Pragmatismo político |
Enquanto
repercute nas redes sociais a “brincadeira” ofensiva que Fausto Silva fez com a dançarina Ariella
Macedo mais um caso açoitamento de negro amarrado seminu a um poste em plena
via pública vota a ser manchete.
Mas
o que tem haver a dançarina Ariella e um negro açoitado amarrado em post?
A
ligação entre os dois casos é o racismo praticado veladamente através das
“brincadeiras” racistas ou “mentiras sinceras” e da marginalização do jovem
negro e pobre da periferia. Mas é claro que não devemos esquecer de guardar as
devidas proporções entre os casos. Enquanto a prática de desqualificar a imagem
do negro é de “menor potencial ofensivo” e culturalmente aceita, haja vista a
iniciativa dos defensores do Faustão na tentativa de justificar o insulto defendendo que ao chamar
a moça de “Arielle cabelo de vassoura de bruxa” o apresentador estava apenas
brincando, já a marginalização do negro, principalmente o pobre, assume
contornos trágicos. Basta ver as cadeias e presídios abarrotados negros e
negras e as estatísticas de homicídios que vitimam esse grupo.
“Negros compõem 60% da população carcerária brasileira, 58% são de jovens entre 18
e 29 anos e 77% não passaram do ensino fundamental, o que mostra o presídio
como verdadeiro mecanismo de detenção e criminalização da população pobre,
jovem e negra. [...] A invisibilização constante das situações de barbárie
presenciadas no cotidiano das cadeias, em que os setores marginalizados seguem
sendo o alvo preferencial de nossa política de segurança pública, tem como pano
de fundo a demonização de um perfil idealizado do agente criminoso. Quem
encarna a figura do “bandido” pertence à parcela da sociedade que só entra no
sistema jurídico enquanto réu, reincidente, criminoso; e não como sujeito de
direitos [ou seja, o negro].” União Nacional de Estudantes.
Há
nove anos os homicídios atingem prioritariamente os negros e se intensificaram em
2011, das 49.307 pessoas assassinadas no país 35.207 (71,4%) eram negras.
Entre os brasileiros na faixa etária de 14 a 25 anos, essa percentagem é ainda
maior. O Mapa da Violência de 2013 aponta que entre 2002 e 2011 morreram 122.570
jovens negros contra 50.903 homicídios de jovens brancos, um número quase três
vezes menor. Entretanto, essa diferença continuou aumentando e após 2011 os jovens negros, que já eram vítimas
preferenciais dos assassinatos, atingiu o patamar de 76,9% das vitimas de mortes violentas. (Rede Brasil Atual)
Em meio a esse contexto, uma legião de justiceiros se multiplica pelo país. A fúria dessa massa se volta eminentemente contra o delinquente miserável e negro, “potencial suspeito” de toda espécie de crime.
Em meio a esse contexto, uma legião de justiceiros se multiplica pelo país. A fúria dessa massa se volta eminentemente contra o delinquente miserável e negro, “potencial suspeito” de toda espécie de crime.
Foto - Jornal Diário do Aço |
Minas
Gerais, 22/04/14. “Um
rapaz acusado de furtos foi amarrado de cueca a um poste e açoitado por
populares que usaram fios de energia elétrica na agressão, que ocorreu na
cidade de Ipatinga (217 km de Belo Horizonte) na última quinta-feira (17).
Segundo a Polícia Militar, o jovem de 18 anos foi dominado por moradores do
Morro do Sossego, no bairro Veneza, que o acusaram de ser autor de uma série de
furtos na região. [...] De acordo com o boletim de ocorrência, a vítima da
surra teria dito à polícia que não saberia identificar os agressores e ‘mesmo
se soubesse, não diria’. A PM informou que ninguém foi localizado como sendo
autor das agressões. Em um vídeo exibido por uma emissora de televisão local, o
rapaz aparece amarrado a um poste com pedaços de pano e sendo açoitado.
Gritando muito enquanto recebia as agressões, ele repetia ordem dada pelo
agressor. Na fala, a vítima grita: ‘nunca mais vou roubar no morro’.”
Uol.
Apesar de compreender a revolta da população com a leniência do Estado em aplicar as devidas punições aos criminosos, sobretudo contra àqueles que cometeram crimes pequenos delitos, entendo que a justiça “pelas próprias mãos” não seja o melhor caminho para barrar o crescimento da criminalidade. Especialmente por que ao fazê-la comete também crime, muitas vezes, se excede na punição e eventualmente pode cometer injustiças.
