quinta-feira, 17 de abril de 2014

Aborto: Um direito não idealização romântica



Marta* fonte: Esquerda.net


Hoje me deparei com a divulgação de uma estatística surreal dando conta que no Brasil morriam anualmente 200 mil mulheres em decorrência de abortos mal sucedidos realizados de forma clandestina. 

 
Intrigada com o número, fui pesquisar a respeito e encontrei uma artigo muito bom, “Brasil:aborto clandestino é a quinta causa de morte materna”, uma reportagem realizada por Andrea Dip para a Agência Pública de 28 de Setembro, 2013. O artigo revela que a cada dois dias uma brasileira (pobre) morre por aborto inseguro, um problema de saúde pública ligado à criminalização da interrupção da gravidez e à violação dos direitos da mulher.
Por ano, no Brasil, são realizados 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações. É a segunda causa de internamentos por procedimento da ginecologia. A mulher pobre tem risco multiplicado por mil no aborto inseguro
“Só para contextualizar nós temos hoje, segundo a OMS, 20 milhões de abortos inseguros sendo praticados no mundo. Por aborto inseguro, a Organização entende a interrupção da gravidez praticada por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. O aborto inseguro tem uma forte associação com a morte de mulheres – são quase 70 mil todos os anos. Acontece que estas 70 mil não estão democraticamente distribuídas pelo mundo; 95% dos abortos inseguros acontecem em países em desenvolvimento, a maioria com leis restritivas. Nos países onde o aborto não é crime como Holanda, Espanha e Alemanha, nós observamos uma taxa muito baixa de mortalidade e uma queda no número de interrupções, porque passa a existir uma política de planeamento reprodutivo efetiva. [...] ‘O aborto não é um bem a ser alcançado. Nenhuma mulher acorda um dia e diz ‘vou engravidar daquele canalha que vai me abandonar, só para ter o prazer de provocar um aborto’. As mulheres buscam no aborto soluções para situações extremas. Mas é importante dizer que existe uma diferença entre aborto clandestino e inseguro. O aborto clandestino não é necessariamente inseguro. Ele pode ser feito em clínicas clandestinas, porém com todas as condições de higiene, por médicos treinados, quando a mulher tem dinheiro para pagar. A diferença entre as chances de morrer em um aborto inseguro e apenas clandestino é de 1000 vezes. Então acaba se criando uma desigualdade social, uma perversidade porque uma mulher que tem um nível socioeconômico bom, as mulheres dos melhores bairros da cidade de SP têm acesso a clínicas clandestinas, que não são legalizadas mas são seguras. Esse aborto pode custar mais de dois mil dólares. Enquanto um aborto inseguro pode custar 50 reais” diz o ginecologista. Apesar das diferenças de tratamento, a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2010 pela Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Género, mostra que, aos 40 anos, uma em cada cinco mulheres já fez ao menos um aborto. E que o perfil é o da mulher comum em idade reprodutiva. “Não existe surpresa nisso. São mulheres de diversas classes sociais e religiões se arriscando porque a clandestinidade oferece risco. As diferenças mais uma vez estão no facto de que quanto mais pobre essa mulher, mais riscos ela corre por causa dos métodos aos quais tem acesso” explica a autora da pesquisa Débora Diniz. Esta leitura confirma-se também no relatório feito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro em parceria com a organização internacional IPAS “Mulheres incriminadas por aborto no RJ: diagnóstico a partir dos atores do sistema de justiça”, que pesquisou casos de criminalização de mulheres por aborto e entrevistou juízes, desembargadores, promotores e atores do judiciário em geral e concluiu que: “é muito mais comum que uma mulher seja incriminada por aborto quando ela utiliza um método abortivo ‘caseiro’ (remédios obtidos no mercado paralelo e outros métodos) do que quando recorre à clínica. Estes casos são justamente aqueles nos quais o procedimento dá errado (a mulher reage à medicação) e cai no sistema público de saúde; lá, um servidor público (em alguns casos o médico do posto, em outros um policial militar de plantão) a encaminha para a polícia. Este aspecto demonstra claramente o recorte sócio-económico dessa modalidade de criminalização: a maior parte das mulheres que utiliza os serviços públicos de saúde é pobre, muitas das quais desempregadas ou com ocupações de baixa remuneração”. Jefferson Drezett Ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA).

