quarta-feira, 16 de abril de 2014

Abuso sexual: Quebrando o silêncio



Depois da grande repercussão que teve a pesquisa do Ipea (do 65% que se converteu em26%), na qual ficou evidente a cultura do estupro, a discussão sobre a cultura machista se acendeu e a revolta feminina se converteu não só na vontade de reivindicar a propriedade sobre o próprio corpo como também a necessidade de colocar a boca no mundo e dizer que não somos culpada pela violência sexual.
 
Uma das formas de demonstrar que não estamos solidárias com os estupradores – e  jamais poderíamos está – além do protesto “Não mereço ser estuprada” muitas mulheres romperam o silêncio que amargaram por anos e até décadas e falaram sobre a violência sexual das quais foram vítimas.
“Um dia, eu fui brincar na casa do meu amigo, que morava ao lado de casa e o irmão mais velho dele, que na época deveria ter uns 17 ou 18 anos, me chamou para um quarto, abaixou a minha calcinha, botou a mão na minha boca tentando impedir que eu gritasse (nem precisava, as palavras não saiam) e começou a penetrar em mim, dizia que ele estava só brincando comigo, que se eu contasse aos meus pais ele iria machuca-los e ficou por bastante tempo fazendo aquilo e eu só queria chorar, porque doía muito e nem estava entendendo o que estava acontecendo. Lembro que quando cheguei em casa, minha babá foi me dá banho, e quando viu minha vagina, perguntou porque ela estava toda vermelha, assada, perguntou se eu havia lavado com sabão de manhã e eu disse que sim (mentindo). Então ela me ensinou que nunca deveria lavar com aquele tipo de sabão e que ia passar pomada em mim. Mesmo depois dela ter me dado banho, ainda me sentia suja e com medo. Houveram dias em que a minha babá precisava ir embora mais cedo e me deixava na casa desse vizinho. E o mesmo se repetia.  Não entendo como ninguém naquela casa não percebia. Passei tardes triste, lembro muito bem, sentia vontade de chorar, tinha uns momentos agressivos, vontade de fugir, de morrer, mas nunca sequer mencionei algo para os meus pais.” http://mulheresemmarcha.blogspot.com.br/2014/04/sobre-as-palavras-que-nunca-sairam.html

“Quando eu tinha apenas 5 anos sofria tentativas de abuso da parte de um familiar, eu não tinha a ideia do que estava acontecendo ,mais ele fazia com que eu me sente-se culpada daquilo tudo e por muito tempo eu me culpava, mesmo sabendo que nada tinha feito para merecer aquilo! Sofri muito ao longo do tempo marcada por lembranças que até hoje me aflige, hoje sei que uma criança não tem o entendimento do certo e do errado como eu apenas uma criança de 5 anos poderia ter a malicia de seduzir um adulto? Quero fazer parte dessa voz feminina que a muito tempo tentam calar, e fechar os olhos! Ninguém merece e nem tem culpa de ser estuprada, qual mulher na sua faculdade mental gostaria de sofrer tal agressão e humilhação?”  
Tenho 25 anos e sofri abuso sexual aos 8, praticado por um tio. As lembranças daquela tarde ficaram muitos anos enterrados na memória. Eu sofri o abuso e como uma forma de “defesa” minha mente bloqueou tudo e eu achava que tinha imaginado tudo aquilo, tinha apenas lembranças borradas. Mas o que mais contribuiu para que eu tivesse bloqueado aquilo da minha mente foi eu ter contado para minha mãe e ela não ter acreditado, me disse que conhecia o irmão e sabia que ele não faria algo assim. Ser desacreditada pela minha própria mãe me fez perder minha identidade. Passei a acreditar que eu era má e que mentia. Meu corpo mandava sinais e ninguém entendia, passei a ter pesadelos noturnos, incontinência urinária e me tornar agressiva. Sem contar que em reuniões de família quando meu tio aparecia eu passava mal e achava que ia morrer, sintomas de ansiedade. http://fuiestuprada.wordpress.com/

“Fui violentada sexualmente pelo meu tio que considerava como um pai isso aconteceu quando tinha 8 anos, só fui revelar a minha mãe aos 14anos e a reação foi a pior possível ela contou exatamente a esposa dele que pediu a minha mãe que ñ contasse a ninguém pois com calma resolveríamos isso, fui dormir pensando q no dia seguinte estaria livre desse pesadelo que me seguia desde então, foi numa quinta-feira só sair de casa no domingo de tarde, estavam meus tios e outros parentes no lado de fora de casa lá na rua como sempre e eu fui dar "benção" e ninguém me respondeu e repeti só que nada e entrei novamente em casa chorando como se soubesse o que havia acontecido, e minha mãe me chamou ao quarto dela e me contou que a irmã dela a esposa o meu agressor, chamou cada parente que ali perto morava e contou a versão dela querem saber qual foi? Ela disse que eu seduzi o marido dela, agora eu me pergunto como é capaz uma criança de 8anos seduzir um homem com mais de trinta, é a vida nos traz surpresas, só que nem sempre elas são as que queremos, no entanto hoje já faz 3anos que isso tudo aconteceu ele continua morando ao lado da minha casa, vocês ñ podem imaginar como me sinto, tão suja que sinto nojo de mim mesma, pior é ver que ele ñ é o único que comete esses atos e saem impune mais o que me conforta é saber que se a justiça do homem ñ for feita a de Deus será.” http://edepoimentos.blogspot.com.br/2009/02/depoimentos-de-mulheres-violentadas.html

