensiva (UTI),
ambulância, setor de transfusão de sangue. Somente às 20h, a vendedora foi
transferida para o Hospital Geral de Nova Iguaçu, referência para a Baixada
Fluminense. Chegou com parada cardiorrespiratória e precisou ser reanimada.
"Os médicos me disseram: ‘Não fizeram nada por ela’." Alyne entrou em
coma e morreu no dia seguinte. Clarissa Thomé - O
Estado de S. Paulo.
“A violência obstétrica é a imposição de intervenções danosas à
integridade física e psicológica das mulheres nas instituições e por
profissionais em que são atendidas, bem como o desrespeito a sua autonomia.
Tais intervenções, praticadas de forma rotineira no momento do parto são
consideradas, de acordo com as diretrizes da OMS (1996), como um fator de risco
tanto para a mulher como para o bebê. Crenças e preconceitos a respeito da
sexualidade e saúde das mulheres presentes na sociedade patriarcal contribuem
com a forma como são vistas e (des)tratadas por estes profissionais. A
violência obstétrica implica em violações de direitos humanos, como o direito a
integridade corporal, à autonomia, a não discriminação, à saúde e a garantia do
direito aos benefícios do progresso científico e tecnológico. A necessidade de
informação e formação das mulheres é a forma existente para prevenir e
erradicar a violência obstétrica. Artemis.
Informação contidas no site
da Artemis colocam que o objetivo da organização é “mudar o grave cenário
que é a assistência ao nascimento no Brasil”. Artemis foi fundada
no ano de 2013 no Brasil como uma associação não governamental cujo objeto
social é “prevenir e erradicar a violência obstétrica”. A
Associação trabalha prol da autonomia feminina.
Ainda sobre a violência obstétrica, pode parecer
surreal falar sobre violência cometida durante o parto, entretanto, isso ocorre
com enorme frequência. Através dos relatos que esporadicamente escutamos temos
uma breve noção do que seja violência obstétrica. Quem nunca ouviu uma mulher
contar que, na hora do parto, os médicos e enfermeiras mandam as parturientes
pararem de reclamar já que na hora de fazer as crianças essa não choraram? Ou
que tiveram de andar até a sala de parto se acabando de dor e até mesmo
proibiram a entrada de um parente?
Essas situações são tão comuns que a gente nem
encara como violência. Entretanto, essas atitudes são as mais comuns formas de
humilhações e agressões à parturiente, como também são violações aos seus direitos
e se caracterizam como violência obstétrica. Naturalmente, se essas fossem as
formas mais graves de violações já seriam inadmissíveis. No entanto, os casos
de brutalidade contra a parturiente e o nascituro atingem níveis impensáveis de
crueldade. E essa crueldade é cometida por aquelas mesmas pessoas que são
contra o aborto e a favor da vida, que defendem a gravidez até em caso de
estupro, pois, a criança não pode ser penalizada, que acham que a gravidez e o
parto dádivas de Deus...
Quem ainda não esta familiarizado com o assunto
pode se chocar com os relatos de casos de negligencia, desrespeito, agressões e
humilhações cometidos durante o parto, mas até pra quem já estuda o assunto
eles podem se chocantes sim. Abaixo há um apanhado de dados e relatos que foram
coletados por Ana Carolina A. Frazon e Lígia Moreira Sena. Elas contaram com a
colaboração de 74 blogueiras na realização da pesquisa com suas leitoras. Ao
todo, 1966 mulheres realizaram o “Teste informal de avaliação do atendimento
obstétrico”. Através de respostas
anônimas dadas entre 08 de março a 15 de abril de 2012, as mães avaliaram seus
partos.
Os dados colhidos durante o estudo revelaram uma
situação preocupante, 47% das mães responderam que sofreu algum tipo de
violência obstétrica e 57% teve medo pela sua saúde ou do bebê, se sentiu
ameaçada ou deixou de perguntar alguma coisa por medo da reação dos
profissionais envolvidos. Das entrevistadas, 55% não foi consultada a respeito
de todos os procedimentos realizados durante o parto e em somente 47% dos
casos, a parturiente teve acompanhante em toda estadia no hospital.
Logo após o nascimento, ainda na sala de parto,
antes dos primeiros cuidados com o bebê, 52% das mães não tiveram contato com o
bebê, apenas o viram. 17% se sentiram com raiva porque se sentiu vulnerável e
achou que foi mal atendida, e 31% se sentiram frustrada porque o parto e
nascimento não transcorreram como planejado. Para ver os dados e os depoimentos
na íntegra acesse. Violência Obstetrícia.
A decisão de punir o Estado por essas práticas suscita
a esperança de que logo possamos realmente vivenciar a experiência do parto de
maneira bem mais tranquila e satisfatória, e principalmente, sob o jargão da
saúde, humanizado. A jurisprudência criada a partir desse caso poderá provocar
um cuidado e atenção que hoje ainda não é dispensado às parturientes tanto por
parte do Estado, como do hospital, além, é claro, da equipe médica.
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