terça-feira, 29 de abril de 2014

O feminismo, a moda plus size e a corpolatria



Vênus de Willendorf
Quando ouvi falar pela primeira vez sobre modelos plus size ainda não tinha consciência sobre estereotipação do corpo feminino e muito menos sobre o caráter opressor da ditadura da magreza, embora tivesse noção dos impactos que a busca pelo padrão ideal levasse muitas meninas a sérios problemas alimentares. Não é fácil compreender que o culto ao corpo “ideal”, dentro de estreitos padrões de beleza, possa ser tão opressor a ponto de levar uma pessoa a transtornos alimentares passíveis de causar a morte. É preciso ter muita sensibilidade para sair do lugar comum e parar de repetir frases feitas que supostamente servem para explicar o mundo e suas mazelas. 
Ricardo Passos

Não é possível Ignorar o efeito de uma série estímulos que a cada segundo recebemos e que nos levam a questionar nosso corpo e aparência e nos deixar profundamente infelizes com o que vemos diante do espelho. Mesmo que esse espelho revele uma silhueta esguia, um rosto jovem de contornos agradáveis. Confesso que mesmo estando dentro dessas especificações me sentia angustiada com a visão de um nariz adunco, um pouco de culote, canelas mais finas do que gostaria, barriga um pouco saliente... 


Luiza Nobel- Modelo, atriz e cantora.
Embora sentido todas essas insatisfações não questionava nem o padrões que era obrigada a usar como referência e muito menos a utilização de mulheres cujos biótipos são exceções como modelo para as roupas que eu ia usar. Muito menos pensava sobre o que representava esses padrões para mulheres gordas. Fomos entorpecidos pelos estímulos à corpolatria de tal maneira que a naturalizamos e nos vemos obrigadas a perseguir padrões que jamais atingiremos. Felizmente o feminismo e a sensibilidade me fez perceber que todo esse trabalho a fim de me industrializar o corpo faz parte de uma mega estratégia de mercado pra vender, vender e vender, desde “milagrosos” produtos de beleza, à cirurgias plásticas, anabolizantes... E até antidepressivos para quem vive infeliz por não se ajustar aos padrões. Imagina os impactos de toda essa estratégia para as mulheres gordas.

Anna XXL de Heinz Guth
Gorda é a forma como preferem ser definidas as mulheres que, de acordo com os opressores padrões midiáticos, ultrapassam o peso supostamente ideal. Embora haja consenso que o uso de termos definidores para designar biótipos a partir do peso, cor ou qualquer outra característica física sirva como instrumento de discriminação e que alguns deles adquiram sentido pejorativo, as mulheres gordas preferem essa designação aos eufemismos. As expressões usadas na tentativa de “suavizar” o termo não provoca empoderamento às mulheres gordas, pelo contrário reforçam o estigma. 

Eu visto número 46-48 e me defino como gorda. Eu sempre tive uma estrutura corporal grande, desde pequena faço exercícios e musculação, então maior parte do meu peso é massa vem de músculos, mas me incluo na luta contra gordofobia. O termo gordo tem que ser usado como neutro!” Luiza Silva.
Preta Gil sempre hostlizada em decorrência de seu peso

Apropriar-se do termo e usa-lo de forma a naturaliza-lo, sem ressignificá-lo, pode ser uma forma de empoderamento, de romper com a estereotipação e fetichização do corpo feminino, uma luta do feminismo.

Depois do Banho-Renoir
No Brasil, onde quase metade da população está acima do peso, segundo dados revelados pelo Ministério da Saúde em 2012, há uma grande dificuldade da mulher gorda ver-se representada dentro do mercado da beleza e da moda. Encontrar roupas de grifes e/ou das passarelas para quem veste do número 46 em diante é muito difícil. Foi o que constatou uma jornalista e modelo Plus size, Sylvia Barreto, durante um desafio para a UOL. A modelo visitou 21 lojas diferentes em busca de uma roupa para usar em um jantar. Esse desafio permitiu a modelo confirmar suas desconfianças e percepções, sentiu enorme dificuldade em encontrar algo lhe servisse. Além disso, descobriu que ter peças feita sob medida poderia custar até 40% mais caro. A pesquisa na íntegra pode ser acessada no link Uol.
 Apesar do termo plus size não agradar a todas, 
botero
Fernando Botero
Odeio profundamente esse termo plus size. simplesmente o mercado percebeu uma nova oportunidade que não estava sendo explorada! Pra mim, tudo ligado a moda é uma maneira de nos cegar. Eu não gosto do termo pelo que ele significa, mas sim porque NÃO DEVERIA EXISTIR UM TERMO. Sem contar que né.. modelos plus size não representam as gordas nem aqui nem na China. Roupa pra gente gorda deveria existir junto com roupa pra gente magra. Deveria ser vendida como ROUPA, não como plus size, sabe?.” Lah de Freitas.

