Por Ana Eufrázio
Lamentavelmente, desde o seu surgimento, a AIDS se
constituiu numa epidemia global, numa realidade cruel, excludente e
discriminatória, para a mulher.
Em mulheres, a ocorrência da infecção pelo HIV foi
detectada pela primeira vez em 1981, nos Estados Unidos. Logo no surgimento, a
doença esteve associada aos grupos socialmente excluídos. No grupo feminino, acreditava-se
que sua ocorrência estava restrita a mulheres parceiras de usuários de drogas
injetáveis, de hemofílicos e de homens bissexuais, ou mulheres envolvidas na
prática da prostituição. Por este motivo, somente no início da década de 90
surgiram as primeiras respostas coordenadas voltadas para o segmento.
Além de tardias, as primeiras medidas tomadas, no
sentido de conscientizar as mulheres de sua vulnerabilidade social e
individual, não foram eficazes em deter o crescimento da transmissão vertical,
já que existem variáveis vinculadas à desigualdade gênero que não foram consideradas
a principio.
Essas variáveis foram percebidas e elencadas pelos
formuladores do Plano Integrado de EFRENTAMENTO da FEMINIZAÇÃO da Epidemia de
Aids e outras DST.
• A inexistência ou a insuficiência de políticas públicas que efetivem
os direitos humanos das mulheres, conforme estabelecido em diferentes
instrumentos acordados internacionalmente como a Plataforma de Ação da IV
Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995) e o Plano de Ação da Conferência
Mundial de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994);
• A persistência de um olhar sobre a saúde das mulheres com um enfoque
meramente reprodutivo, concentrando esforços na proteção à maternidade;
• A falta de acesso a serviços de saúde que promovam a efetivação dos direitos
sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres;
• A falta de acesso à educação por parte de vastos contingentes de
meninas e mulheres, notadamente a África e alguns países da América
Latina e Caribe;
• A persistência de padrões culturais e religiosos que interferem negativamente
na adoção de medidas preventivas, como o uso do preservativo tanto masculino
quanto feminino;
• A menor empregabilidade feminina, a ocupação das posições mais precárias
pelas mulheres e nos setores informais da economia;
• A violência doméstica e sexual Ministério da Saúde.
De acordo
com Ana Neta, Assessora Técnica da Coordenadoria DST/Aids do Estado do Ceará, a
feminização da Aids é reflexo do comportamento da população feminina, associado
aos aspectos de vulnerabilidade biológica da mulher.
“A
maioria das mulheres não exige o uso de preservativo por medo de que o companheiro a abandone. Elas alegam que se cobrarem o uso de preservativo o
parceiro vai procurar outra que aceite fazer sexo sem. Algumas delas chegam a
tentar me convencer a concordar com essa ideia” Ana Neta.
O que
se percebe na declaração de Ana é que a mulher ainda se encontra na situação de
extrema dependência do parceiro, seja financeira ou psicológica. Ela vê a exigência
do uso de preservativo como uma ameaça à sua relação, e em determinados casos a
sua subsistência.
A desigualdade
social entre gêneros ainda é um fator que tem impacto sobre o nível de
escolaridade, empregabilidade e renda das mulheres. O que no final das contas,
implica dizer, que também tem peso no comportamento sexual feminino. As carências
decorrentes dessa desigualdade são alguns fatores que tornam as mulheres mais vulneráveis.
Estes
fatores, que por muitas vezes se somam, ameaçam sobremaneira a autonomia feminina.
A vulnerabilidade social, ou a dependência
financeira, torna a mulher, não só vitima do controle sexual do parceiro, como
também de outros tipos de violência. Nessas condições se estabelece uma situação
de submissão e dependência em relação ao homem, onde ele determina como deve
ser conduzida a relação e a vida sexual da parceira. Esse controle pode incluir
desde a restrição ao uso de preservativos e aos métodos contraceptivos, como
também, a imposição da manutenção da gravidez indesejada.
Além
disso, o preconceito quanto à sexualidade feminina e a violência contra a
mulher, inclusive a sexual, corroboram para construção das altas taxas de incidência
de AIDS em mulheres. Em caso de violência sexual, quando a mulher não é
assistida ou quando ela não procura ajuda, corre o maior risco de se contaminar
com HIV. A resistência que algumas mulheres têm em procurar ajuda em caso de violência
esta relacionada com medo e sentimento de culpa.
Então,
a feminização da AIDS tem uma estreita relação com o machismo, ou seja, com as
desigualdades de gênero, reflexos da relação de poder do homem para com a
mulher. Situação que pode se estabelecer mesmo entre casais onde a mulher ganha
o mesmo ou mais que o marido, e onde as relações de dominação e opressão se estabelecem
a partir da dependência psicológica, ou tem relação com a religião e até mesmo fatores
culturais, resquícios da origem patriarcal da nossa sociedade.
