Infelizmente, sinto saudade do tempo em que eu
não sabia de o quanto éramos vítimas de opressão e violência. Sinto saudade do
tempo em que não lia jornais, assistia noticiários ou tinha acesso á
informação. Tenho saudade desse tempo porque eu achava que o mundo era
diferente do que é, e hoje eu sofro, por
mim e por milhares de companheiras, com o tamanho da violência que vitima
muitas de nós mulheres.
Venho,
ultimamente, assistindo nas mídias a divulgação dos alarmantes dados sobre as
agressões e mortes de mulheres em todo o Brasil, e apesar de já denunciar esse
problema há alguns meses, a cada relato ou dado,
sinto cortar profundo minha pele. É lamentável que ainda sejamos vitimas de
tamanha brutalidade.
Ontem,
o CQC abriu uma pauta pra abordar o tema. Marcelo Tass revelou-se admirado com
o tamanho do problema, “as mulheres no Brasil continuam sendo submetidas a um
nível de violência, mas é um nível de violência, de idade média”. Ele demonstrou estar horrorizado com a morte
de 15 mulheres por dia, o que chamou de BARBARIDADE. Outro dado revelado
durante o programa, tão alarmante quanto à taxa de assassinatos e já denunciado
aqui, dá conta de que a cada dois minutos cinco mulheres são agredidas
violentamente em território nacional.
Para
demonstrar a gravidade do problema, revelada através das estatísticas, algumas
vitimas deram depoimentos sobre suas experiências. Enquanto uma ainda corre
risco de vida, pois tem recebido constantes ameaças morte do ex-marido, a outra
trás no rosto as cicatrizes da violência.
Ao
revelar que 40% das mortes são decorrentes de crimes passionais Ronald Rios faz
questão de esclarecer que, apesar do termo passional remeter a paixão (no
francês passion), o que leva o
assassino a cometer o homicídio não é o amor ou a paixão e sim o sentimento de
poder e posse. É interessante observar esse comentário porque é usual a
associação do ciúme ao amor. No entanto, o ciúme esta relacionado ao sentimento
de posse e a insegurança. O que nos leva a relembrar algumas frases famosas;
“Não
quero que você: saia com essa roupa... de
amizade com essa pessoa... saia (ou viaje) sozinha... ande batendo perna por
ai... O resto da frase é lógico que você já sabe, mas não custa mencionar “NÃO
É POR CIÚMES, É ZELO”. Mas, o que talvez você não saiba é que; é por ciúmes
sim. E o pior; não é por gostar de você que tem ciúmes, é porque acha que você
é uma coisa (a palavra coisa quer mesmo dizer objeto) que pertence a ele, você faz parte do patrimônio dele. E por
insegurança, ele tem medo de perder.
Então
você pensa, já que ele tem medo de me perder ele vai me dar valor, certo? ERRADO.
Não é somente porque ele tem medo de perdê-la
que vai ser carinhoso, prestativo, educado, companheiro e cuidadoso com
você. Pelo contrário, ele vai te tratar
com um objeto e tentar manipula-la. Vai convencê-la de que você não encontrará
“outro besta igual a ele pra querê-la”, vai controlar todos os seus passos,
atitudes e pensamentos e, em muitos casos, até espanca-la e, quiçá, mata-la.
Ai
você vai pensar; mais um exagero dessa doida. Então você nunca se deparou com a
pergunta “No que você esta pensando? Não quero você pensando noutro macho não”.
Então,
continua achando que exagero quando digo que o homem possessivo vai tentar
controlar o seu pensamento?
Através
do depoimento de Luciana, separada há pouco mais dois meses do marido que há 15
anos a espancava, podemos verificar que a mulher se sente impotente para acabar
um relacionamento violento. Essa sensação de impotência não é inerente ao
indivíduo do sexo feminino, ela é decorrente de um forte trabalho de alienação
executado pelo homem possessivo.
Isto
esta parecendo tão estranho, não é mesmo?
A
nós, mulheres não vítimas de violência física, fica difícil compreender o que
leva uma mulher ser espancada por longos 15 anos (e até uma vida inteira) sem
que tome qualquer atitude. No entanto, como disse numa postagem anterior, “VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA CONTRA MULHER.Violência psicológica contra a mulher”, um histórico de agressão física nunca começa a
partir do espancamento, ela se inicia com os olhares intimidadores, discussões
em tons elevados, os xingamentos, gritos e empurrões, até chegar aos
espancamentos.
A
violência é cometida em progressão, no começo da relação o homem comente a violência
psicológica até destruir a alto-estima e a segurança da mulher. Somente depois
disso é que ele parte pra o espancamento. Durante a violência psicológica, o indivíduo
possessivo usa de todas as artimanhas pra convencer a mulher de que ela não
capaz de viver sozinha, que ele foi a melhor coisa que aconteceu a ela, de que
ela tem sorte de não estar “encalhada”, de ter alguém que a queira e tantas
outras incapacidades que ela, supostamente, tem.
