A libertação da França foi um período complexo de alegria misturada com entusiasmo, um pouco de medo para alguns e tristeza para outros.
Quando se trata de evocar a libertação, curiosamente, é sempre as mesmas imagens que vêm à mente. As cenas de júbilo, a resistência desfilando pelas ruas das cidades e aldeias libertas, cerimônias patrióticas, bandeiras penduradas nas ruas, pessoas dançando e tocando em lugares públicos. Tudo isso se misturando ao corte
forçado dos cabelo de "colaboradores" dos alemães, uma das práticas que
eram aplicadas durante a "Épuration Légale"
ou “Purga legal”.
A prática que consistia em cortar o cabelo de pessoas
consideradas traidoras, indignas ou colaboradoras do inimigo, se configurou num
ritual maciçamente espalhado por todo o território francês entre 1943-1946. As cenas eram exibidas
com status de espetáculos públicos por toda a França. Os funcionários atacavam os prisioneiros alemães e todos os que foram acusados de comportamento indigno.
Entre eles, as mulheres que tiveram relações emocionais com os soldados alemães. Para a maioria
delas, é
quase sempre
a mesma história, a da França ocupada em que as meninas, por descuido ou imprudência, cruzando a zona proibida e cometendo o impensável, se envolviam no o ato de adultério com inimigo da nação.
Em sua tese , Fabrice Virgili , identifica que cerca
de 20.000 mulheres tiveram os cabelos cortados no período. Deste total apenas
metade foi acusada de "colaboração horizontal", ou seja, ter tido
relações sexuais com inimigo. Um terço das mulheres foram presas tendo comprovada
ou não acusação.
Ao contrário dos Julgamentos de Nuremberg, a "Épuration Légale" foi conduzida como um assunto interno francês. Aproximadamente 300.000 casos foram investigados, alcançando os mais altos níveis do governo colaboracionista de Vichy. Mais da metade foram encerrados sem acusação. De 1944 a 1951, os tribunais oficiais na França condenaram 6.763 pessoas à morte por traição e outros crimes. Apenas 791 execuções foram efetivamente realizadas. No entanto, 49.723 pessoas foram condenadas a "degradação nacional", que consistia na perda total de direitos civis.
A campanha para identificar e massacrar os colaboracionistas do regime alemão puniu cerca de 30.000 mulheres com humilhação pública, por suspeita de que tiveram ligações ou porque eram prostitutas e se relacionaram com os alemães. Algumas vezes, a coisa toda não passava de briga de vizinhas -uma denunciando a outra como acerto de contas pessoais- ou então uma denúncia vazia de participantes realmente ativos, que dessa forma tentavam salvar sua pele desviando a atenção de sua cooperação com as autoridades da ocupação. O calvário das viúvas da ocupação - Metamorfose Digital
As mulheres que
tiveram, durante ou após um grande conflito, relacionamentos íntimos, geralmente
voluntários (embora não se exclua os involuntários) com homens inimigos sofreram
várias humilhações , incluindo ter o cabelo cortado, numa clara execração pública.
O sentido do corte seria a expurgação ou limpeza do indigno. Muito embora o
sentido sexista da prática se apresente de forma muito mais marcante.
O caso é que muitas coitadas que
tiveram algum tipo de relacionamento com os soldados e oficiais alemães não
tinham culpa, o que elas iriam fazer? Elas eram reféns de um estado ocupado.
Mas a ira e a necessidade de encontrar bruxas para caçar não permitia o
razoamento, se houvesse um indício qualquer, a coitada tinha sua cabeça raspada
e era exposta em público como desgraça da nação. Muitas vezes só raspar a
cabeça não bastava, eram despidas, abusadas, desenhavam a suástica nos seus
rostos, ou queimavam a marca com ferro em brasa na testa.
Estas mulheres foram reconhecidas como "nacionalmente indignas" e sofreram, além da degradante humilhação em público, penas de seis meses a um ano de prisão, seguida da perda total de direitos civis por mais um ano, quando ainda eram violentadas e insultadas nas ruas. Muitas não suportaram a vergonha daquela situação e sucumbiram cometendo suicídio.
O calvário das viúvas da ocupação - Metamorfose Digital
Estas mulheres foram reconhecidas como "nacionalmente indignas" e sofreram, além da degradante humilhação em público, penas de seis meses a um ano de prisão, seguida da perda total de direitos civis por mais um ano, quando ainda eram violentadas e insultadas nas ruas. Muitas não suportaram a vergonha daquela situação e sucumbiram cometendo suicídio.
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O caratér da
acusação é a primeira divisão de gênero quanto aos encargos de ambos, a
cooperação económica ou política, que poderia ter sido praticada por homens e
mulheres, foram ignoradas, restando às mulheres as acusações de suposta “colaboração
horizontal” com o inimigo.
A natureza de
gênero na “colaboração” identifica um discurso específico, que associa a imagem
da mulher com a incapacidade de agir por sua própria iniciativa. Assumi-se como
verdadeiro o pretenso paradigma de que a
mulher segue o homem com quem ela compartilha sua vida (mulheres são todas dirigidas
por seus maridos), em conformidade com o estereotipo de imprudente,
irresponsável, gananciosa ou imoral. Estes pretensos argumentos foram levados
em conta por alguns tribunais para explicar as ações das “colaboradoras
horizontais”, na qual a " fraqueza
do sexo frágil" fortaleceria os aspectos da colaboração.
“Tosquia”, ou corte forçado dos cabelos, seria uma pena menor, já que as relações sexuais com os alemães não têm qualquer influência sobre o curso dos acontecimentos no decorrer da guerra. A “tosquia” seria um ato simbólico de culpa sexual. O corte de cabelo não era o castigo de cooperação, mas a punição de colaboração sexual. É preciso destacar que a mulher que tem o cabelo cortado assume a ofensa. Ela é punida em seu corpo, então seu corpo é culpado. A destruição de um dos atributos de sedução (o cabelo), implica que seu crime tem relação como sua sexualidade.
As primeiras “tosquias” apareceram em 1943,
entre março e junho, quando a colaboração foi identificada como traição em
alguns departamentos (Baixo Loire, Isère, Ille-et-Vilaine), mas eram ilegais e
não foram muitas. Elas foram feitas por grupos resistentes que a usuram como um
meio de transmitir o medo em outro acampamento. No entanto a primeira onda
ocorreu entre junho e setembro de 1944, como a libertação do território e tem
no fim do Verão de 1944.
As “tosquias” eram realizadas tanto nas grandes cidades, como em
áreas rurais e geralmente realizadas nas ruas, praças e salões da cidade, em
público para que todos possam ver, e eram retransmitidas e descrita pela
imprensa e rádio de Londres.
Nisso tudo há ainda um aspecto que
permaneceu vergonhosamente nas sombras por décadas: as crianças nascidas de
soldados alemães. De acordo com várias estimativas, nasceram ao menos 200 mil
dos chamados "filhos da ocupação",
mas estes sofreram menos que as mães, quando o governo limitou-se a proibir
nomes alemães e o estudo da língua alemã. Entretanto não foram poucos os casos
de "filhos da ocupação" que sofreram algum tipo de ataque e
segregação. O calvário das viúvas da ocupação -
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