Apesar de compreender a revolta da população com a leniência do Estado em aplicar as devidas punições aos criminosos, sobretudo contra àqueles que cometeram crimes pequenos delitos, entendo que a justiça “pelas próprias mãos” não seja o melhor caminho para barrar o crescimento da criminalidade. Especialmente por que ao fazê-la comete também crime, muitas vezes, se excede na punição e eventualmente pode cometer injustiças.
Em
fevereiro, dia 04. “Um
adolescente de 15 anos foi agredido a pauladas e acorrentado nu pelo pescoço a
um poste, na noite de sexta-feira (31), no Flamengo, zona sul do Rio. Moradora
da região, a filóloga Yvonne Bezerra de Mello, 67, do Projeto Uerê, encontrou o
garoto desorientado e chamou os bombeiros. [...] Os bombeiros tiveram que usar
um maçarico para libertar o rapaz. [...] Testemunhas afirmaram que o garoto foi
agredido a pauladas por um grupo de três homens, que estavam em motos. A
Polícia Civil informou que a delegada titular da 9ª DP (Catete), Monique Vidal,
registrou o crime na unidade como ‘lesão corporal’, após tomar conhecimento do
caso pela imprensa.” Folha de São Paulo.
Uma
semana depois, usando as técnicas citadas anteriormente foi registrado em
Itajaí, Santa Catarina, outro caso de “justiçamento” (Termo propositalmente
modificado e colocando como prática de aplicar justiça pelas próprias mãos).
“Um rapaz de 26 anos
foi amarrado com cordas a um poste na tarde desta quinta-feira (13) na cidade
de Itajaí, na região do Vale, após assaltar uma lanchonete. [...] Como não
conseguiu fugir e estava desarmado, o suspeito foi detido por populares e
recebeu socos e pontapés até sangrar. [...] A PM catarinense informou que outro
jovem o acompanhava no assalto desta quinta, mas o assaltante conseguiu fugir
do local. A dupla chegou em uma motocicleta, entrou na lanchonete com um
revólver, roubou R$ 2 mil do estabelecimento e objetos pessoais dos clientes.
Na tentativa de fuga, o veículo não funcionou. O suspeito que estava com a
arma, o dinheiro e os objetos roubados conseguiu correr. A polícia disse que o
rapaz que não obteve sucesso na fuga foi detido por populares, que o amarraram
no poste e o agrediram até que ele sangrasse, principalmente no rosto.” G1.
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2014/02/jovem-e-amarrado-poste-e-agredido-apos-assaltar-lanchonete-em-itajai.html.
Qualquer
semelhança com os métodos de punição usados pelos feitores ou senhores escravocratas
não é mera semelhança. A técnica usada é a mesma e os fins também, os escravos eram
açoitados seminus amarrados no pelourinho para “corrigir” publicamente seus os
erros e “desestimular” a ação de potenciais transgressores lhes provocando
terror. Contra o negro escravo a tática deu bastante certo. Os castigos aplicados a eles eram tão cruéis
que, de acordo com um estudo feito na UniversidadeEstadual de Campinas, o alto índice de suicídios entre escravos durante as duas últimas
décadas da escravatura no Brasil eram motivados pelos problemas que tinham com
a justiça e o medo de castigos impostos pelo senhor.
Tenho
certeza que vai ter quem pergunte que baboseiras são essas de racismo,
escravidão e preconceito que eu estou falando já que um dos “marginais”
açoitados era “branco”. Particularmente, não vejo motivos para invalidação das
reflexões aqui propostas, brancos pobres são todos pretos, culturalmente gozam
da mesma condição, são categorias marginalizadas desse país. Ou alguém imaginou
amarrar em um post e espancar o pastor Marcos Pereira da Silva, que foi
condenado em primeira instância a 15 anos de prisão por estupro?
Também não houve quem defendesse o justiçamento de Paulo Maluf, réu em vários
processos, dentre eles desvio (roubo) de dinheiro público. Muito menos O médico Roger Abdelmassih,
condenado a 278 anos por violentar 37 mulheres foi ameaçado de linchamento.
Vivemos num país socialmente injusto, fortemente desigual, onde o pobre, especialmente o negro, não tem oportunidades, pelo contrário, tem seus direitos básicos negados. Embora o negro goze de liberdade há mais de cem anos, boa parte deles continua sem poder frequentar a casa grande, sendo levado ao pelourinho para receber os mesmos castigos e temendo mais seus feitores do que a própria morte. Desde a abolição não houve justiça que os alcançasse, exceto os justiçamento ou o peso do poder de polícia, que converteu o cárcere em senzala. E ainda os negam a possibilidade de serem beneficiados com as cotas raciais. Mas é claro, são brancos lutando pelo direito de continuar açoitando negros e brancos pobres amarrados em pelourinhos.
1 comentário:
Uma sociedade que não me representa!
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