Então
mais uma vez vai achar que essa é uma conversa de feminazi muito doente.
Vamos
lá, deixe-me lhe perguntar: Nunca ouviu a frase “Ruim com ele. Pior sem ele” ou
“Ele pode ser um mau marido, mas um bom pai”, e essa (que eu, particularmente,
abomino) “Ele pode ser tudo (um verdadeiro canalha), mas não deixa me faltar
nada”?
Então,
o que acha?
Eu...
estou convencida de que ele conseguiu se fazer bem mais necessário do que
poderia ser.
Pelos
motivos citados acima a mulher sofre espancamentos e não deixa o agressor. Ela se
sente fragilizada e não consegue se imaginar vivendo sem ele, apesar do fato de
ser ele o motivo da sua fragilidade e de seu sofrimento. Nesses casos, a
mulher, muito embora independente financeiramente, não consegue imaginar-se
vivendo sozinha sem a “proteção” desse homem. Pois foi ensinada que “sem ele
não é (absolutamente) nada”.
Veja
bem do que eu falo “Eu me sentia uma tonta, porque eu não conhecia o mundo lá
fora. Então, eu achava que tinha de aguentar”, frase de Luciana. É um trabalho
de alienação tão perfeito que a mulher tem como suas as ideias dele (homem). Veja
sua situação: Ela não sabe o que fazer, nem como sobreviver sozinha e sequer
sabe o que realmente lhe esta acontecendo. Ela apenas suspeita de que a forma de
se relacionar com outro está errada.Veja aqui o vídeo do programa CQC mostra a violência contra as mulheres.
O CQC argentino abordou o tema em 2011, veja o vídeo abaixo.
Então,
esse estado de vulnerabilidade permite que a mulher seja, de muitas formas,
manipulada. Seja pela religião, que sugere que o laço do casamento é indissociável,
seja pela sociedade que a culpa pela submissão e a faz suportar as agressões em
nome do bem estar dos seus filhos e do pai deles. E até mesmo pelo parceiro, através
das juras de amor que ele sempre faz nas horas de trégua, os pedidos de perdão
pelas agressões e as promessas de não voltar a agredi-la.
Então
vai perguntar; Por que ela acredita nessas promessas?
É
simples. O homem sabe direitinho o que a mulher deseja ouvir e ele vai dizer
exatamente tudo que ela gostaria de ouvir dele: que a ama, que nunca mais vai
fazer aquilo, que se sente um louco por tê-la machucado, que agiu daquela forma
porque estava bêbado, com problemas no trabalho ou porque ela provocou a
agressão. Vai dizer também que mulher igual a ela não existe e que nunca vai
encontrar outra igual e assim por diante.
E
você vai perguntar de novo; Mas porque ela acredita nessa conversa?
Lamentavelmente,
ela vai acreditar nessa conversa porque esta muito fragilizada e acha que precisa
da companhia do agressor.
Então
porque o homem mata a mulher?
Bem,
como foi dito um pouco acima, ele espanca pra demonstrar poder, pra mostrar
quem manda, pra subjulgar a mulher, pra mantê-la sob controle. Mas também, e principalmente,
homem espanca a mulher pra destruir sua identidade, seus sonhos e sua autonomia.
Quando
ele falha nesse intento ele mata mulher porque prefere danificar
irreversivelmente o bem a permite que outro faça uso dele. Esse sentimento é
verbalizado na seguinte frase “Se você não for minha, não será de mais ninguém”.
Essas seriam as motivações interiores, os sentimentos que estão com o
assassino. As motivações externas a ele,
mas que operam no sentido de incentivar o feminicídio seriam a impunidade e a
coisificação da mulher.
Então,
mas porque eu me alonguei tanto neste post?
Peço-lhe
desculpa por isso, mas acho que a gente precisava conhecer um pouquinho dos
sentimentos de quem sofre a violência de gênero e perceber que não é só uma
questão de atitude (individual) a interrupção de uma sequência de agressões. Envolve
uma gama de atitudes (políticas) que poderiam, coletivamente, levar a erradicação
da violência de gênero. O que suscitaria na vítima ou nas pessoas próximas, o
desejo de denunciar o agressor.
Portanto,
pra que uma mulher possa ter a vontade e a coragem de denunciar a agressão,
seria necessário que ela (mulher, agora no sentido coletivo) disponha de
ferramentas pra lidar com os resultados dessa denúncia, ou seja, seria necessário fornecer a mulher em situação de violência
abrigo, amparo psicológico, financeiro (em muitas situações) e jurídico. Mas antes
de tudo é necessário que se estabeleça a cultura de valorização da mulher,
enquanto ser humano, punição aos agressores e informação sobre a violência de
gênero.
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