Às vezes
nos deparamos com uma discussão chata, porém necessária, a “indispensabilidade”
dos empregados domésticos.
Historicamente,
os serviços braçais eram designados aos escravos. Desde a colonização do país
eram os pretos responsáveis pelos serviços domésticos e na lavoura.
“Durante o Brasil Colonial, a
mão-de-obra escrava foi de suma importância para a exploração das riquezas.
Portugal – pretendendo dar sustentação ao seu modelo de colonização
exploratória – buscou na exploração da força de trabalho dos negros uma
rentável alternativa. Além de viabilizar a exploração das terras brasileiras, o
tráfico negreiro potencializou o desenvolvimento de outras atividades
econômicas... A rotina de trabalho imposta aos escravos era extremamente
pesada. Todo tipo de trabalho braçal era destinado a esses trabalhadores... Uma
minoria dos escravos não partilhava dessa dura realidade. Alguns escravos de
maior confiança eram utilizados para as tarefas em ambiente doméstico e dormiam
em instalações próprias... Sendo uma experiência histórica que marcou o
desenvolvimento de toda a sociedade brasileira, a escravidão ainda reverbera
com bastante força na contemporaneidade. A questão do preconceito racial ainda
reflete o sectarismo que definiu a posição subalterna reservada aos negros.
Hoje em dia, movimentos de afirmação da identidade negra e ações governamentais
tentam dar fim a esse processo de exclusão constituído ao longo de séculos.
Mundo da Educação.” Mundo da Educação.
Nesse
sentido a o serviço braçal ainda esta associado a atividade indigna,
estigmatizada e de menos valia.
“A cultura açucareira deixou marcas
da escravidão na nossa sociedade, arraigadas até hoje. Naquele tempo, em que o
rio Capibaribe era o lugar nobre de passeio das sinhazinhas, lugar de banho,
temos a triste memória, retratada na história e nas pinturas da época, dos
tigres. Negros escravos carregando dejetos das casas senhoriais para jogar no
mar, num tempo em que o banho de mar não era valorizado. A herança maior da
escravidão perdurou no trabalho doméstico. As empregadas domésticas foram
estigmatizadas de piniqueiras, função em tudo semelhante a dos tigres.
Estupradas pelos descendentes dos senhores de engenho mal saídos da
adolescência no recinto dos lares cristãos ainda um século depois da abolição.
Heranças da escravidão são as tristes marcas que nos deixam à margem dos
índices de civilização do mundo. Por isso, salve a PEC das domésticas!”
Embora
as condições de trabalho do empregado doméstico tenham melhorado, ele ainda não
deixou de estar associado a herança do regime escravocrata e do colonialismo no
nosso país. A patroa ainda trata a empregada como vassalo, submetendo-a a
extenuante jornada de trabalho e se recusando a pagar o básico dos direitos
trabalhistas, sem falar da forma desrespeitosa como são tratadas, inclusive
sendo assunto preferido durante as rodas de conversa das patroas. Em sua
maioria a relação entre patrão e doméstica não ocorre de forma profissional, esteve e está
quase sempre associado a exploração da miséria, onde as meninas que
estavam em situação de extrema pobreza eram obrigadas a servidão como meio de
escapar da fome. Como os bolsões de miséria diminuíram, a facilidade de ter uma
“menina ajudando” nas atividades domésticas também diminuiu. Como diria uma
amiga “depois do bolsa família esse povo não quer mais trabalhar não”. Leia-se:
depois do bolsa família as pessoas pobres não se submetem a trabalhar em troca
de um prato de comida.
“O Brasil se acostumou à abundância
de trabalho doméstico ao longo de quase 200 anos. Mesmo antes da abolição da
escravidão, em 1888, moças de todas as raças migravam do campo para as cidades,
a fim de trabalhar para famílias mais ricas, escapar da pobreza e aumentar a
chance de encontrar um bom marido. Eram enredadas em relações de caráter dúbio,
meio de trabalho, meio familiar, num novelo de padrinhos, madrinhas, agregados
e favores. As moças recebiam normalmente abrigo e comida em troca de dar
“ajuda” nos trabalhos da casa, como explica a economista Hildete Pereira de
Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que há 20 anos estuda a
evolução do emprego doméstico na história do Brasil. A “ajuda” virou trabalho
remunerado na segunda metade do século XX. Mas esse mercado continuou
dependente dos bolsões de pobreza, da desigualdade de renda entre regiões e do
número de adultos sem instrução. Juntas, essas peças garantiram, até
recentemente, uma oferta constante de pessoas dispostas a migrar para as
capitais, morar na casa alheia e trabalhar por salários muito baixos, pequenos
o bastante para caber no bolso da classe média tradicional... Em 2007, pela
primeira vez na história, o número de mulheres atuando no comércio se aproximou
do número de domésticas (até hoje o ofício que mais abriga mulheres no Brasil).
