Vênus de Willendorf |
Quando
ouvi falar pela primeira vez sobre modelos plus size ainda não tinha
consciência sobre estereotipação do corpo feminino e muito menos sobre o
caráter opressor da ditadura da magreza, embora tivesse noção dos impactos que
a busca pelo padrão ideal levasse muitas meninas a sérios problemas
alimentares. Não é fácil compreender que o culto ao corpo “ideal”, dentro de
estreitos padrões de beleza, possa ser tão opressor a ponto de levar uma pessoa
a transtornos alimentares passíveis de causar a morte. É preciso ter muita
sensibilidade para sair do lugar comum e parar de repetir frases feitas que
supostamente servem para explicar o mundo e suas mazelas.
Ricardo Passos |
Não
é possível Ignorar o efeito de uma série estímulos que a cada segundo recebemos
e que nos levam a questionar nosso corpo e aparência e nos deixar profundamente
infelizes com o que vemos diante do espelho. Mesmo que esse espelho revele uma
silhueta esguia, um rosto jovem de contornos agradáveis. Confesso que mesmo
estando dentro dessas especificações me sentia angustiada com a visão de um
nariz adunco, um pouco de culote, canelas mais finas do que gostaria, barriga
um pouco saliente...
Luiza Nobel- Modelo, atriz e cantora. |
Embora
sentido todas essas insatisfações não questionava nem o padrões que era obrigada a usar como referência e muito menos a utilização de mulheres cujos
biótipos são exceções como modelo para as roupas que eu ia usar. Muito menos
pensava sobre o que representava esses padrões para mulheres gordas. Fomos
entorpecidos pelos estímulos à corpolatria
de tal maneira que a naturalizamos e nos vemos obrigadas a perseguir padrões
que jamais atingiremos. Felizmente o feminismo e a sensibilidade me fez
perceber que todo esse trabalho a fim de me industrializar o corpo faz parte de
uma mega estratégia de mercado pra vender, vender e vender, desde “milagrosos”
produtos de beleza, à cirurgias plásticas, anabolizantes... E até antidepressivos
para quem vive infeliz por não se ajustar aos padrões. Imagina os impactos de
toda essa estratégia para as mulheres gordas.
Anna XXL de Heinz Guth |
Gorda
é a forma como preferem ser definidas as mulheres que, de acordo com os
opressores padrões midiáticos, ultrapassam o peso supostamente ideal. Embora
haja consenso que o uso de termos definidores para designar biótipos a partir
do peso, cor ou qualquer outra característica física sirva como instrumento de discriminação e que alguns deles adquiram sentido pejorativo, as mulheres
gordas preferem essa designação aos eufemismos. As expressões usadas na
tentativa de “suavizar” o termo não provoca empoderamento às mulheres gordas,
pelo contrário reforçam o estigma.
“Eu visto número 46-48 e me defino
como gorda. Eu sempre tive uma estrutura corporal grande, desde pequena faço
exercícios e musculação, então maior parte do meu peso é massa vem de músculos,
mas me incluo na luta contra gordofobia. O termo gordo tem que ser usado como
neutro!” Luiza Silva.
Preta Gil sempre hostlizada em decorrência de seu peso |
Apropriar-se
do termo e usa-lo de forma a naturaliza-lo, sem ressignificá-lo, pode ser uma
forma de empoderamento, de romper com a estereotipação e fetichização do corpo
feminino, uma luta do feminismo.
Depois do Banho-Renoir |
No
Brasil, onde quase metade da população está acima do peso, segundo dados
revelados pelo Ministério da Saúde em 2012, há uma grande dificuldade da mulher
gorda ver-se representada dentro do mercado da beleza e da moda. Encontrar
roupas de grifes e/ou das passarelas para quem veste do número 46 em diante é
muito difícil. Foi o que constatou uma jornalista e modelo Plus size, Sylvia
Barreto, durante um desafio para a UOL. A modelo visitou 21 lojas diferentes em
busca de uma roupa para usar em um jantar. Esse desafio permitiu a modelo
confirmar suas desconfianças e percepções, sentiu enorme dificuldade em
encontrar algo lhe servisse. Além disso, descobriu que ter peças feita sob
medida poderia custar até 40% mais caro. A pesquisa na íntegra pode ser
acessada no link Uol.
