Depois
da grande repercussão que teve a pesquisa do Ipea (do 65% que se converteu em26%), na qual ficou evidente a cultura do estupro, a discussão sobre a cultura machista se acendeu e a revolta feminina se converteu não só na vontade de reivindicar a propriedade sobre o próprio corpo como
também a necessidade de colocar a boca no mundo e dizer que não somos culpada
pela violência sexual.
Uma das
formas de demonstrar que não estamos solidárias com os estupradores – e jamais poderíamos está – além do protesto “Não mereço ser estuprada” muitas mulheres romperam o silêncio que amargaram por anos
e até décadas e falaram sobre a violência sexual das quais foram vítimas.
“Um dia, eu fui brincar na casa do meu amigo, que
morava ao lado de casa e o irmão mais velho dele, que na época deveria ter uns
17 ou 18 anos, me chamou para um quarto, abaixou a minha calcinha, botou a mão
na minha boca tentando impedir que eu gritasse (nem precisava, as palavras não
saiam) e começou a penetrar em mim, dizia que ele estava só brincando comigo,
que se eu contasse aos meus pais ele iria machuca-los e ficou por bastante
tempo fazendo aquilo e eu só queria chorar, porque doía muito e nem estava
entendendo o que estava acontecendo. Lembro que quando cheguei em casa, minha
babá foi me dá banho, e quando viu minha vagina, perguntou porque ela estava
toda vermelha, assada, perguntou se eu havia lavado com sabão de manhã e eu
disse que sim (mentindo). Então ela me ensinou que nunca deveria lavar com
aquele tipo de sabão e que ia passar pomada em mim. Mesmo depois dela ter me
dado banho, ainda me sentia suja e com medo. Houveram dias em que a minha babá
precisava ir embora mais cedo e me deixava na casa desse vizinho. E o mesmo se
repetia. Não entendo como ninguém
naquela casa não percebia. Passei tardes triste, lembro muito bem, sentia
vontade de chorar, tinha uns momentos agressivos, vontade de fugir, de morrer,
mas nunca sequer mencionei algo para os meus pais.” http://mulheresemmarcha.blogspot.com.br/2014/04/sobre-as-palavras-que-nunca-sairam.html
“Quando eu tinha apenas 5 anos
sofria tentativas de abuso da parte de um familiar, eu não tinha a ideia do que
estava acontecendo ,mais ele fazia com que eu me sente-se culpada daquilo tudo
e por muito tempo eu me culpava, mesmo sabendo que nada tinha feito para
merecer aquilo! Sofri muito ao longo do tempo marcada por lembranças que até
hoje me aflige, hoje sei que uma criança não tem o entendimento do certo e do
errado como eu apenas uma criança de 5 anos poderia ter a malicia de seduzir um
adulto? Quero fazer parte dessa voz feminina que a muito tempo tentam calar, e
fechar os olhos! Ninguém merece e nem tem culpa de ser estuprada, qual mulher
na sua faculdade mental gostaria de sofrer tal agressão e humilhação?”
Tenho 25 anos e sofri abuso sexual
aos 8, praticado por um tio. As lembranças daquela tarde ficaram muitos anos
enterrados na memória. Eu sofri o abuso e como uma forma de “defesa” minha
mente bloqueou tudo e eu achava que tinha imaginado tudo aquilo, tinha apenas
lembranças borradas. Mas o que mais contribuiu para que eu tivesse bloqueado
aquilo da minha mente foi eu ter contado para minha mãe e ela não ter
acreditado, me disse que conhecia o irmão e sabia que ele não faria algo assim.
Ser desacreditada pela minha própria mãe me fez perder minha identidade. Passei
a acreditar que eu era má e que mentia. Meu corpo mandava sinais e ninguém
entendia, passei a ter pesadelos noturnos, incontinência urinária e me tornar
agressiva. Sem contar que em reuniões de família quando meu tio aparecia eu
passava mal e achava que ia morrer, sintomas de ansiedade. http://fuiestuprada.wordpress.com/
“Fui violentada sexualmente pelo
meu tio que considerava como um pai isso aconteceu quando tinha 8 anos, só fui
revelar a minha mãe aos 14anos e a reação foi a pior possível ela contou
exatamente a esposa dele que pediu a minha mãe que ñ contasse a ninguém pois
com calma resolveríamos isso, fui dormir pensando q no dia seguinte estaria
livre desse pesadelo que me seguia desde então, foi numa quinta-feira só sair
de casa no domingo de tarde, estavam meus tios e outros parentes no lado de
fora de casa lá na rua como sempre e eu fui dar "benção" e ninguém me
respondeu e repeti só que nada e entrei novamente em casa chorando como se
soubesse o que havia acontecido, e minha mãe me chamou ao quarto dela e me
contou que a irmã dela a esposa o meu agressor, chamou cada parente que ali
perto morava e contou a versão dela querem saber qual foi? Ela disse que eu
seduzi o marido dela, agora eu me pergunto como é capaz uma criança de 8anos
seduzir um homem com mais de trinta, é a vida nos traz surpresas, só que nem
sempre elas são as que queremos, no entanto hoje já faz 3anos que isso tudo
aconteceu ele continua morando ao lado da minha casa, vocês ñ podem imaginar
como me sinto, tão suja que sinto nojo de mim mesma, pior é ver que ele ñ é o
único que comete esses atos e saem impune mais o que me conforta é saber que se
a justiça do homem ñ for feita a de Deus será.” http://edepoimentos.blogspot.com.br/2009/02/depoimentos-de-mulheres-violentadas.html
São relatos
muito corajosos que desafiam a e abalam a ordem hipócrita dessa sociedade e nos
mostram como nós mulheres, primordialmente meninas, estamos vulneráveis a
violência sexual. Esses 04 relatos não foram contabilizados na construção de
nenhuma estatística e nem constam acusações contra os agressores. São relatos
de mulheres que silenciaram perante uma sociedade adultocêntrica e patriarcal. São
vozes que sentiram na carne o que significa a cultura do estupro e da
culpabilização da vítima. Ficamos chocados com esses relatos pelo caráter
doentio dessas agressões e da tendência que há de certas famílias se fecharem
diante de problema como os relatados acima e de até mesmo serem coniventes com
os agressores.