O número de pessoas dispostas a aceitar quaisquer condições de trabalho caiu. 'Fica difícil uma família competir com uma empresa na hora de contratar o
trabalho de alguém por oito, dez horas diárias. Empregada doméstica vai ser
coisa de gente rica', diz o economista Heron do Carmo, da Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe), da USP... O fim do trabalho doméstico remunerado nos
moldes do século XX é uma ótima notícia. O país se torna melhor e mais rico com
milhões de mulheres dedicando-se a atividades mais produtivas e com maior
necessidade de estudo. Embora o Brasil esteja apenas iniciando esse caminho, o
roteiro é razoavelmente conhecido, porque foi trilhado antes por outros países.
No Reino Unido, a transformação ocorreu no fim do século XIX, quando o país
ainda era a maior potência do mundo e a economia vivia uma fase eufórica com
investimento em infraestrutura e tecnologia. O aumento de escolaridade das
meninas britânicas, desde o fim do século XIX, já vinha reduzindo a quantidade
de moças pobres disponíveis para o trabalho doméstico. Os empregadores não
se acostumaram facilmente à novidade. O livro The servant problem: an attempt
at its solution (O problema dos serviçais: uma tentativa de solução), de 1899,
garantia que muitas das cozinheiras haviam se tornado beberronas e insolentes.
“Após muito problema e gasto, quando conseguimos nossos serviçais, temos de
permitir que façam o que quiserem, ou eles não permanecem”. A avaliação soará
familiar a muitas famílias brasileiras de classe média.” Revista Época.
Há uma
tendência forte da associação do serviço doméstico a pouca qualificação do
trabalhador, no entanto, essa não é uma relação de causa e consequência. É um
ciclo que iniciou com a abolição dos escravos. Os escravos libertos com a Lei Áurea foram relegados aos guetos e postos a marginalidade. Ao invés de serem admitidos
como trabalhadores nas antigas fazendas, os senhores de escravos preferiram
contar com a mão-de-obra pra executar os trabalhos que antes ficavam ao encargo dos negros. Com a imigração
maciça restou a este à marginalidade. Desde a abolição, sem trabalho e sem educação,
a população negra e majoritariamente pobre, não tem como almejar melhores
postos de trabalho. O ciclo persiste porque essas mulheres se inserem no trabalho
doméstico ainda criança e com isso não dispõe de tempo pra estudar, então ela
não se qualifica, como não se qualifica não há como almejar melhores postos de
trabalho.
Apesar
de todas as conquistas trabalhistas e a profissionalização de alguns desses
trabalhadores, o trabalho doméstico ainda esta associado à atividade degradante,
guarda uma forte relação com o estigma associado ao trabalho das piniqueiras e a
transformação das negras em mulheres objetos de uso dos patrões e seus filhos (dos
brancos burgueses que usavam e abusavam das pretas). E, indiscutivelmente, a execução
dessa atividade traz consigo toda essa carga negativa. Dentro dessa perspectiva,
as mulheres pequenas burguesas e letradas, como ainda podem pagar por este
serviço, se esquivam de cuidar da própria casa, haja vista que culturalmente se
convencionou que isso é serviço para “preto” e pobre. É tão comum esse pensamento
que costumeiramente me dizem que eu, parda e pobre – mas que muita gente chama
de branca e sou considerada classe média – aparento não saber fritar um ovo ou
varrer uma casa. No entanto, tomo conta sozinha da minha casa (compartilho
algumas atividades com meu companheiro é claro), inclusive cozinho, e muito bem.
Ainda
hoje, há uma associação muito clara entre pele negra e serviço doméstico, como
também uma relação inversa entre nível de instrução e habilidades domésticas,
quando maior o nível de instrução de uma pessoa, supostamente, menos atividades
domésticas ela executa ou sabe executar. Portanto a exploração do trabalho
doméstico tem seu víeis do aparecer social, uma demonstração de status. Dispor de
empregado doméstico vem se tornando um privilégio que seduz até mesmo quem não
tem condições de pagar por esse tipo de serviço, não só por conta do status
como também por conta imagem negativa que tem a execução desses serviços.
Mas,
para além da associação à escravidão há também a relação com o machismo que pressupõe
as atividades domésticas como atividades exclusivas das mulheres. Nesse sentido
esses afazeres sobrecarregariam a mulher, já que somos nós a sofrer com a dupla
e até tripla jornada de trabalho. Enquanto os homens, marido e filhos, não
se responsabilizariam sequer por fazer seu prato ou retira-lo da mesa.
Mas,
como já foi apontado na Época, em pouco tempo o privilégio de ter uma empregada
será de alguns poucos afortunados. Portanto, é necessário que desde já nos
acostumemos a sermos nós os responsáveis pela limpeza e cuidados com a casa,
como também a compartilhar esses afazeres com os filhos e maridos. Educando meninas
e meninas pra que tenham autonomia, esquecendo às figuras do príncipe e da
princesa.
Obs: Não compartilho da ideia de que o trabalho doméstico seja degradante ou indigno. Defendo que o exercício dessa atividade remunere dignamente e seja respeitado tanto quanto outra qualquer profissão. Como também defendo que todas as mulheres tenham a acesso a educação e possam escolher o trabalho doméstico como uma opção dentre tantas outras e não em função de sua falta de instrução.
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