Em virtude das atividades referentes ao último dia
25, Dia Internacional de Combate a Violência Contra a Mulher, estive em
Independência para apresentar a palestra "Violência de Gênero no Ceará e o
Aparato Estatal Destinado a Defesa da Mulher".
Então, no dia 26, postei uma mensagem de agradecimento a hospitalidade do povo independenciano e ressaltei a importância do movimento e da iniciativa dos envolvidos nas atividades. Bastou isso para que um amigo demonstrasse sua opinião a respeito da causa.
“Particularmente acho esse movimento
muito importante para esclarecerem as mulheres vitimas de violência mas, eu
acho que seria mais interessante e útil se vocês que estão à frente desse
movimento ajudem mulheres/mães que foram abandonadas pelo os maridos
e tem dificuldades de sustentarem os filhos, mulheres/mães solteiras,
mulheres/carente materialmente que não tem trabalho, mulheres explorada em casa
de família para ganhar seu sustento tudo isso é uma forma de violência. só
palestas palavras não enche barriga de ninguém. Vocês deveriam já que estão
vestindo essa camisa então tenham essa iniciativa faça o trabalho completo em
arrecadar donativos para cestas básicas, arrecadar roupas semi-novas para as
crianças dessas mães carentes. Vai aqui uma dica aproveitem já que está
chegando o mês natalino façam cestas de natal e doe para essas mulheres tão
necessitadas de tudo. Arrecade brinquedos para os filhos dessas pobres
mulheres. Palestas e palavras se perde (sic) no tempo e sem ação não são nada,
palavras sem caridade são mortas. Agindo assim será muito mais gratificante
para você que está doando e para quem está recebendo. Não seja apenas uma líder
feminista seja também um veiculo de ajuda para a sua semelhante divina chamada
mulher. Feliz Natal!”
Em parte, ele tem razão, um das principais dificuldades
envolvendo o problema da violência de gênero é que grande parcela das vítimas são
dependentes economicamente dos parceiros. No entanto, ele não assistiu a minha
palestra, que antes de ser uma apresentação feminista foi informativa, de
exposição de dados sobre a violência, sobre o perfil do agressor, da vítima, de
cobrança ao fim da impunidade e, pasmem, tinha um cunho de incentivo a população para que cobrassem do poder público políticas de acolhimento a mulher em situação de violência.
Ainda em visita a cidade, estive visitando o Centro
de Referência Especializado de Assistência Social do município (CREAS), órgão responsável
pelo acolhimento às vítimas de violência. No local, fiquei sabendo que os
principais casos que são levados até eles são de idosos que sofrem violência patrimonial
e física. Além de me informar sobre a atuação do órgão, coloquei algumas
informações sobre casos de recusa policial ao atendimento de 4 vítimas de agressões. Sobre o caso, sugeri a denúncia a Ouvidoria da Polícia
Civil, caso não houvesse resolução do caso, sugeri o encaminhamento a
Corregedoria de Polícia. Também deixei a sugestão de que o CREAS, em conjunto
com os movimentos de mulheres, marcasse uma reunião com o delegado da cidade
para discutirem os procedimentos de atendimento as vítimas de violência
domésticas.
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Além disso, estive nas rádios da cidade passando
informações para a população sobre os vários tipos de violência, informei as
estatísticas alarmantes, os problemas gerados por ela, e ainda divulguei o
disque 180 como mecanismo de informações sobre o que fazer em casos de
violência e onde procurar ajuda. Portanto, acredito que minha colaboração
ultrapassou o limite do "palestrar e falar sobre feminismo".
As pessoas ainda não compreenderam que não vai ser uma
cesta básica no período do Natal que vai mudar a realidade de muitas vítimas que
sofrem violência. Até mesmo porque não são só as mulheres que dependem
economicamente dos parceiros que são agredidas por eles. Mas talvez seja essa
mesmo a intenção, o não rompimento que esse ciclo de agressões.
Bem, mas continuando sobre as cestas básicas. Esse tipo
de pensamento reflete bem o preconceito com a violência de gênero, as pessoas
continuam acreditando que as relações violentas estão intrinsecamente ligadas a
baixo poder econômico. Imagino que esse tipo de pensamento só pode partir de
pessoas que não entendem o que é violência e quais as formas que ela pode
assumir. No entanto, eu me sinto impelida a concordar que as mulheres mais
pobres denunciam mais e por isso as estatísticas são mais elevadas nessa classe.
Além disso, em comunidades ou em bairros pobres as pessoas e as relações estão
mais expostas e os vizinhos acompanham mais de perto os problemas dos casais e
por isso os casos de agressões estão à vista. Por outro lado, as mulheres da
classe média escondem as agressões por vergonha ou por outros motivos.
Uma das vulnerabilidades da vítima é a carência econômica
sim, isso não há como negar. No entanto,
pensar que o assistencialismo pode resolver essa questão é no mínimo
ingenuidade. O que resolveria esse problema seriam medidas governamentais
capazes de garantir a mulher autonomia. Ou seja, o governo precisa oferecer as
mulheres qualificação, emprego, renda e creches para os filhos das
trabalhadoras. Essas medidas poderiam ajudar a romper com esse ciclo de
violência. O assistencialismo mais vitima do que liberta (embora, nesse
momento, seja necessário).
É lógico que a vítima pensa duas, três, quatro ou dezenas
de vezes antes de denunciar o marido quando ela precisa dele para garantir a
sua subsistência e de seus filhos. Outra questão é; a mulher denuncia o
agressor e não tem pra onde ir, ou levar os filhos, então ela vai ter de
continuar convivendo com ele, é lógico que ela vai temer por retaliações e até
mesmo por ser morta. Daí, não há como culpa-la por se sentir intimidada em
romper com o ciclo de agressões. Seria preciso que o governo oferece abrigo e
proteção para toda a família.
Apesar de compreender a dependência como um empecilho a
denúncia, este não é o gatilho gerador da violência. A principal causa da
violência contra a mulher é o machismo e o patriarcalismo, ou seja, uma cultura
que ver a mulher como objeto e uma propriedade do macho, mas esse é outro
assunto. - E dando
continuação - A violência contra a mulher não é uma situação que aceita
remendos ou improvisações, todos os dias são mortas 15 mulheres por conta do
machismo, a cada hora 6 mulheres são estupradas, sem contar com as lesões
corporais que só no Ceará, em 2012, foram 9.716 casos comunicados. De 1980 á
2012 foram assassinadas 100 000, isso mesmo, 100 mil mulheres, o equivalente a
2, 3, ou 4 vezes a população de uma cidade do interior. Estamos falando de um
verdadeiro genocídio.
Portanto,
querer tornar o problema tão grave numa questão meramente assistencialista é de
uma irresponsabilidade imperdoável. O assistencialismo, como sugerido, é uma
medida que fomenta o processo de exclusão, humilhação, vitimização e subjugação
e deixa a mulher ainda mais vulnerável à violência.
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