Quantas
mais meninas e mulheres vivenciaram essas terríveis experiências e fingiram que
não aconteceu nada por acreditaram que elas provocaram, que eram meninas más,
que mereciam ser estupradas, que iria desestruturar a família e tantas outras artimanhas
que a cultura do estupra usa para nos silenciarem? E quanto àquelas que não
calaram, que revelaram seus abusos, denunciaram seus agressores e foram
silenciadas ao serem acusadas de mentirosas, de criativa demais ou que
simplesmente foram desacreditava por qualquer motivo que fosse conveniente às
pessoas do seu convívio?
Quem
não viu a notícia sobre o a convivência marital entre dois irmãos e um suposto estupro
cometido pelo tio-enteado contra uma garota?
“Um homem é suspeito de
estuprar a sobrinha, que também é enteada, de 14 anos na cidade de Guarabira, no
Agreste paraibano, segundo informações do Conselho Tutelar. De acordo com a
conselheira Mariza Gomes, o homem e a irmã vivem como marido e mulher. O caso
chegou ao conhecimento do Conselho Tutelar por meio de denúncia anônima. A
conselheira explicou que, depois da denúncia, foi buscar a mulher e a
adolescente para colher os depoimentos. Segundo ela, a menina não fala e a
mudez pode ser consequência do trauma. ‘Quando perguntei a ela se
realmente tinha acontecido [o estupro], ela baixou a cabeça e as lágrimas
começaram a cair’, disse. G1.
Pois
é, seria mais um caso que não se converteria em dado em estatística nenhuma e
cujo agressor sairia ileso não fosse a denúncia anônima. Eu mesmo conheço
pessoalmente dezenas de meninas que foram estupradas e nenhuma delas ofereceram
denuncia contra o agressor e muito menos foram contatadas para fazer parte de
pesquisa alguma. E ainda me dizem que sou feminazi. São cometidos anualmente
577 000, isso mesmo, 577 mil tentativas ou estupros consumados.
E quer saber? Talvez essa estimativa esteja longe de corresponder ao número
real. Acho que é preciso que sejam realizadas pesquisas confiáveis sobre o
estupro. Posso estar sendo leviana levantando essa hipótese, mas quase todas as
mulheres que conheço foram vítimas de algum abuso. Basta eu contar que fui
estuprada que me falam sobre um episódio que lhe ocorreu.
Acho
que precisamos rever a forma como cuidamos das nossas crianças e como estamos
lidando com o estupro. Precisamos pensar uma estratégia que nos ajude a romper
com a tendência ao silêncio e estimular as vítimas a denunciarem. Mas isso
implica a mudança de paradigma, implica acolher e escutar a vítima. Implica
entender que a mulher tem direito pleno sobre o próprio corpo, implica “perder”
tempo ouvindo as crianças e não julga-las. Perpassa por não desenvolver paixões
cegas e compreender que é possível sim que seu marido, filho ou irmão querido
seja um estuprador. Ou você acha que o estuprador é o fruto de geração
espontânea, não tem pai, mãe e irmã e outros familiares?
1 comentário:
Fui abusada aos 7 anos por um medico. Minha tia me levou por causa de uma infecção de ouvido. Na hora de me examinar ele mandou eu tirar toda a roupa, deitar na maca e ficou introduzindo os dedos na minha vagina e passando a mão nos meus seios por uns 15 minutos, e dizia "que era muito bom". Fiquei traumatizada e envergonhada. Não contei aos meus pais, mas comentei com uma prima da mesma idade. Ela disse que ele também tentou fazer isso com ela e ela não deixou. Fiquei me sentindo culpada por ter "deixado" boa parte da minha infância. Hoje sei que não tive culpa nenhuma. Nunca contei aos meus pais.
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