Costumamos dizer que nos
importamos com os outros, que somos bons cristãos, que respeitamos o próximo... Mas até
que ponto essas afirmativas são verdadeiras?
A gente respeita aquele que
tem pensamentos semelhantes aos nossos. A gente se importa com aqueles que
fazem parte da nossa família, ou quando muito, a gente se preocupa com aqueles
que estão no nosso entorno e num círculo muito restrito.
Descortinados os véus da
hipocrisia, a gente se importa e se preocupa somente com aqueles que estão em conformidade
com os nossos padrões morais e que não ousam nos afrontar com verdades que se
chocam a nossa.
Eu te amo e me importo com você desde que você não seja: gay, macumbeiro, maconheiro, galinha, puta, a favor do aborto, comunista... Estamos sempre dispostos a rotular as pessoas, sempre dispostos a fazer julgamentos. Então me surge uma pergunta: por que somos tão preconceituosos?
Natália Guerra, 24 anos, nos
brinda com um lindo depoimento sobre como é ser uma menina que namora meninas.
Fortaleza, 23 de novembro de
2013.
"(...) e não é que ele dá uma mulher bonita, nem
parece homem, já mandei meu marido sair de perto dele, desculpa, eu me recuso a
chamar ele de ela, eu vi ele crescer, ele tem um negócio debaixo da saia, ele é
menino, ele sempre vai ser menino, essas coisas a gente não muda, essas coisas
a gente não muda, essas coisas não mudam a gente, essas coisas a gente é, a
gente é o que a gente for, é menina."
(George Duvivier, Folha de São Paulo, 30/09/2013)
Querida Ana,
quando começamos aquela
conversa e tu me fez todas aquelas perguntas no começo da semana, me veio na
cabeça a coluna do George Duvivier no site do jornal da Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2013/09/1349256-e-menino.shtml).
Ainda não sou mãe, mas sei que
é bem verdade,
que antes de nascermos e após o
nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, nossos pais depositam uma série de
expectativa sobre
nossas vidas, que muitas vezes pouco têm a ver com o que sonhamos e queremos para nós.
Uns sonham em ter uma filha.
Linda, delicada, que até parece
uma princesa, mas que aprenda a cuidar bem da casa para servir ao seu futuro marido e sua família. Outros um
filho, homem, com “h”
maiusculo. Esse
vai ser o melhor nos esportes, o mais forte, o que vai pegar todas as meninas
da escola e do bairro.
Bom, nem sempre as coisas
acontecem como planejam para nós,
ainda mais porque o ser humano em sua complexidade, não poderia ser
colocado em caixinhas assim, como mandam as normas heterossexuais das quais temos que
seguir na nossa sociedade. E a verdade, é que no final das contas, de algum jeito, acabamos
transbordando, sem dar conta do que esperavam que nos tornassemos.
Tenho 24 anos, sou filha de
pais divorciados e por esse motivo, minha mãe sempre foi uma mulher que trabalhou bastante, e
teve que dar o melhor de si para que eu e minha irmã crescessemos da forma mais saudável e
tranquila possível.
Por tudo isso, sinto muita
admiração por ela e
imagino o quão difícil deve ter
sido para ela ter escutado durante uma noite, em que conversavamos, que aquela menina que vinha
algumas vezes aqui em casa, não
era minha amiga, mas minha namorada.
Em nenhum momento, contar isso
para minha mãe,
ou qualquer outro evento da minha vida pessoal amorosa foi uma opção, assim como
não foi uma opcão, amar todas
as namoradas/companheiras que eu tive.
E nesses momentos, onde a família é o ambiente mais opressor que
a gente pode encontrar, essas pessoas viram verdadeiras companheiras, do amor e
da luta, da luta contra as opressões
e por um mundo diferente, mais justo e melhor.
Ser LGBT hoje não é fácil, assim
como em nenhum momento da históia.
Nós sempre fomos
perseguidos, massacrados e estigmatizados. O que esse sistema economico quer de
nós, é nos matar,
nos tirar do mapa, assim como com as mulheres, negros, indígenas e
quaisquer outras minorias de direitos.
E para isso temos Felicianos,
Bolsonaros e um partido que vem coadunar com tudo isso. Trazendo uma grande
ilusão e atraso para
a consciência
da classe trabalhadora e esse é o
Partido dos Trabalhadores (PT), que deixou a Câmara de Direito Humanos e Minorias (CDHM), nas mão da bancada
homofóbica.
Demorei para terminar de te
escrever, porque esses dias foram meio conturbados, depois de sofrer um episóio de homofobia no Jardim
Japonés, situado na
beira mar, minha companheira, de 19 anos foi expulsa de casa pela mãe, então acabou até reforçando a reflexão do que venho
falando aqui, o que nos resta é só indignação e vontade
de lutar pra destruir tudo isso, antes que nós sejamos destruídos.
Natália Guerra
Em seu depoimento Natália deixa implícito o seu pesar por
não atender as expectativas de seus pais quanto a sua sexualidade. De forma
clara e explícita Natália revela que não optou por uma vida marginal, onde ela
afirma ser perseguida, massacrada e estigmatizada. Apesar de todos os
atropelos e percalços, sofridos por não se enquadrar no gênero mulher cis, ela
consegue vivenciar sua sexualidade e mostra-se como alguém que não aceita a
fôrma que, por sua condição de menina, quiseram lhe impor.
Natália é uma corajosa guerreira que não se esconde e
muito menos silencia diante da homofobia. Ela luta e não se deixa abater pela
opressão que sofre no seu dia-a-dia. Uma luta que, se diga de passagem, é desnecessária.
Não precisamos infligir sofrimento a ninguém pra afirmar nossa sexualidade,
seja ela hétero, homo, bi ou trans.
No entanto, é mais fácil julgar, rejeitar, excluir,
desdenhar. Dessa forma nos livramos do enfadonho trabalho de pensar e de se
colocar no lugar do outro e, de quebra, a gente demonstra “nossa superioridade”.
É uma grande ignorância resumir toda a sexualidade humana
em penetração pênis/vagina, uma sexualidade que presume desejo, vontade e
criatividade. Restringi-la a uma única possibilidade, como pretendem muitas
religiões e tabus, seria furtar o ser humano de experimentar todas as
possibilidades de vivenciar sua libido.
Antes do depoimento de Natália, questionei porque somos
tão preconceituosos. A resposta é espinhosa, dolorosa e aguda, mas a verdade é
que ainda somos muito ignorantes, não compreendemos uma porção de fenômenos, e
por não compreendê-los os julgamos anormais ou uma centena de outras bobagens.
Também é dolorido ver que o outro exercita aquilo que queremos, mas o medo nos
impede de chegar lá. É horrível ver no outro o nosso “erro”. Mas acima de tudo,
a gente ainda não aprendeu a sair da frente do espelho, ainda não compreendeu
que o outro é outra pessoa e que tem um universo de possibilidades as quais,
muitas vezes, nem supomos existirem.
Adicionar legenda |
Mas apesar de todo sexismo e homofobia, aos poucos, caminhamos
em busca de uma sociedade mais igualitária e tolerante. Enquanto esse momento
não chega nos resta contar com a luta de quem não se conforma e não aceita o
preconceito.
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