“Ai que saudade da Amélia”, letra de Mário
Lago e música de Ataulfo Alves, tornou-se sucesso no carnaval de 1942.
A letra descreve duas mulheres, uma que é insatisfeita com a situação financeira do casal e a outra resignada e submissa. Teríamos duas mulheres diametralmente opostas?
A
Amélia de 1942 era conformada com a condição social do marido, solidária a ele;
abdicava de sua aparência pra cuidar do marido e dos filhos; rejeitava a
condição de mulher pra viver tão somente o papel de mãe e esposa; viveu a
situação de miséria resignadamente, aceitando de bom grado todos seus dramas e
dilemas. Não exigia, reclamava e nem resmungava. E portanto, Amélia era a
mulher “ideal”, a mulher de “verdade”.
A outra
(que vou chamar de Patrícia) de aspirações pequeno-burguesas, não se conformava
com sua condição social; exigia que o marido lhe fizesse as vontades e, por isso,
era problemática. Era vaidosa e lhe fazia coisas que preferia não comentar.
Situação que não passaria ao lado de Amélia.
Caso
se tratasse de um casal real; o que teria levado Patrícia substituir a “mulher
de verdade”?
Provavelmente
a morte de Amélia. Seria improvável que o casal houvesse separado, porque ela
não deixaria filhos e marido. E tampouco ele a abandonaria, já que ela era o
estereótipo da mulher ideal. Também havia a conjuntura política. O casal teria
vivido em plena era Vargas, durante o Estado Novo, de cunho fascista. O presidente
Vargas fazia apologia ao “chefe de família” e a “mulher do lar”, valores também
propagados pela igreja, fatores que desestimulava os casais a se divorciarem.
Então,
como Patrícia foi parar nos braços de um homem que não teria condições
materiais de lhe satisfazer os desejos?
A priori,
Patrícia poderia ser tão inconsequente que não levou em consideração a situação
financeira do noivo antes de dizer “Sim”. Outra possibilidade seria o arranjo
entre o pai e o viúvo, prática que durou até bem pouco tempo. Não que o acordo
possa ter se efetivado a revelia ou sem a anuência de Patrícia, nessa época era
comum que as mulheres no ímpeto de saírem do jugo dos pais se submetessem a
qualquer casamento. E por último, o amor romântico, que hipoteticamente
sobrevive a qualquer obstáculo.
No
contexto atual a música foi alçada a condição de hino machista. Embora, Mario
Lago defenda que não teria sido essa sua pretensão. Lago se dizia a favor dos
ideais igualitários e que Amélia era uma apologia à mulher companheira em
contraposição a “dondoca”, tipo de mulher que afirmava não suportar.
Entretanto,
Amélia permanece representando o estereótipo da mulher submissa e resignada.
Amélia se resigna face aos ditames do marido e o apoia incondicionalmente. Antes
de qualquer outro papel Amélia é a mãe e esposa fiel. É, Amélia não trai e não
se importa com as “raparigagem” do marido. Doa o sangue pra ajudar nas finanças
do casal. Ela faz todas as atividades domésticas (afinal, esse serviço não é
pra homem) e cuida dos filhos e marido. E, diferentemente da Amélia de 1942,
ela ainda trabalha fora.
Amélia
acata com resignação os insultos do esposo (e até as agressões físicas) e
compreende que ele o fez porque estava irritado ou bêbado. Amélia não tem
passado. Não, ela não teve outros parceiros, “não conheceu outro homem”. Amélia
cede sempre que o marido sexualmente a solicita. Quando muito, justifica sua
recusa a suposta dor de cabeça. Mas ela nunca diz simplesmente que não esta afim
ou que não esta no clima. Amélia permanece a “santa” a “imaculada”, a “puta na
cama” e “dama na sociedade”. E a Amélia continua sendo a mulher “ideal” e a
“mulher de verdade”.
Já
Patrícia é exigente, perdulária e vaidosa. Gosta de luxo. Não acha bonito não
ter o que comer e o vestir, pelo contrário, é aspirante à categoria de pequeno-burguesa,
gostaria de ter luxos e não poupa esforços pra obtê-los do marido, ou pelo
menos tentar. Ela é incompreensiva, não entende que o marido não pode lhe fazer
as vontades. Ela é mimada, egocêntrica e fútil, privilegia o “ter ao ser”.
Patrícia
incomoda pelo inconformismo com sua condição social e não por afrontar o status quo e ameaçar os ideais machistas.
Sua ambição ameaça tão somente o “macho” que a possui, já que corre o risco de
ser trocado por outro de estrato social superior. Patrícia se coisificou, tornou-se a
bonequinha de luxo e fetiche que está à venda a quem der mais. Ela vive em
função de sua vaidade, e sua aparência é sua mais-valia. Apesar do
inconformismo, lamentavelmente, Patrícia não se emancipou dos apelos machistas,
que tornam a mulher produto de consumo. Assim como Amélia, Patrícia, tornou-se
a mulher “ideal”, já que ambas não questionam, não se rebelam e não tentam
derrubar a ditadura machista.
Fonte:http://www.sul21.com.br/jornal/2011/07/mario-lago-%E2%80%9Cfiz-tudo-o-que-foi-possivel%E2%80%9D/.
http://passeandopelocotidiano.blogspot.com.br/2011/08/historia-por-tras-da-musica-ai-que.html.
Imagens: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQdOb1dEA1iC3ST0kFebWFr202rO1Pfd2qtjJtM7PuUvaBMNFMqgVvtFPb9UOa2iwTkBEB98N0mVm0qx42R5aln4hVv97c8HQ_iCL9ITxzlUoaJsNQCLJoozDsPg38rsNgaPRS1YNhKo4/s400/empregada-domestica2.jpg.
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1 comentário:
EM MINHA OPINIÃO TEM GENTE INTERPRETANDO ESTA IMAGEM DE FORMA ERRONIA, NÃO VEJO QUE A MULHER ESTA CONFORMADA COM ESTA SITUAÇÃO! A CLASSE TRABALHADORA NÃO TEM GÊNERO, TODOS SÃO EXPLORADOS PELO CAPITAL POR ISSO TEM QUE LUTAR, LUTAR ATÉ A VITÓRIA!
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