Acho que é pura ilusão. Tenho amigas que já foram em seleções para isso e nem fizeram o teste, porque só pegam manequim 44/46.” Nathalia Bezerra

A inserção de mulheres que fogem aos estereótipos do padrão comercial no mercado da moda representa um avanço

Renoir.
Acho legal perceberem que ""Mulheres fora do padrão"" também querem ficar bonitas/sexy, não se vestem todas iguais como senhoras de 70 anos e tem poder de compra. Mas o bom mesmo seria não ter que ter esse nome especifico e a moda ser uma só pra todas, com todos os tamanhos” Luiza Loosli.
Acho que é uma oportunidade de rever o padrão de beleza que a mídia vende. Acho ótimo, as medidas das modelos são exageradamente reduzidas e isso gera muitos problemas como a gente, sabe? Modelos plus size na verdade, pra mim, são modelos que tem um peso mais normal e que são mais próximas da maioria das mulheres...” Luiza Chagas Pinaud.
 
Mariana Bernardo
Como uma mulher gorda (porque sou, TENHO TOTAL SEGURANÇA P AFIRMAR) posso falar q essa tendência 'Plus Size', ainda q tenha uma origem comercial, tem também um viés bacana, que auxilia mulheres como fora do 'padrão' a encontrarem roupas que de fato querem usar, e se sintam confortáveis... Não faço apologia à obesidade, mas, SEMPRE ao bem estar. Sou Pluz Total, risos! E, especialmente, segura e feliz com o corpo q tenho. Bem, quando mencionei que sou 'TOTALMENTE Pluz', referia-me de forma brincalhona a ser extra GG, risos! Sem medo de partilhar, peso 116kg, minha altura é 1.70m ou seja, sou totalmente fora do padrão pré-estabelecido, porque para IMC estabelecido 40,14 é Obesidade Mórbida, contudo, mesmo com esse indicativo de ‘morte’ não me sinto uma mulher feia, que não pode ser amada – sinto-me segura, atraente, desejada, amada - mesmo com esse peso GG tenho saúde, porquê fiz bem há pouco tempo alguns exames (hemograma): não sou diabética, nem tenho colesterol alto...Mas, não aconselho ninguém a ser obeso, porque além dos múltiplos preconceitos (todo dia), há sim um risco real de doenças em decorrência do excesso de pesos. No momento, estou em busca de uma reeducação alimentar para não prejudicar minha saúde porque tem também a parte óssea, etc...Todavia, bato na mesma tecla, quem tem que definir o peso ideal pra si é cada uma... Porque cada uma de nós deve saber o peso que melhor lhe convém, o q melhor se ajusta ao seu corpo. Quero focar que sendo Gorda ou sendo Magra, a SEGURANÇA tá dentro da cabeça. Totalmente Pluz, feliz e entusiasmada com a reeducação alimentar que vem por ai! Viver o que se é, é que nos faz ser o que somos meninxs, e uma postura de encarar a vida de frente, nos faz ser fortes para encarar preconceitos, pessoas babacas, combater qualquer maldade, mas tem q partir de nós mesmas cultivar o amor próprio. Mariana Bernardo


Nana Simões
Trabalho com Moda há alguns anos e vejo que a carência dos consumidores por uma moda flexível e real é bem maior que a do mercado em si, que prefere corpos ‘fáceis’ de vestir. As modelos Plus são veículos dessa moda que (nós, gordinhas) queremos ver nas lojas. Elas estão como representantes de um dos biótipos brasileiros mais evidentes (quadris largos, bustos fartos, cinturas delineadas) e de fato entrando no "ringue" das modelos de padrões europeus. Não acho que essas modelos estão se transformando mercadorias, visto que elas representam um desejo do consumidor. A menos que algumas marcas modifiquem os corpos para ajustes estéticos (como vimos em alguns casos, uma modelo Plus com cirurgia abdominal). Enfim, acho importante a valorização das modelos Plus e do fashion plus em si, com bom gosto e qualidade, para introduzir este corpo real em todos os nichos da moda e com isso, dar poder de escolha a mulher ‘fora dos padrões’. É significantemente importante entrar em uma loja e encontrar numerações maiores para a mesma peça da vitrine.” Nana Simões
“No começo era bacana, até que resolveram emagrecer a plus size. 44 e 46 não deveriam jamais ser consideradas plus size, já que estão na numeração padrão (também não concordo que o padrão vá somente até 46, mas é o mundo que vivemos). O fato é que quando começaram a entender que esse é um grupo de consumidoras também, resolveram enquadrá-lo na estética e ao invés de representar a mulher fora do padrão por estar acima do peso considerado normal, representa a mulher que está dentro do peso considerado comum. Ou seja, quando nós gordas conseguimos entrar de alguma forma para o mundo da moda, somos novamente derrubadas. A garota que era considerada dentro do padrão, olha pra plus size, vê que tem o mesmo tamanho e pensa: ‘Meu Deus, estou gorda, preciso emagrecer!’ e a menina gorda que se identificava com a plus size e começava a se sentir representada pensa ‘Se ela é gorda eu sou o quê? E aí recomeça a neurose’.” Liz Guarani-Kaiowá Miranda
 
