A segunda grande onda de “tosquia” esta inserida no período que abrange maio e julho de 1945, durante a etapa da rendição alemã (apesar da condenação dessa prática, ela é realizada em público).
A nova
onda de tosquia se deu devido à ocorrência de três fenômenos:
- O retorno das prisioneiras de guerra ou aquelas que seguiram os alemães na derrota, como também, trabalhadoras voluntárias e aquelas que foram deixadas pelos alemães durante a retirada.
- Ao regresso de mulheres da Alemanha. E que foram “tosquiadas”, muitas vezes, ainda na plataforma da estação. Como também, aquelas que tinham escapado à primeira onda, ou foram liberadas após uma sentença considerada muito leve, muitas delas sofreram a punição na primavera de 45.
- A descoberta do horror nos campos de concentração, retratado pelos sobreviventes que retornaram a França. A formação das imagens dos campos a partir dos testemunhos publicados pela imprensa, causou um choque na população, acirrando o desejo de limpeza profunda ou de purificação.
Este
foi também o momento em que um número de pessoas presas no Liberation, foi
liberado depois de alguns meses de internamento. Para muitos, o tratamento
jurídico dado a elas foi considerado demasiado brando. O desejo de “justiça”
levou a ataques, assassinatos e “tosquias”.
É
preciso destacar mais uma vez que, a pessoa punida com o corte de cabelo assume
a ofensa. Ela é punida em seu corpo, então seu corpo é culpado. Talvez, por
esse motivo, as mulheres implicadas nessa prática ainda permanecem em silêncio.
Não é fácil recolher testemunhos de uma "tosquiada".
Por conta
do silêncio das vítimas, os historiadores não conseguem ir adiante em suas
pesquisas, fica sempre uma lacuna no estudo do fenômeno. Algumas informações,
dependendo de sua origem, oferecerem uma visão parcial e tendenciosa da
“purga”.
Além
disso, nos documentos analisados, a culpa ou a imputação de crime de
"colaboração horizontal" muitas vezes desempenha um papel mais
importante do que o próprio corte de cabelo. Sendo colocado em destaque o
trauma da ocupação, as restrições, o medo, a fome e todas as frustrações do
período, que aparecem na descrição daqueles que passaram por essas
dificuldades.
Resta há hipótese que naquele momento, a frustração da população se voltou completamente para as pessoas que supostamente teriam colaborado com os alemães. Essa revolta se materializou na acusação de muitas mulheres terem “dormido com o inimigo”. A essas mulheres eram empregadas a designação de "musas de besouros”, "cocodettes frívolas", "cortesãs de voo alto” ou aqueles "fridolinisé em colchões".
O tratamento sexista dado ao processo fica evidenciado num trecho de um relatório da polícia num processo de uma acusada.
“Investigação
após uma carta anônima denunciando o aborto da Sra. X, de 25 anos, dona de casa,
o marido se encontrava interno como prisioneiro de guerra.
As
testemunhas afirmaram "... Sabe-se que ela é promíscua e muitos a viram com
os alemães... ", "... No entanto, acredito que ela teria feito um
aborto. Sabe-se que ela tem muito a ver com os alemães e foi muito criticada
por isso...", "... Tudo o que posso dizer é que ela esteve com as
tropas de ocupação...”, "... Há boatos de que ela pode ter colaborado
estreitamente com as forças de ocupação...”. Enquanto isso a Ms. X afirmava "...Eu
nego veementemente as acusações feitas contra mim...".
Não se sabe se senhora X foi “tosquiada” ou se os fatos alegados são verdadeiros. O que tem pouca importância neste caso. Note-se que as testemunhas de acusação traz poucos fatos palpáveis. As acusações estão baseadas meramente em rumores, em “disse me disse”. O enfoque das acusações recai sobre a reputação da vítima, da mulher.
Portanto,
as mulheres tornaram-se as principais vítimas e vilãs da guerra. Elas sofreriam
acusações fundamentadas ou não e seriam punidas para satisfazer a necessidade
de vingança da população que procurava uma forma de extravazar a sua revolta
por conta da ocupação.
Assim
como na França do pós-guerra, nos dias atuais, as mulheres são usadas para suprimirem
as frustrações do coletivo (infelizmente, composto por homens e mulheres) machista,
que encontra na cultura do “sexo frágil”, atribuído ao gênero feminino, o
terreno ideal para direcionar seu ódio e ira. As frustrações típicas de um
sistema injusto, como o capitalista, geram em grande parte da população, uma
sensação de desajuste e inadequação. Essa frustração, que muitos poucos identificam
a origem, encontra na opressão contra o gênero feminino uma forma de extravasar
o medo, a dor e o sentimento de desamparo.
Aliada
a essa sensação de inadequação tem-se a cultura patriarcal, uma forte
influência comportamental, que indiscutivelmente repercute o sexismo e a
opressão contra a mulher. O patriarcalismo, base estrutural da formação da
nossa sociedade, é também a base da cultura machista que vigora neste e outros países
até hoje.
O patriarcalismo,
como também o machismo, está fundamentado no conceito de posse. O homem, chefe
da família, seria o dono dos bens desta, como também dos bens da esposa, bem
como da própria esposa e dos seus filhos.
Portanto,
a cultura que prevalece ainda hoje é a da mulher objeto, que deve se sujeitar
as determinações do homem a que ela está ligada. Quando isso não ocorre,
normalmente ela sofre as mais variadas formas de retaliações.
Embora
muitas mulheres lutem há décadas para reduzir a influência da cultura machista,
prevalecem no seio da sociedade dominada de forma hegemônica pelos homens,
relações de poder que reproduzem a subjugação e objetificação da mulher. O
exercício da opressão não deixa de ser uma expressão de poder. Portanto,
renunciar ao exercício da opressão é renunciar ao poder, e isso os sexistas,
enquanto grupo social, se recusam a fazer. Pra eles, é interessante continuar
controlando a consciência e o corpo feminino, inclusive dos grupos
feminilizados, considerados não viris.
Raspar
as cabeças de jovens e senhoras implica, simbolicamente, extrair delas os
atributos sexuais e torna-las inaptas para exercer sua sexualidade, também
implica subjugá-las ou domina-las, significa uma demonstração de poder.
Da
mesma maneira, difamar uma mulher por conta de sua sexualidade significa
castra-la e mostrar para as outras que estarão sujeitas ao mesmo tratamento, e
que, portanto, devem seguir os convencionais estereótipos se quiserem
permanecer merecedoras da reputação de boas moças de família.
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