sexta-feira, 11 de abril de 2014

Na vingança não há justiça



Há aproximadamente três anos atrás comecei a escrever um livro a partir das minhas memórias, não tinha ideia de por onde começar e nem como relatar tanta violência das quais fui vítima. Depois de escrever algumas páginas, recheadas de angústia, raiva e rancor, larguei o relato numa pasta qualquer nos documentos do computador. Dias depois, não me dei ao trabalho de reler, apenas segui com os relatos. E assim eu ia, quando sentia vontade voltava e escrevia mais um pouco, páginas ou somente parágrafos. Eram relatos dos horrores que havia passado na convivência com avós e tios alcoólatras e na ausência dos pais biológicos. Quase um ano depois de ter iniciado a redação desse livro, resolvi reler essas páginas. Surpreendentemente não me reconheci em meio àqueles textos sombrios, rancorosos, doloridos. Percebi que aqueles sentimentos tão densos não faziam mais parte de mim.
 
Eu tinha muita raiva de ter sido vítima de maus tratos por toda a minha infância e da minha primeira relação sexual ter sido um estupro, assunto que escondo da minha família até hoje. Nunca tive coragem de contar pra eles sobre isso. Aliais, nunca conversamos sobre nossas vidas pessoais entre nós. Não sei se gostaria que eles soubessem que passei por isso, acho que eles não têm estrutura para lidar com uma informação como essa. E pelo caráter conversador de alguns membros imagino que vão dizer que isso aconteceu por que procurei. Mas enfim, meus avós já estão mortos. Minha mãe talvez seja a pessoa que mais possa se chocar com essa informação. Mas acho que talvez não venham saber desse episódio por conta desse relato aqui no blog. Afinal, meu irmão e primos não leem este blog, não curtem, compartilham ou comentam as minhas postagens, é uma forma carinhosa de me prestigiarem e me darem apoio ao meu sonho de me tornar uma escritora. Mas, “milagres” acontecem e quem sabe um deles resolve dar uma lida aqui e ler exatamente essa postagem, o que acho pouco provável. De qualquer forma, caso isso aconteça, quem sabe eles tomem conhecimento e acabe logo que esse mistério. Acho que eles podem não fazer qualquer menção sobre o caso ou, no máximo, perguntar grosseiramente se é verdade. Mas isso, depois se vê.  


Mas enfim, voltando à questão da redação do livro, um ano depois e muitas páginas mal redigidas resolvi reescrevê-las. Nesse esforço a coisa toda tomou outro rumo. Os textos se converteram numa redação mais leve, de fácil leitura, uma pitada de humor e poesia, sentimentos que condizem mais comigo e tem haver com meu estado de espírito atual. Afinal, retirei os meus opressores de dentro de mim e deles guardo apenas vagas lembranças. Entretanto, eles estão bem presentes no meu passado me dizendo quem seu sou. Sou exatamente fruto de todas as experiências que vivi, tenham sido elas boas ou ruins e são essas lembranças que me mostram o quanto sou forte e resiliente. E é importante deixar claro que gosto demais da pessoa que me tornei, uma pessoa livre, leve e cheia de vida.


Bem, o que realmente queria dizer é; eu não levo o ódio, rancor, sede de vingança ou a injustiça dentro de mim. Portanto, não desejo me vingar, fazer justiça com as próprias mãos ou, sequer acho que isso seja justiça. É obvio que tenho asco de estupradores, e acho também que alguns deles merecem castração como pena. Principalmente, os que violentam ou abusam de crianças. Mas não acho correto que uma população de justiceiros atue fazendo “justiça” com as próprias mãos e linche, agrida, cause qualquer prejuízo e até mate alguém que supostamente cometeu esse tipo de crime. Sempre há a possibilidade de se cometer uma injustiça, como a que ocorreu no caso da menina Tamires, em que o padeiro Genilson Alves da Silva de 40 anos foi indevidamente acusado pela população,

O padeiro Genilson disse que sua vida foi destruída após ter sido acusado (Crédito: TNH1)
O padeiro Genilson (Crédito: TNH1)
“Após ter a panificação incendiada e a casa destruída por moradores revoltados, a polícia descartou a participação de Genilson Alves da Silva, 40, no estupro seguido de morte da menina Tamires Érica Caroline da Silva, de apenas 7 anos. Em entrevista ao TNH na tarde desta terça-feira 8, o delegado Ewerton Gonçalves disse que não há qualquer indício da participação de Genilson Alves na morte da menina. “Foi uma acusação leviana. Fizemos o levantamento e não encontramos qualquer envolvimento de Genilson com o caso”, disse o delegado... O corpo de Tamires foi encontrado no domingo (06), após ter desaparecido na tarde do último sábado (05) depois de buscas realizadas por familiares e vizinhos da menina, no conjunto Cidade Sorriso, loteamento Bela Vista, no bairro Benedito Bentes 2, periferia de Maceió”. TNH1
Doutra forma, sujar as mãos com sangue do agressor não repara o dano e muito menos rompe com o ciclo de violência, pelo contrário, o alimenta, provoca mais e mais violência. Quanto mais mãos sujas mais sedentas as pessoas ficam por sangue. Gera um processo que tende a se se alastrar e se tornar cada vez mais incontrolável. Criando um cenário instável e passível de muitos erros e equívocos, situação impensável quando se pensa em justiça. Agora do ponto de vista individual a coisa se torna ainda mais sombria, torna o justiceiro tão ou mais cruel que o agressor. Definitivamente, acho que a tortura e agressão como mecanismos de vingança desumanizam e dessensibilizam a vítima. Repugno a atual situação onde uma simples batida de carro acaba em agressão ou assassinato.  Estamos perdendo a mão, a violência está tão banalizada que não percebemos que a situação está quase incontrolável. Jovens se divertem estuprando, ateando fogo em mendigos, espancando homossexuais. Cidadãos de “bem” agridem uns aos outros e até matam por conta de bobagens... Afinal, essa é a sociedade que queremos para nós ou para os nossos filhos?
 

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