Mariana Santos
O plus size do mercado é um tamanho que não é plus. Visto 46-48 e o tamanho nunca é padrão. Mas... muda muito a configuração do mercado, que quer se apropriar desse grupo de mulheres que nunca foi ‘abocanhado’ pelo capital. Eu já pesei 126kg, em 1,72m. Eu tinha um problema sério na coluna e precisava operar, aí precisei emagrecer 30kg. Mas estou bem feliz com meu corpo hoje em dia e sou super saudável. Não tenho nenhuma taxa elevada, nada de errado Mariana Santos

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Beatriz Moreira
“Acho que desmerecer o papel da moda na sociedade é muito perigoso. Acho muito mais producente tentar entender o papel social e especialmente psicológico que ele exerce, principalmente na forma que nos comunicamos com o mundo. Estudo e trabalho na área e honestamente não acho legal quando vejo o objeto (Moda) reduzido a explicações tão simplistas e superficiais. Dito isto, adorei questionamento [minha enquete sobre moda plus size]. Minha opinião é: falar que o mercado agora quer explorar a moda plus size é bater numa tecla já pra lá de gasta. Vivemos numa sociedade capitalista, e é CLARO que o mercado vai explorar todo e qualquer nicho que puder. Então sim, acho que dentro do interesse dele ele está se ajustando à novas configurações, pois é claro que a procura vai aumentar com a oferta, nesse caso. Falando como uma pessoa que tem um pé no plus size, acho ótima essa nova possibilidade e não me sinto transformada em mercadoria. Ainda precisaria de muitos anos desconstruindo a ilusão de "corpo ideal" que nos é imposta desde sempre pra nós, gordinhas, sermos vistas como um ideal a ser atingido. Somos somente mais um mercado em potencial, e convenhamos... não saímos nuas por aí, e cada pessoa, por mais que negue, procura se expressar visualmente de alguma forma, mesmo que inconscientemente, então se temos ajuda do mercado pra fazer isso, será bem vindo. As vezes o meio não importa tanto quanto a mensagem, e acho que esse é um dos casos.” Beatriz Moreira
 
Mariana Bernardo
“Claro que é importante fazer uma reflexão sobre a tendência/moda Plus, sobre a exploração do sistema capitalista... Todavia, é importante também sermos livres, para escolhermos o que quisermos! Nós Mulheres precisamos termos consciência de nossa liberdade, assim, não nos tornaremos escravas da beleza/juventude eterna, dos ditames da moda, da moral e dos bons costumes... E de todo resto que de uma maneira ou outra tenta nos aprisionar... Seguras internamente, exteriorizamos a leveza de sermos/termos consciência do que é ser livre p escolher!” Mariana Bernardo.

1 Banhista Gustavo Rosa
Banista- Gustavo Rosa
Portanto, é importante para as garotas gordas não só verem-se representadas nas passarelas da moda, bem como nas revistas do segmento. Mas, sobretudo, é preciso que seja disponibilizado no mercado roupas com tamanhos maiores e modelos idem. Há consenso que o mercado continua a ditar regras que obrigam as modelos, mesmo as plus size, a ajustar-se às medidas padrões. Entretanto, como foi revelado pela Mariana Bernardo, é preciso ter cuidado com os usos que o mercado faz com as necessidades de determinado grupo, para que essa carência não se torne motivo para escravização ou fator de opressão.  

2 comentários:

Anónimo disse...

Ana, parabéns pelo texto, sobretudo, pela forma como fez...Conseguiu unir leveza e seriedade de uma forma delicada, com um olhar humano...Porque por atrás dos olhares da sociedade q impõe padrões as mulheres 'GG', há mulheres de vdd, q merecem ser respeitas, amadas, queridas, desejadas como são... Esse artigo contribuiu p nosso emponderamento!Continue sua caminhada produzindo cada vez mais artigos maravilhosos, q nos levam a profundas reflexões, especialmente,sobre o nosso universo, feminino. Mais uma vez sou grata ao FEMINISMO, pq graça a esse Movimento/Filosofia de vida, construo novas amizades e parcerias, e nesses caminhos, 'esbarrei' em vc,rs. Amei ser retratada por ti, por suas palavras...Obrigada!Muito sucesso!Mariana Bernardo

Anónimo disse...

Tema tratado como deve ser. Com leveza e seriedade. Já passou do tempo de a sociedade evoluir e deixar estereótipos,preconceitos para trás.É preciso se focar no que realmente importa. Abaixo a ditadura da beleza imposta pela sociedade! Liberdade! Cada mulher,cada pessoa,deve ter direito as suas escolhas e ser julgada a todo momento por elas.Quem sabe um dia a sociedade não se volte pra busca de um país sério,justo,igualitário e educado. Seria o começo do fim de nossas principais mazelas. Parabéns pelo texto! ¶Rodrigo Santos