Hoje,
após mais de 15 dias de publicação, vi uma postagem no Yahoo que me chamou
atenção. O meu atraso pode ser justificado pelo simples fato de notícias sobre
o BBB realmente não me importar. Desculpas devidamente pedidas por conta do
atraso, vamos ao que interessa; A matéria dizia respeito às mudanças de visual
que ocorreram às ex-BBB’s, e fiquei boquiaberta com a forma preconceituosa com
que se referiram a Tati Pink.
”Que
cabelo era esse de Tati Pink, no BBB5? Ainda bem que o tempo passa e as pessoas
evoluem. Bem melhor hoje em dia, não?/”
O comentário
foi muito, muito, mas muito infeliz mesmo. Só queria que o autor dessa pérola
me explicasse qual a relação entre evolução e aspecto de cabelo. Parece-me que
a mensagem subliminar é realmente que o cabelo crespo ou afro é uma
característica inerente ao homem primitivo, ou seja, seu portador não passou
pelo processo de evolução. Embora tente ser mais complacente só consigo entender
que o pensamento reproduz preceitos racistas e que faz alusão a uma das
principais formas de racismo, o racismo científico.
“Herbert Spencer (1820-1903) pode
ser considerado o fundador do racismo científico, a partir de suas elaborações
sobre o que denominou de evolucionismo social, quando transplantou, do mundo
biológico ao mundo cultural, o modelo das tipologias e dos sistemas
classificatórios, implementando a noção de diferenças entre os povos e as
sociedades... Spencer (1862/1904) categorizou os povos como superiores e
inferiores: os primeiros eram constituídos pelos europeus e os segundos, por
indianos e indígenas. Classificou as sociedades, considerando a industrial como
civilizada e mais evoluída, devido às suas formas de organização e divisão do
trabalho. Nomeou as demais de primitivas, especificando-as como homogêneas,
graças à incapacidade dos seus membros de alterar artificialmente as condições
de existência e desse modo promover diferenciações econômicas... Darwin
(1871-1974), influenciado por aspectos da obra de Spencer, elaborou teorizações
evolucionistas que demarcavam, naquela época, as noções de superioridade
cultural e racial, constitutivas do paradigma vigente... Retomando Darwin,
Blanc (1990/1994) discorreu sobre o caráter racista do livro A Origem do Homem
e a Seleção Sexual, de 1871: nesta obra o autor considerou a existência de
raças humana divididas em duas categorias. A primeira, composta pelos europeus,
conformava a raça dos civilizados e dos povos superiores, enquanto os negros,
indianos e indígenas, considerados como selvagens, compunham as raças
inferiores.” Evenice Santos Chaves em Scielo.
Entendo
que a forma de apresentação das transformações ocorridas pelas moças que
passaram pelo reality show demonstra perfeitamente o cunho ideológico da
mercantilização da beleza. Subjetivamente é dito, e quase todo mundo entende, “o
dinheiro compra a beleza” e o modelo a ser atingido é nórdico, ou seja, a
mulher tem de ser branca, magra, olhos claros e cabelo liso. Nesse sentido o
senso estético comum é bastante racista.
A
estereotipação da beleza feminina ao padrão europeu ariano é uma das principais
formas de opressão contra a mulher, principalmente a negra. Em se tratando da
mulher brasileira, com toda a variedade de etnias essa opressão é ainda mais
cruel. Não se pode afirmar que uma coisa é mais bela que a outra e tornar essa
premissa uma verdade absoluta, pois beleza é um conceito subjetivo e como tal
irá variar conforme a cultura e até de indivíduo para indivíduo. No entanto, a
partir dos modelos que a cultura determina, e nesse sentido a mídia tem uma
influência colossal, vê-se consensos em torno de determinados padrões que são
mais convenientes. Por muito tem o padrão foi a mulher rechonchuda e branca,
noutra ocasião a mulher palito bronzeada.
A
negra, por exemplo, sempre foi marginalizada, por esse motivo é, como ressaltei
acima, seguramente a que mais sofre opressão de padrões estéticos. Então, ela
vem sistematicamente sofrendo pressão para que descontrua sua imagem natural.
Essa desconstrução não envolve apenas aparência, se processa pela deculturação,
através da discriminação dos cultos, rituais, arte afro e outros. Esse
mecanismo de supressão de identidade além de ter a finalidade de oprimir, de
segregar, e dominar, também obrigada a negra a se tornar consumidora dos
produtos da indústria do branco e que produz para gerar lucro para o branco.
Discriminar a mulher que tem o cabelo enrolado, cacheado, crespo ou afro e
impor o padrão liso, ou como alguns pretendem categorizar “dominado”, é prestar
um serviço de incentivo ao crescimento do mercado consumidor da indústria que
promove o racismo. É uma coisa retroalimentando outra.