A matéria publicada no site Esquerda.Net revela a história de Marta* uma mulher de 37 anos, mãe solteira de 3 filhos com idades variando entre um e seis anos de idade, que vivenciou várias histórias de abandono por parte dos pais das crianças (inclusive o da gravidez que interrompeu). Marta* corria o risco de cumprir pena de 4 anos pelo crime de aborto. Na época em que usou os comprimidos abortivos, em 2010, estava desempregada. Ela introduziu a medicação na vagina sem orientações adequadas, após três dias de sangramento e ainda sentindo muitas dores resolveu procurar um médico. 
“...a médica que a recebeu, imediatamente fez a denúncia à Policia Militar, explicando que retirou uma ‘massa amorfa’ de seu útero, ‘provavelmente’ uma placenta resultante de um aborto mal sucedido. ‘Não existe prova da gravidez, a única coisa é o depoimento desta médica dizendo que retirou uma quantidade grande de massa amorfa que ela avalia como placenta do útero dessa mulher, que chegou com um sangramento no hospital. Enquanto a mulher está hospitalizada essa médica chama a polícia militar e, enquanto ela está internada, a PM vai até a casa dela, sem mandato, e apreende um lençol sujo de sangue e um balde. Não havia feto, medicamento, caixa, nada. Apenas um lençol sujo de sangue e um balde, numa casa muito pobre. Com isso se instaura o inquérito policial. Quando ela sai do hospital, é levada até uma delegacia e existe uma confissão extrajudicial ao delegado. Essa mulher nunca é ouvida em juízo para confirmar ou não essa confissão’ resume a defensora Juliana enquanto esperamos. Marta aceitou assinar uma confissão para obter a suspensão condicional do processo – prevista para penas mínimas de até um ano, quando o réu é primário e não responde por outro processo criminal, e que suspende o caso por um período de 2 a 4 anos, desde que o acusado cumpra algumas condições como comparecer periodicamente em juízo para atualizar endereço, justificar ocupação lícita, prestar serviços à comunidade entre outras – mas ela deixou de cumprir essas condições e o processo seguiu o curso. Quando pergunto à defensora se ela acredita que a mulher possa ir realmente a júri popular, ela diz que nunca viu isso acontecer mas que não é impossível. E explica que pretende mostrar ao juiz que o processo é marcado por violações, como a falta de provas, já que não há feto, o testemunho extraoficial porque ela não chegou a ser ouvida em juízo, a denúncia feita por uma médica que quebrou o sigilo de sua relação com a paciente, as buscas sem mandato, a falta de uma perícia e de um exame de corpo e delito. ‘As mulheres costumam assinar a confissão porque chegam muito fragilizadas e querem se livrar daquilo o mais rápido possível. Os casos que chegam para nós são bem parecidos: mulheres pobres, sozinhas, com filhos, sem antecedentes criminais, que praticam o aborto inseguro em um momento de desespero e que são denunciadas pelos profissionais que as atendem nos hospitais públicos. Os companheiros não existem, nem aparecem os seus nomes nestes processos’ diz a defensora. Como Marta está desaparecida, a audiência aconteceria sem a sua presença, mas foi adiada porque a médica, única testemunha de acusação, estava de férias. Marta ali é um número, um crime que será julgado em alguns meses. Mas também é uma em um milhão de mulheres que, apesar da lei, da religião e da sua opinião pessoal, buscam o aborto clandestino no Brasil todos os anos. Com sorte, fugiria da pior estatística: a de que a prática insegura mata uma mulher a cada dois dias no país e é a quinta causa de morte materna.” Esquerda.Net.
 
Felizmente constatamos que o número de mortes por abortos no mundo é significativamente menor que os “estimados” para o Brasil, que seria de 200 mil mortes, divulgada irresponsavelmente na internet. No entanto a realidade dos fatos não é tão romântica quanto às pessoas que se posicionam contra o aborto fazem parecer. 70 mil mortes anuais, mesmo que seja no mundo inteiro, é um número alarmante e preocupante. Não se trata apenas de preservar a vida do feto, trata-se primordialmente de preservar a vida e a saúde de mulheres em extrema situação de vulnerabilidade.
As artista exibidas aqui já fizeram abortos Fonte:  http://veja.abril.com.br/idade/educacao/pesquise/aborto/1513.html

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