São relatos muito corajosos que desafiam a e abalam a ordem hipócrita dessa sociedade e nos mostram como nós mulheres, primordialmente meninas, estamos vulneráveis a violência sexual. Esses 04 relatos não foram contabilizados na construção de nenhuma estatística e nem constam acusações contra os agressores. São relatos de mulheres que silenciaram perante uma sociedade adultocêntrica e patriarcal. São vozes que sentiram na carne o que significa a cultura do estupro e da culpabilização da vítima. Ficamos chocados com esses relatos pelo caráter doentio dessas agressões e da tendência que há de certas famílias se fecharem diante de problema como os relatados acima e de até mesmo serem coniventes com os agressores. 
Quantas mais meninas e mulheres vivenciaram essas terríveis experiências e fingiram que não aconteceu nada por acreditaram que elas provocaram, que eram meninas más, que mereciam ser estupradas, que iria desestruturar a família e tantas outras artimanhas que a cultura do estupra usa para nos silenciarem? E quanto àquelas que não calaram, que revelaram seus abusos, denunciaram seus agressores e foram silenciadas ao serem acusadas de mentirosas, de criativa demais ou que simplesmente foram desacreditava por qualquer motivo que fosse conveniente às pessoas do seu convívio? 
Quem não viu a notícia sobre o a convivência marital entre dois irmãos e um suposto estupro cometido pelo tio-enteado contra uma garota?
“Um homem é suspeito de estuprar a sobrinha, que também é enteada, de 14 anos na cidade de Guarabira, no Agreste paraibano, segundo informações do Conselho Tutelar. De acordo com a conselheira Mariza Gomes, o homem e a irmã vivem como marido e mulher. O caso chegou ao conhecimento do Conselho Tutelar por meio de denúncia anônima. A conselheira explicou que, depois da denúncia, foi buscar a mulher e a adolescente para colher os depoimentos. Segundo ela, a menina não fala e a mudez pode ser consequência do trauma.  ‘Quando perguntei a ela se realmente tinha acontecido [o estupro], ela baixou a cabeça e as lágrimas começaram a cair’, disse. G1.
 
Pois é, seria mais um caso que não se converteria em dado em estatística nenhuma e cujo agressor sairia ileso não fosse a denúncia anônima. Eu mesmo conheço pessoalmente dezenas de meninas que foram estupradas e nenhuma delas ofereceram denuncia contra o agressor e muito menos foram contatadas para fazer parte de pesquisa alguma. E ainda me dizem que sou feminazi. São cometidos anualmente 577 000, isso mesmo, 577 mil tentativas ou estupros consumados. E quer saber? Talvez essa estimativa esteja longe de corresponder ao número real. Acho que é preciso que sejam realizadas pesquisas confiáveis sobre o estupro. Posso estar sendo leviana levantando essa hipótese, mas quase todas as mulheres que conheço foram vítimas de algum abuso. Basta eu contar que fui estuprada que me falam sobre um episódio que lhe ocorreu.
Acho que precisamos rever a forma como cuidamos das nossas crianças e como estamos lidando com o estupro. Precisamos pensar uma estratégia que nos ajude a romper com a tendência ao silêncio e estimular as vítimas a denunciarem. Mas isso implica a mudança de paradigma, implica acolher e escutar a vítima. Implica entender que a mulher tem direito pleno sobre o próprio corpo, implica “perder” tempo ouvindo as crianças e não julga-las. Perpassa por não desenvolver paixões cegas e compreender que é possível sim que seu marido, filho ou irmão querido seja um estuprador. Ou você acha que o estuprador é o fruto de geração espontânea, não tem pai, mãe e irmã e outros familiares?  


1 comentário:

Anónimo disse...

Fui abusada aos 7 anos por um medico. Minha tia me levou por causa de uma infecção de ouvido. Na hora de me examinar ele mandou eu tirar toda a roupa, deitar na maca e ficou introduzindo os dedos na minha vagina e passando a mão nos meus seios por uns 15 minutos, e dizia "que era muito bom". Fiquei traumatizada e envergonhada. Não contei aos meus pais, mas comentei com uma prima da mesma idade. Ela disse que ele também tentou fazer isso com ela e ela não deixou. Fiquei me sentindo culpada por ter "deixado" boa parte da minha infância. Hoje sei que não tive culpa nenhuma. Nunca contei aos meus pais.