Ontem à noite rolou, na Praça
do Ferreira, um ato contra a reação violenta à manifestação virtual que vem
ocorrendo na internet com o lema “Eu não mereço ser estuprada”, organizado pela
Nana Queiroz. Conforme havia colocado anteriormente, o evento ganhou força e
foi parar nas ruas. Aqui em Fortaleza o ato ocorreu às 18 horas e envolveu aproximadamente 200 pessoas. A imprensa foi enviada para cobrir o evento, duas
TV’s e um jornal. Enquanto nos mobilizávamos na condução do evento o Ipea divulgou
uma nota informando que houve um erro na pesquisa publicada e ratificava através da nota,
"O Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal, divulgou nesta
sexta-feira uma nota reconhecendo que houve erro na divulgação que chocou o
país ao dizer que a maioria dos brasileiros (65,1%) apoia ataques a mulheres
que mostram o corpo... Segundo o Ipea, por uma troca nos gráficos da pesquisa
divulgada, o resultado divulgado está errado. Os percentuais corretos são: 26%
concordam, total ou parcialmente, com a afirmação "mulheres que usam
roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas"; e 70% discordam, total
ou parcialmente. Outros 3,4% se dizem neutros". Folha Uol.
Bem, apesar do barulho que
fizemos – sim, eu participei do evento e fui uma das organizadoras – apenas dois
sites, Radio Tube
e
Agência Pulsar
divulgaram as informações sobre o ato “Não merecemos ser estupradas” e um
jornal divulgou uma frase informando sobre a ocorrência deste. Até uma participação que havia gravado para
um programa de TV teve que ser revista por conta dessa ERRATA, ou seja, porque
o Ipea ratificou o dado referente ao item “mulheres que usam roupas que mostram
o corpo merecem ser atacadas” nossa expressão não mereceu destaque. Entretanto,
permanece inalterado o item que diz que “se as mulheres soubessem se comportar
haveria menos estupros no Brasil”, onde 58% concordam total ou parcialmente com
essa premissa.
Também esqueceu-se que
pesquisa recente, Juventude, Comportamento e DST/Aids, realizada com o acompanhamento
da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do
Departamento de Doenças Sexualmente Trasmissíveis e Aids (DST/Aids) e Hepatites
Virais do Ministério da Saúde, revelou
que quatro a cada dez jovens,
entre 18 e 29 anos, defendem de maneira total ou parcial o argumento que
mulheres que se vestem de forma insinuante não teem o direito de reclamar caso
sofram violência sexual. Corroborando ainda com existência da CULTURA DO
ESTUPRO, pouco mais de 9% dos entrevistados concordaram ou disseram ser
indiferentes ao fato de um homem agredir uma mulher porque ela não quis fazer
sexo. E pra piorar a situação, pouco mais de 11% dos participantes declararam
pensar da mesma forma a respeito de homens que batem na parceira que o traiu. O Povo.
Então porque o Ipea reviu a
pesquisa, por N motivos, inclusive por estar errado mesmo, o que acredito não
seja a questão – já que para que uma pesquisa como essa seja divulgada deve
passar por vários revisores – agora está tudo bem? Acho bem provável que o
governo tenha sentido que houve uma repercussão muito grande a cerca do tema
e isto tenha provocado uma imagem muito negativa do país no exterior. De certo
mesmo é que as motivações dessa aberração somente os responsáveis pela
compilação dos dados e os responsáveis pelo órgão vão saber.
Mas faço questão de destacar,
tão grave quanto 65% de entrevistados acharem que mulheres que usam roupas
curtas merecem ser estupradas é 577 mil tentativas ou estupros consumados, é 5.664 mortes de mulheres por causas
violentas decorrentes do machismo a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia,
ou uma a cada hora e meia (Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2012
-2013). No Brasil a cada 2minutos 5 mulheres são espancadas.
Portanto, pelas pesquisas e
pelas nossas próprias vivências, nós, mulheres vítimas do patriarcado, sabemos
o motivo de termos saído às ruas ontem. Nós sabemos dos olhares indiscretos,
das agressões verbais e dos insultos que recebemos nas ruas, no nosso cotidiano
e durante o ato “Não merecemos ser estupradas", como também no decorrer da
campanha na internet.
O ato de ontem foi por mim,
estuprada por duas vezes, pelas mulheres também vítimas e por todas as
outras que estão vulneráveis a esse crime devastador e cruel, foi por J. que me
deixou seu depoimento na página do evento,
“Eu adoraria ter participado
do evento que você estava organizando, mais devido a um trauma de infância não
consegui ir, espero q me desculpe e entenda (sic),
mais esse é um assunto que eu não gosto nem de conversar, e se eu fosse pra
esse evento eu iria me sentir muito mal(sic) mais do
que já estou por ver o quanto parte da população é alienada). Mais quero que
saiba q essa sua atitude é muito bonito... Você tem todo o meu apoio! P.S Não
postei na pagina do evento pq lá as publicações são públicas e ia acabar
criando problemas pra mim. Se você quiser pode compartilha meu depoimento e
foto lá pagina do evento, mais não me identifica pfv."
J. foi estuprada aos 11 anos por uma pessoa de seu convívio e aos 18 ainda não consegue falar sobre o assunto, nem sua família conhece sua história. É por J. que valeu o nosso protesto e por outras J. que continuaremos nossa luta.
Contra o machismo, que culpa a vítima
pelo estupro e que condena a sexualidade feminina, contra o moralismo da
sociedade que acredita que existe mulher pra casar e para transar. Contra a
misoginia claramente manifestado na página do protesto virtual, contra os
milhares de anos de opressão e controle sobre o corpo feminino. Contra a
cultura de coisificação da mulher. Pela liberdade de mostrar o corpo se assim a
mulher quiser, pela liberdade de "dizer não", pela liberdade
plena.... por uma centena de direitos que são violados diariamente, pelo direito
ao orgasmo, é pelo direito ao sexo. O protesto é um grito que foi sufocado por
milhares de anos de opressão...
Gostaria
de agradecer a presença e contribuição de Elane Fideles, Waceila Miranda,
Israel Frota, Ana Beatriz Viegas, Alessandra Guerra, Lídia Rodrigues, Adeline
Teodósio, Deyse Mara, Ellen Sousa, Juh Freitas, Sarah Nobre Menezes e Rosa da
Fonseca, pela contribuição para a construção do ato. Meu muito obrigada a todxs
vocês, nossa manifestação foi linda.
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