Apesar
do termo plus size não agradar a todas,
Fernando Botero |
“Odeio profundamente esse termo plus
size. simplesmente o mercado percebeu uma nova oportunidade que não estava
sendo explorada! Pra mim, tudo ligado a moda é uma maneira de nos cegar. Eu não
gosto do termo pelo que ele significa, mas sim porque NÃO DEVERIA EXISTIR UM
TERMO. Sem contar que né.. modelos plus size não representam as gordas nem aqui
nem na China. Roupa pra gente gorda deveria existir junto com roupa pra gente
magra. Deveria ser vendida como ROUPA, não como plus size, sabe?.” Lah
de Freitas.
“Acho que é pura ilusão. Tenho
amigas que já foram em seleções para isso e nem fizeram o teste, porque só
pegam manequim 44/46.” Nathalia Bezerra
A
inserção de mulheres que fogem aos estereótipos do padrão comercial no mercado
da moda representa um avanço
Renoir. |
“Acho legal perceberem que
""Mulheres fora do padrão"" também querem ficar
bonitas/sexy, não se vestem todas iguais como senhoras de 70 anos e tem poder
de compra. Mas o bom mesmo seria não ter que ter esse nome especifico e a moda
ser uma só pra todas, com todos os tamanhos” Luiza Loosli.
“Acho que é uma oportunidade de rever
o padrão de beleza que a mídia vende. Acho ótimo, as medidas das modelos são
exageradamente reduzidas e isso gera muitos problemas como a gente, sabe?
Modelos plus size na verdade, pra mim, são modelos que tem um peso mais normal
e que são mais próximas da maioria das mulheres...” Luiza
Chagas Pinaud.
“Como uma mulher gorda (porque sou,
TENHO TOTAL SEGURANÇA P AFIRMAR) posso falar q essa tendência 'Plus Size',
ainda q tenha uma origem comercial, tem também um viés bacana, que auxilia
mulheres como fora do 'padrão' a encontrarem roupas que de fato querem usar, e
se sintam confortáveis... Não faço apologia à obesidade, mas, SEMPRE ao bem
estar. Sou Pluz Total, risos! E, especialmente, segura e feliz com o corpo q
tenho. Bem, quando mencionei que sou 'TOTALMENTE Pluz', referia-me de forma
brincalhona a ser extra GG, risos! Sem medo de partilhar, peso 116kg, minha
altura é 1.70m ou seja, sou totalmente fora do padrão pré-estabelecido, porque
para IMC estabelecido 40,14 é Obesidade Mórbida, contudo, mesmo com esse
indicativo de ‘morte’ não me sinto uma mulher feia, que não pode ser amada –
sinto-me segura, atraente, desejada, amada - mesmo com esse peso GG tenho
saúde, porquê fiz bem há pouco tempo alguns exames (hemograma): não sou
diabética, nem tenho colesterol alto...Mas, não aconselho ninguém a ser obeso,
porque além dos múltiplos preconceitos (todo dia), há sim um risco real de
doenças em decorrência do excesso de pesos. No momento, estou em busca de uma
reeducação alimentar para não prejudicar minha saúde porque tem também a parte
óssea, etc...Todavia, bato na mesma tecla, quem tem que definir o peso ideal pra
si é cada uma... Porque cada uma de nós deve saber o peso que melhor lhe
convém, o q melhor se ajusta ao seu corpo. Quero focar que sendo Gorda ou sendo
Magra, a SEGURANÇA tá dentro da cabeça. Totalmente Pluz, feliz e entusiasmada
com a reeducação alimentar que vem por ai! Viver o que se é, é que nos faz ser
o que somos meninxs, e uma postura de encarar a vida de frente, nos faz ser
fortes para encarar preconceitos, pessoas babacas, combater qualquer maldade,
mas tem q partir de nós mesmas cultivar o amor próprio.
Mariana Bernardo
Nana Simões |
“Trabalho com Moda há alguns anos e
vejo que a carência dos consumidores por uma moda flexível e real é bem maior
que a do mercado em si, que prefere corpos ‘fáceis’ de vestir. As modelos Plus
são veículos dessa moda que (nós, gordinhas) queremos ver nas lojas. Elas estão
como representantes de um dos biótipos brasileiros mais evidentes (quadris
largos, bustos fartos, cinturas delineadas) e de fato entrando no
"ringue" das modelos de padrões europeus. Não acho que essas modelos
estão se transformando mercadorias, visto que elas representam um desejo do
consumidor. A menos que algumas marcas modifiquem os corpos para ajustes
estéticos (como vimos em alguns casos, uma modelo Plus com cirurgia abdominal).
