Há aproximadamente
três anos atrás comecei a escrever um livro a partir das minhas memórias, não
tinha ideia de por onde começar e nem como relatar tanta violência das quais
fui vítima. Depois de escrever algumas páginas, recheadas de angústia, raiva e
rancor, larguei o relato numa pasta qualquer nos documentos do computador. Dias
depois, não me dei ao trabalho de reler, apenas segui com os relatos. E assim
eu ia, quando sentia vontade voltava e escrevia mais um pouco, páginas ou somente
parágrafos. Eram relatos dos horrores que havia passado na convivência com avós
e tios alcoólatras e na ausência dos pais biológicos. Quase um ano depois de
ter iniciado a redação desse livro, resolvi reler essas páginas. Surpreendentemente
não me reconheci em meio àqueles textos sombrios, rancorosos, doloridos. Percebi
que aqueles sentimentos tão densos não faziam mais parte de mim.
Eu tinha
muita raiva de ter sido vítima de maus tratos por toda a minha infância e da
minha primeira relação sexual ter sido um estupro, assunto que escondo da minha
família até hoje. Nunca tive coragem de contar pra eles sobre isso. Aliais,
nunca conversamos sobre nossas vidas pessoais entre nós. Não sei se gostaria
que eles soubessem que passei por isso, acho que eles não têm estrutura para
lidar com uma informação como essa. E pelo caráter conversador de alguns membros
imagino que vão dizer que isso aconteceu por que procurei. Mas enfim, meus avós
já estão mortos. Minha mãe talvez seja a pessoa que mais possa se chocar com
essa informação. Mas acho que talvez não venham saber desse episódio por conta
desse relato aqui no blog. Afinal, meu irmão e primos não leem este blog, não
curtem, compartilham ou comentam as minhas postagens, é uma forma carinhosa de
me prestigiarem e me darem apoio ao meu sonho de me tornar uma escritora. Mas, “milagres”
acontecem e quem sabe um deles resolve dar uma lida aqui e ler exatamente essa
postagem, o que acho pouco provável. De qualquer forma, caso isso aconteça, quem
sabe eles tomem conhecimento e acabe logo que esse mistério. Acho que eles
podem não fazer qualquer menção sobre o caso ou, no máximo, perguntar
grosseiramente se é verdade. Mas isso, depois se vê.
Mas
enfim, voltando à questão da redação do livro, um ano depois e muitas páginas
mal redigidas resolvi reescrevê-las. Nesse esforço a coisa toda tomou outro
rumo. Os textos se converteram numa redação mais leve, de fácil leitura, uma
pitada de humor e poesia, sentimentos que condizem mais comigo e tem haver com
meu estado de espírito atual. Afinal, retirei os meus opressores de dentro de mim
e deles guardo apenas vagas lembranças. Entretanto, eles estão bem
presentes no meu passado me dizendo quem seu sou. Sou exatamente fruto de todas
as experiências que vivi, tenham sido elas boas ou ruins e são essas lembranças
que me mostram o quanto sou forte e resiliente. E é importante deixar claro que
gosto demais da pessoa que me tornei, uma pessoa livre, leve e cheia de vida.
Bem,
o que realmente queria dizer é; eu não levo o ódio, rancor, sede de vingança ou
a injustiça dentro de mim. Portanto, não desejo me vingar, fazer justiça com as
próprias mãos ou, sequer acho que isso seja justiça. É obvio que tenho asco de
estupradores, e acho também que alguns deles merecem castração como pena. Principalmente,
os que violentam ou abusam de crianças. Mas não acho correto que uma população
de justiceiros atue fazendo “justiça” com as próprias mãos e linche, agrida, cause
qualquer prejuízo e até mate alguém que supostamente cometeu esse tipo de crime.
Sempre há a possibilidade de se cometer uma injustiça, como a que ocorreu no
caso da menina Tamires, em que o padeiro Genilson Alves da Silva de 40 anos foi
indevidamente acusado pela população,
O padeiro Genilson (Crédito: TNH1) |
“Após
ter a panificação incendiada e a casa destruída por moradores revoltados, a
polícia descartou a participação de Genilson Alves da Silva, 40, no estupro
seguido de morte da menina Tamires Érica Caroline da Silva, de apenas 7 anos. Em
entrevista ao TNH na tarde desta terça-feira 8, o delegado Ewerton Gonçalves
disse que não há qualquer indício da participação de Genilson Alves na morte da
menina. “Foi uma acusação leviana. Fizemos o levantamento e não encontramos
qualquer envolvimento de Genilson com o caso”, disse o delegado... O corpo de Tamires foi encontrado
no domingo (06), após ter desaparecido na tarde do último sábado (05) depois de
buscas realizadas por familiares e vizinhos da menina, no conjunto Cidade
Sorriso, loteamento Bela Vista, no bairro Benedito Bentes 2, periferia de
Maceió”. TNH1
Doutra
forma, sujar as mãos com sangue do agressor não repara o dano e muito menos rompe
com o ciclo de violência, pelo contrário, o alimenta, provoca mais e mais
violência. Quanto mais mãos sujas mais sedentas as pessoas ficam por sangue. Gera
um processo que tende a se se alastrar e se tornar cada vez mais incontrolável.
Criando um cenário instável e passível de muitos erros e equívocos, situação
impensável quando se pensa em justiça. Agora do ponto de vista individual a
coisa se torna ainda mais sombria, torna o justiceiro tão ou mais cruel que o
agressor. Definitivamente, acho que a tortura e agressão como mecanismos de
vingança desumanizam e dessensibilizam a vítima. Repugno a atual situação onde
uma simples batida de carro acaba em agressão ou assassinato. Estamos perdendo a mão, a violência está tão
banalizada que não percebemos que a situação está quase incontrolável. Jovens
se divertem estuprando, ateando fogo em mendigos, espancando homossexuais. Cidadãos
de “bem” agridem uns aos outros e até matam por conta de bobagens... Afinal,
essa é a sociedade que queremos para nós ou para os nossos filhos?
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