“E a família patriarcal era o mundo do homem
por excelência. Crianças e mulheres não passavam de seres insignificantes e
amedrontados, cuja maior aspiração eram as boas graças do patriarca. A situação
de mando masculino era de tal natureza que os varões não reconheciam sequer a
autoridade religiosa dos padres... Nesse universo masculino, os filhos mais
velhos também desfrutavam imensos privilégios, especialmente em relação a seus
irmãos. E os homens em geral dispunham de infinitas regalias, a começar pela
dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras com criadas e ex-escravas,
desde que fosse guardada certa discrição, enquanto que às mulheres tudo era
proibido, desde que não se destinasse à procriação. Por mais enaltecido que fosse o papel de mãe, um obscuro destino esperava as
mulheres. Uma senhora de elite, envolta numa aura de castidade e resignação,
devia procriar e obedecer. Com os filhos mantinha poucos contatos, uma vez que
os confiava aos cuidados de amas-de-leite, preceptoras e governantas.
Sobravam-lhe as amenidades, as parcas leituras e a supervisão dos trabalhos
domésticos. Até mesmo as linhas de parentesco, tão caras à sociedade
patriarcal, só se tomavam "efetivas" quando provinham do homem. Desse
modo, a mulher perdia a consangüinidade de sua própria família de origem, para
adotar a do esposo.” www.historianet.com.br.
Portanto, onde o comportamento machista, e estupidamente
patriarcal, é prevalente a mulher se sente inibida ou pressionada a ceder á
imposição do sexo desprotegido. É fácil constatar
essa tendência a partir das dezenas de frases sexistas:
“Camisinha
é coisa de vagabunda, mulher direita não precisa disso” ou que “Fazer sexo com
camisinha é mesmo que chupar bala com a embalagem” e até que “transar sem camisinha
é uma demonstração de confiança”, “sexo com a patroa ter que ser sem camisinha
mesmo”.
Acreditar
que pensamentos como os expostos acima são verdadeiros, e ceder a eles, representa
assumir um comportamento de risco. Esse tipo de atitude reforça a tendência no
aumento da incidência de infecção de mulheres em relações estáveis.
No entanto,
por conta das vulnerabilidades citadas acima e em decorrência dos estereótipos
culturais relacionados à doença, as mulheres continuam se submetendo aos riscos,
se contaminando, adoecendo e morrendo.
O Brasil
enfrenta uma epidemia com uma média de 35 mil casos/ano (de 2000 a 2009).
Estima-se que 630 mil pessoas vivam com o vírus no Brasil. Destas, pelo menos,
255 mil desconhecem estarem infectadas, pois nunca fizeram o teste de HIV.
FEMINIZAÇÃO DA AIDS NO MUNDO
Estima-se que em todo mundo 90% das pessoas vivendo com HIV não sabem que estão infectadas, e menos de 10% das mulheres grávidas fizeram teste de sorologia.
Estima-se que em todo mundo 90% das pessoas vivendo com HIV não sabem que estão infectadas, e menos de 10% das mulheres grávidas fizeram teste de sorologia.
Dados coletados pelo Ministério da Saúde revelam
que ¾ (76%) de todas as mulheres HIV positivas vivem na África Sub-Saariana,
local onde as mulheres representam 59% dos adultos vivendo com HIV, e cerca de
74% pessoas jovens, entre 15 e 24 anos, vivendo com HIV são do sexo feminino.
Em Bangladesh menos de 1 a cada 5 mulheres casadas haviam
ouvido falar da AIDS. Já no Sudão, apenas 5% das mulheres sabiam que a
utilização de preservativos poderia prevenir a infecção por HIV e mais de 2/3
das mulheres nunca tinham visto ou ouvido falar sobre preservativos.
Estudos realizados na África do Sul e Tanzânia mostraram
que mulheres vítimas de violência eram até 3 vezes mais vulneráveis a infecção
por HIV que mulheres não vítimas.
Na Ásia, o grupo de mulheres vivendo com a doença
chega a 30% dos adultos com HIV. Os números são mais altos na Tailândia, 39%, e
no Camboja, 46%, nesse país, aparentemente, o medo da violência doméstica pode
ser uma das razões que levam ao baixo índice de testes para HIV em algumas
clínicas de pré-natal por mulheres gestantes que têm utilizado serviços de
aconselhamento.
No Caribe, 51% dos adultos vivendo com HIV são mulheres,
enquanto nas Bahamas e em Trinidade e Tobago, as estatísticas são 59% e 56%,
respectivamente. Na Ucrânia, onde a epidemia cresce mais rapidamente na Europa,
as mulheres representam quase metade (46%) dos adultos vivendo com HIV.
Fonte:
http://www.soropositivo.net/
http://www.salves.com.br/virtua/aidsifechiv.htm
http://www.abiaids.org.br/_img/media/Apresenta%C3%A7%C3%A3oRenatoGirade-Projeto_AIDS-SUS_09-03-2012.pdf
http://www.sms.fortaleza.ce.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3&Itemid=150
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/plano_integrado_enfrentamento_feminizacao_aids_dst.pdf
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