Aparentemente
o racismo é irracional, entretanto, ele fomenta a indústria de cosmético e o
mercado de beleza, impulsionando as vendas e o lançamento de produtos que
prometem transformações milagrosas, muitos desses produtos são embustes e fraudes, e boa parte deles são prejudiciais a saúde e até cancerígenos. Ano
após ano a indústria de “cosméticos” comemora recordes de crescimento. Irresponsavelmente figura como cosmético os alisantes, produtos que em muitos casos provocam graves problemas de saúde nas usuárias. A maioria dos alisantes possuem sua formulação o formol, (cogita-se inclusive que nenhum alisante é livre de formol) uma substância cancerígena. Além disso, o formol pode provocar queda de cabelo, alergias e outros problemas capilares. Apesar disso, o alisamento é um dos principais procedimentos
realizados nos centros de estéticas. Embora, em quase todos os casos, sejam
usadas as desculpas de que o alisamento tenha a finalidade de tornar mais fácil
o cuidado com o cabelo e deixa-lo mais arrumado, não deixo de entender que a
finalidade primordial é de afastar-se dos traços que
caracterizam a mulher como negra. É muito natural que uma classe oprimida tente fugir da
opressão, fugir do cabelo crespo ou afro, não implica necessariamente fugir de
sua negritude ou nega-la, entendo que isso ocorra justamente para tentar fugir
do racismo.
“O
cabelo faz parte da autoestima de qualquer pessoa, e é justamente aí que o
racismo começa a nos destruir enquanto pessoas que somos. Porque ouvimos a vida
inteira dizer que somos feias, não servimos pra nada, não somos o tipo favorito
de beleza. E no caso das mulheres, é ainda pior. Nós, mulheres, sofremos
duplamente com o racismo por sermos negras e não ser o tipo de mulher desejável
para um homem (não somos o
tipo de mulher feita pra casar).
Resquícios do nosso passado escravista. Quantas vezes vocês ouviram dizer
quando uma mulher se casa com um homem ou vice-versa e este ou esta é negra (o)
e resolvem ter filhos: “Vê se não vai inventar de ter filhos, pra não nascer
uma menina e você ter de passar henê com seis meses de nascido”?. Sei que isso
parece absurdo, mas já cansei de ouvir coisas do tipo por aí e as pessoas
acharem normal e até mesmo engraçado. Paula Libence em Correio Nagô.
Depois
do bum do mercado cosmético direcionado ao alisamento de cabelo manter o cabelo
na sua condição natural passou a ser considerado falta de zelo, só não o faz que não tem condições financeiras de pagar por ele, ou seja, a mulher pobre. É consenso que gente rica não cultiva atributos que possam remeter ao
estereótipo negro. Basta lembrar o caso de Jaiminho, filho de Niko, na novela Amor a Vida, que
sofreu ameaça de ter cortado seu cabelo em estilo black power simplesmente
porque o autor da novela entende que uma criança negra adotada por uma família
branca e de classe média não poderia manter o cabelo afro. Da mesma forma um
ex-BBB que se preze, e que ascendeu socialmente, deve necessariamente adaptar
seu estereótipo ao padrão de beleza ideal, ou que a mídia diz ser ideal.
No entanto, ideal é que tenhamos a liberdade de respeitar nossos contornos, os limites e os aspectos do nosso corpo. Ideal é não nos rendamos aos apelos consumistas da indústria da beleza. Ideal é mostrar para essa sociedade que não somos reféns de seu racismo. Ceder à ditadura da beleza é violar o corpo e alma, é nos violentarmos em nome do lucro dos racistas. Somos lindamente diferentes, e cada uma com sua particularidade. Que se fodam os racistas e seus padrões, somos donas do nosso corpo e da nossas vontades!
No entanto, ideal é que tenhamos a liberdade de respeitar nossos contornos, os limites e os aspectos do nosso corpo. Ideal é não nos rendamos aos apelos consumistas da indústria da beleza. Ideal é mostrar para essa sociedade que não somos reféns de seu racismo. Ceder à ditadura da beleza é violar o corpo e alma, é nos violentarmos em nome do lucro dos racistas. Somos lindamente diferentes, e cada uma com sua particularidade. Que se fodam os racistas e seus padrões, somos donas do nosso corpo e da nossas vontades!
1 comentário:
BRAVO!
Parabéns pelo post.
Vc abriu a caixa de pandora e pôs à lume todas essas coisas que ocorrem nessa sociedade tão conspurcada pelo complexo de se achar que é alguma coisa.
É mais que vísivel e rísivel o preconceito racial ditado pela indústria da pseudo beleza!
É como se nos rótulos dos cosméticos contivessem a seguinte ADVERTÊNCIA:
_É PROÍBIDO SER NEGRA IN NATURA!
Acredito que somos livres e que nossas escolhas poderiam ser basear nessa liberdade se se adotar um cabelo afro ou alisá-lo.
No entanto, a mulher que tem cabelo afro sofre muita discriminação.
Sem mais delongas, sinto asco dos racistas, pois sou considerado branco no Brasil, mas não me sinto como tal.
Adoro o fato de saber que sou MULTIétnico e que por si só isso me torna lindamente diferente dos demais
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