Enfim, acho importante a valorização das modelos Plus e do fashion plus em si,
com bom gosto e qualidade, para introduzir este corpo real em todos os nichos
da moda e com isso, dar poder de escolha a mulher ‘fora dos padrões’. É
significantemente importante entrar em uma loja e encontrar numerações maiores
para a mesma peça da vitrine.” Nana Simões
“No começo era bacana,
até que resolveram emagrecer a plus size. 44 e 46 não deveriam jamais ser
consideradas plus size, já que estão na numeração padrão (também não concordo
que o padrão vá somente até 46, mas é o mundo que vivemos).
O fato é que quando começaram a entender que esse é um grupo de consumidoras
também, resolveram enquadrá-lo na estética e ao invés de representar a mulher
fora do padrão por estar acima do peso considerado normal, representa a mulher
que está dentro do peso considerado comum. Ou seja, quando nós gordas
conseguimos entrar de alguma forma para o mundo da moda, somos novamente
derrubadas. A garota que era considerada dentro do padrão, olha pra plus size,
vê que tem o mesmo tamanho e pensa: ‘Meu Deus, estou gorda, preciso emagrecer!’
e a menina gorda que se identificava com a plus size e começava a se sentir
representada pensa ‘Se ela é gorda eu sou o quê? E aí recomeça a neurose’.” Liz
Guarani-Kaiowá Miranda
“O plus size do mercado é um tamanho
que não é plus. Visto 46-48 e o tamanho nunca é padrão. Mas... muda muito a
configuração do mercado, que quer se apropriar desse grupo de mulheres que
nunca foi ‘abocanhado’ pelo capital. Eu já pesei 126kg, em
1,72m. Eu tinha um problema sério na coluna e precisava operar, aí precisei
emagrecer 30kg. Mas estou bem feliz com meu corpo hoje em dia e sou super
saudável. Não tenho nenhuma taxa elevada, nada de errado” Mariana Santos
Beatriz Moreira |
“Acho que desmerecer o
papel da moda na sociedade é muito perigoso. Acho muito mais producente tentar
entender o papel social e especialmente psicológico que ele exerce,
principalmente na forma que nos comunicamos com o mundo. Estudo e trabalho na
área e honestamente não acho legal quando vejo o objeto (Moda) reduzido a
explicações tão simplistas e superficiais. Dito isto, adorei questionamento [minha
enquete sobre moda plus size]. Minha opinião é: falar que o mercado agora quer
explorar a moda plus size é bater numa tecla já pra lá de gasta. Vivemos numa
sociedade capitalista, e é CLARO que o mercado vai explorar todo e qualquer
nicho que puder. Então sim, acho que dentro do interesse dele ele está se
ajustando à novas configurações, pois é claro que a procura vai aumentar com a
oferta, nesse caso. Falando como uma pessoa que tem um pé no plus size, acho
ótima essa nova possibilidade e não me sinto transformada em mercadoria. Ainda
precisaria de muitos anos desconstruindo a ilusão de "corpo ideal"
que nos é imposta desde sempre pra nós, gordinhas, sermos vistas como um ideal
a ser atingido. Somos somente mais um mercado em potencial, e convenhamos...
não saímos nuas por aí, e cada pessoa, por mais que negue, procura se expressar
visualmente de alguma forma, mesmo que inconscientemente, então se temos ajuda
do mercado pra fazer isso, será bem vindo. As vezes o meio não importa tanto
quanto a mensagem, e acho que esse é um dos casos.” Beatriz
Moreira
“Claro que é importante
fazer uma reflexão sobre a tendência/moda Plus, sobre a exploração do sistema
capitalista... Todavia, é importante também sermos livres, para escolhermos o que
quisermos! Nós Mulheres precisamos termos consciência de nossa liberdade,
assim, não nos tornaremos escravas da beleza/juventude eterna, dos ditames da
moda, da moral e dos bons costumes... E de todo resto que de uma maneira ou
outra tenta nos aprisionar... Seguras internamente, exteriorizamos a leveza de
sermos/termos consciência do que é ser livre p escolher!” Mariana
Bernardo.
Banista- Gustavo Rosa |
Portanto,
é importante para as garotas gordas não só verem-se representadas nas
passarelas da moda, bem como nas revistas do segmento. Mas, sobretudo, é
preciso que seja disponibilizado no mercado roupas com tamanhos maiores e
modelos idem. Há consenso que o mercado continua a ditar regras que obrigam as
modelos, mesmo as plus size, a ajustar-se às medidas padrões. Entretanto, como
foi revelado pela Mariana Bernardo, é preciso ter cuidado com os usos que o
mercado faz com as necessidades de determinado grupo, para que essa carência
não se torne motivo para escravização ou fator de opressão.